Tarifas. “Dia da Libertação” de Trump mergulha comércio mundial na incerteza
Tarifas recíprocas vão avançar sobre todos os países, garantiu Donald Trump. Detalhes das novas taxas aduaneiras serão anunciados esta quarta-feira, assim como quais os setores que vão ser afetados.
2 de abril de 2025 é o dia que Donald Trump apelidou de “Dia da Libertação” e marca a entrada em vigor de uma série de novas tarifas que prometem atingir todos os países, com a implementação das chamadas taxas recíprocas e de outras sobre setores, que incluem a imposição de uma taxa de 25% sobre todos os carros exportados para os EUA. Pouco se sabe, para já, sobre os detalhes destas medidas, mas o impacto será enorme e ninguém vai escapar aos efeitos desta onda protecionista que afeta consumidores, empresas e a própria economia.
“2 de abril é um dia libertador para o nosso país”, disse recentemente Donald Trump, confirmando esta data como o dia da “libertação”. A utilização deste termo tem sido recorrente, com o presidente dos Estados Unidos a garantir que as tarifas vão incidir “essencialmente sobre todos os países”, reforçando que esta política protecionista é o caminho para fazer crescer a economia americana e acelerar o investimento no país, mesmo que sejam os consumidores do país a pagar a fatura. “Estamos a recuperar parte da riqueza que presidentes tolos cederam porque não tinham ideia do que estavam a fazer”, resumiu Trump.
Apesar das sucessivas declarações feitas pelo novo inquilino da Casa Branca ao longo dos últimos meses, têm sido poucos os detalhes sobre a forma de cálculo das chamadas tarifas recíprocas. Na teoria, os EUA querem igualar todas as taxas aplicadas pelos diversos países sobre os bens que chegam do país. No entanto, há vários fatores a pesar. No caso da União Europeia, caso a Administração norte-americana inclua a IVA, as tarifas poderão ser significativamente mais elevadas.
Se Donald Trump prosseguir com a sua ameaça de mais tarifas contra a UE na próxima semana, calculamos que ele poderá reduzir o crescimento do PIB em 0,33% no curto prazo.
“É no IVA que as coisas se tornam particularmente problemáticas para a Europa. As diferenças tarifárias podem ser pequenas, em geral, mas se Trump der grande importância ao IVA, então isso poderá resultar em tarifas de 20-25% sobre os produtos da UE”, avisam os economistas do ING.
O banco de investimento considera que se Trump avançar com mais tarifas sobre a UE esta semana, calcula que “poderá reduzir em 0,33% o crescimento do PIB no curto prazo“. “Embora isso pareça marginal, seria um verdadeiro golpe para as economias mais expostas, desesperadas para inverter as tendências de estagnação“, alerta o analista Ruben Dewitte, noutra nota.
Para a IMGA, “a forma que as tarifas tomarão ainda não é clara, uma vez que já houve rumores de diferentes formas de abordar o tema, nomeadamente de dividir os países em diferentes grupos aos quais se aplicaria uma taxa específica“. A gestora de ativos diz ao ECO que “certo parece ser que se trata de uma taxa única e que será adicional às que se encontram em vigor”. A dimensão das tarifas a anunciar por parte da administração Trump ainda estará a ser discutida internamente”, acrescentou.
No dia 2 de abril vão avançar as novas taxas de 25% sobre todos os carros fabricados fora dos EUA, uma medida que, segundo adiantou o conselheiro da Casa Branca, William Owen Scharf, permitirá aos EUA um encaixe de 100 mil milhões de dólares para os cofres públicos.

No caso de Portugal, a Associação Automóvel de Portugal (ACAP) argumenta que o país não está diretamente exposto à tarifa dos EUA sobre automóveis importados, uma vez que as exportações destinam-se sobretudo à União Europeia, Mas alertou para o “efeito dominó” na economia global.
Além das novas tarifas sobre os carros, a União Europeia já sente o impacto da política protecionista norte-americana nas vendas de aço e alumínio, o primeiro grupo de produtos alvo de tarifas de 25%.
Para Portugal, as novas taxas aduaneiras sobre o aço e o alumínio têm um impacto mais reduzido, uma vez que incidem essencialmente sobre a matéria-prima, podendo incluir alguns produtos semiacabados ou acabados.
“Grande parte dos produtos abrangidos [pelas taxas aduaneiras] são matérias-primas. Dos 1.000 milhões que exportamos para os EUA, 160 milhões estão abrangidos pelas tarifas”, calcula Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), o setor mais exportador da economia nacional, com exportações de 24 mil milhões de euros.
Ou seja, “as tarifas têm impacto em 15% a 20% das exportações do setor da metalomecânica para os EUA“, diz Rafael Campos Pereira, explicando que o impacto diz respeito a produtos como estruturas metálicas e perfilaria.
No entanto, no contexto europeu, o impacto é bem mais considerável. Os EUA são o segundo maior mercado europeu de alumínio, com vendas de 2,6 mil milhões de euros, mostram os dados divulgados recentemente pelo Eurostat relativamente às exportações realizadas em 2024.
O mercado norte-americano é especialmente importante para o bloco europeu, na medida em que é o maior mercado de exportação dos 27, tendo absorvido 20% das exportações para fora da região, no último ano.
Na agenda de Trump estarão ainda outros setores, que vão acrescer à lista. Até agora já entraram em vigor taxas aduaneiras de 20% sobre os bens importados da China, assim como uma taxa de 25% sobre o aço e o alumínio e de 25% sobre as importações canadianas e mexicanas.
