A psicologia e o Sporting. Este é João Massano, o novo bastonário da Ordem dos Advogados

"Este foi um dos dias mais felizes da minha vida, profissional e pessoalmente falando", disse, na noite de 31 de março, em que conseguiu derrotar a bastonária incumbente, Fernanda de Almeida Pinheiro.

Filho único, nascido e criado em Odivelas por um funcionário da rodoviária e de uma mãe que começou a trabalhar nas limpezas para ajudar a pagar os custos da faculdade do filho, João Massano, advogado, 54 anos, até aqui líder do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, é o novo bastonário da classe de quase 37 mil advogados.

“Este foi um dos dias mais felizes da minha vida, profissional e pessoalmente falando”, disse, na noite de 31 de março em que conseguiu derrotar a bastonária incumbente, Fernanda de Almeida Pinheiro, com mais 1.500 votos (acabou com cerca de 54% do total dos votos). Logo nessa noite, prometeu acabar com a divisão da classe porque “não podemos alimentar o ódio entre advogados ricos e pobres.” João Massano foi eleito Bastonário da Ordem dos Advogados com uma missão, segundo o próprio: “reconstruir pontes, unir a classe e defender os interesses de todos os colegas — sem exceções. Não me afastarei da realidade da advocacia. Continuarei a exercer, lado a lado com os colegas nas salas de audiência, porque acredito que é aí que um Bastonário deve estar: próximo, presente e ativo”.

Obcecado pelo Sporting desde jovem – “não por influência paterna mas por causa de um amigo meu que me começou a levar aos jogos em Alvalade” – admite que a maior loucura que fez pelo seu clube foi no dia em que fez uma viagem de Viana do Castelo a Lisboa – só para conseguir festejar o título no último jogo do campeonato em Alvalade – tendo voltado na mesma noite. Fez parte da Juve Leo, “numa fase em que as claques eram bem mais civilizadas” e sublinha a “traição” que sentiu quando Ruben Amorim saiu do seu clube.

Pai de uma filha e de um filho filhos já adultos – que optaram por não seguir direito – o advogado admite que o momento mais traumático da sua vida foi a morte de ambos os pais com apenas meses de diferença, em 2020, no ano em que acabara de ser eleito para o primeiro mandato frente ao Conselho Regional de Lisboa. Na noite que vence as eleições a bastonário, pensou de imediato nos seus pais e na pena de não estarem a assistir a “este momento tão importante para mim”.

O direito e a certeza de ser advogado surge no 9º ano quando decide que iria para a área de Humanidades – mas “mas não para fugir à matemática” mas sim para fazer alguma diferença, “mexendo e tocando na vida das pessoas. E tínhamos, na altura, aquela ideia de justiça que nos foi passada pelas séries americanas, que também ajudou… “, diz a rir.

FOTOS: HENRIQUE CASINHAS

Quando fala da infância diz apenas que foi “normal” mas conta que guarda ainda muito boas memórias dos tempos passados na ‘terra’ dos pais, em Estremoz, Alentejo. “Era a altura que eu gostava mais do ano. Recordo, por exemplo que, à data, o meu pai não tinha carro e eu nunca tive carro até aos 22, mais ou menos. Então, eu ia à terra e andava no carro do meu tio. E isso para mim era um festival porque eu gostava das luzes do tablier, daquilo tudo”, diz o advogado que assume gostar muito de conduzir o seu Mercedes elétrico que “parece uma nave espacial”.

Apesar de não ter tido uma infância privilegiada, frequentou um colégio privado até à primária, o que, admite, que foi sempre um “ambiente protegido”. O choque da realidade e do mundo real viria quando chega ao 7º ano, a um liceu com muitos alunos e em que viu as notas baixar a pique. Mas, chegado ao 10ª ano, melhorou a atitude e aplicou-se. E com isso conseguiu a entrada numa das melhores faculdades do país: a faculdade de direito da Universidade de Lisboa. Da faculdade não guarda recordações memoráveis e admite que o primeiro ano de direito foi um “pesadelo”. “Estávamos na fase da PGA, das manifestações estudantis, fizemos o primeiro ano num só semestre e eu, para passar o tempo, decidi ir tirar um curso de eletricidade na Lisnave”. Aí, conheceu pessoas diferentes, “muito diferentes do que estava habituado. Apesar de ser humilde, nunca tinha estado num ambiente fabril”.

Na faculdade, foi desde logo confrontado pela diferença de classes: “notava-se a diferença entre os que tinham pouco e os que tinham muito e que chegavam de carro descapotável à faculdade. E as pessoas ou colegas meus que em casa discutiam política ou direito à hora do jantar, obviamente tinham uma vantagem sobre mim”. Foi colega de João Tiago Silveira e Rui Patrício, sócios da Morais Leitão, de Sérgio Sousa Pinto ou de Marcos Perestrelo, mas assume que o seu núcleo duro de amigos – que ainda hoje se mantém – não foi o dos colegas de direito, mas sim o os que o acompanhavam desde os tempos de criança de Odivelas. Pelo meio – apenas com 21 anos e em pleno 3º ano de direito – nascia a sua filha, mas isso não impediu o advogado de ainda fazer um mestrado de ciências jurídico-empresariais. E talvez por isso essa fase estudantil não tenha sido uma época de farras e copos. “Saí mais à noite depois, com 30 ou 40 anos, do que nesta altura”. Ou também porque já na altura tinha a paixão pelo atletismo, tendo chegado a ser desportista federado. “Ainda hoje, correr é das coisas que faço no pouco tempo livre que tenho”. Mais ainda quando foi sempre dominado pela sensação de que não queria desiludir os pais. “Depois dos sacrifícios todos que fizeram eu tinha que acabar o curso”.

Um período que também admite ter sido muito duro, com alguns professores que não esquece. Recorda “a Prof. Magalhães Colaço e ela era dura mas tinha razão. Acabou por ser uma das professoras que mais me marcou”, diz João Massano referindo-se à primeira mulher, em Portugal, a obter o doutoramento em Direito. A esta lista junta ainda o constitucionalista Jorge Miranda e Marques dos Santos, que lecionava a cadeira de Direito Internacional Privado.

O estágio veio a seguir. Aliás, os dois estágios. “Fiz dois estágios mas não correram muito bem porque os meus patronos mal tinham tempo para me acompanhar”. Seguiu-se a sua primeira contratação na sociedade de advogados de Alcides Martins, na Av. Duque de Loulé, em Lisboa. Em 2004 tornou-me sócio fundador da ATMJ com o amigo António Jaime Martins mas acabaria por sair em rutura com o advogado que, agora, foi eleito presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados. Manteve uma carreira académica durante cerca de 17 anos, como docente universitário na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na Universidade Lusófona e na Universidade Moderna. Agora trabalha no seu escritório