Donald Trump ameaçou também aplicar tarifas de 200% sobre “todos os vinhos, champanhe e produtos alcoólicos”. Uma medida que afetará diretamente o setor vinícola português, que tem nos EUA o segundo maior mercado de exportação, com exportações acima de 100 milhões de euros.
O setor dos semicondutores é outro que deverá ser alvo de tarifas, com o presidente norte-americano a apontar que as taxas sobre a indústria deverão também começar nos “25%, ou mais“, ainda que não tenha adiantado uma data para a implementação destas tarifas.
Contramedidas agravam “guerra”

Conhecidas as medidas da administração norte-americana, será a vez dos países e blocos visados avançarem com contramedidas. No lado da União Europeia, o bloco já anunciou um pacote de contramedidas no valor de 26 mil milhões de euros sobre produtos importados dos EUA, em resposta direta às tarifas de 25% sobre o aço e alumínio europeus impostas pela Administração de Donald Trump que entraram em vigor esta quarta-feira, e que terão um impacto de cerca de 28 mil milhões de euros.
No entanto, a resposta europeia à missiva de Trump não ficará por aqui. Bruxelas já garantiu que está a preparar uma resposta “bem calibrada” às tarifas dos EUA, ainda que também tenha mostrado abertura para negociar. O mesmo acontece em relação a outros países.
Na Ásia, China, Japão e Coreia do Sul concordaram em responder conjuntamente às tarifas dos EUA, segundo avançou, esta segunda-feira, a imprensa local.
“Este não será um processo que irá terminar aqui, pois parte dos países visados já prometeu que vai retaliar com tarifas aos produtos norte-americanos. China, Japão e Coreia do Sul anunciaram já hoje a formação de uma aliança para responder de forma unida e articulada a estas novas tarifas”, adiantou fonte da IMGA, ao ECO.
“Apesar de ser claro que uma guerra de tarifas deve ser evitada, pois acaba por penalizar a economia nacional e os cidadãos de cada país envolvido, os ganhos políticos obtidos por responder de forma agressiva às tarifas impostas por um parceiro comercial são demasiados tentadores para os políticos recusarem a sua contribuição para uma escalada desta guerra”, escreve a segunda maior gestora de ativos nacional, com cerca de cinco mil milhões sob gestão.
Para a IMGA, “independentemente de avançarem ou não com tarifas retaliatórias, os países visados pelas tarifas recíprocas irão tentar sentar-se à mesa das negociações com os norte-americanos de forma a chegar a um entendimento quanto ao novo nível de tarifas, e sabe-se que vários países, entre eles os europeus, já se preparam para essa fase de negociações”. “O maior risco a nosso ver, será a falta de entendimento e a escalada das tarifas, transformando-se numa guerra comercial. Mas como este resultado não é benéfico para ninguém, não constitui, para já, o nosso cenário base”, refere.
A gestora nota que, “ao nível da Europa, o que é expectável é um processo negocial que conduza a um acordo entre os dois blocos, sendo que já há muito tempo que é veiculada a intenção da Europa se comprometer a comprar aos EUA mais armamento e bens energéticos, entre outros bens, algo que iria de encontro às pretensões norte-americanas”.
Para a IMGA, “as tarifas, a serem impostas, teriam um impacto negativo ao nível do crescimento económico europeu, mas de recordar que as perspetivas económicas do bloco acabaram de melhorar com o pacote de estímulos aprovado, principalmente, na Alemanha, para investimento em defesa e infraestruturas”.
Num cenário em que não há um entendimento entre os dois blocos, poderá haver impacto ao nível da inflação, levando o Banco Central Europeu a “pausar o corte das taxas de juro na próxima reunião”. “O impacto no crescimento e na inflação dependerá sempre da dimensão das tarifas a seres implementadas, o que por enquanto permanece em segredo”, remata.
Incerteza arrasta mercados
O anúncio de taxas sobre as importações de automóveis e a aproximação do “Dia da Libertação” tem arrastado o sentimento, com as bolsas a recuarem, enquanto o ouro, o ativo de refúgio preferido dos investidores, escalou acima dos 3.100 dólares pela primeira vez na história. O índice europeu Stoxx 600 desceram, esta segunda, para mínimos de dois meses, penalizados pelos receios de novas tarifas.
Os agentes económicos precisam de visibilidade quanto ao futuro para tomarem as suas decisões de investimento e consumo, e a forma caótica como esta administração tem gerido este tema em nada ajuda as empresas e os mercados.
“As empresas que importam são confrontadas com a obrigatoriedade de aumentar preços, que podem não ser absorvidos pelo mercado, ou reduzir as suas margens de lucros”, justifica a IMGA. A gestora nota ainda que, as empresas cujas fábricas se encontram em países afetados por estas tarifas terão de decidir se relocalizam as suas unidades fabris para os EUA, o que se traduz numa decisão de investimento estrutural e com impactos na valorização das empresas, ou se são impactadas pelas tarifas”.
Por outro lado, os mercados estão a sofrer com “o elevado grau de incerteza quanto ao futuro que esta administração veio introduzir, adicionando e retirando tarifas a seu belo prazer”. “Os agentes económicos precisam de visibilidade quanto ao futuro para tomarem as suas decisões de investimento e consumo, e a forma caótica como esta administração tem gerido este tema em nada ajuda as empresas e os mercados”, conclui.
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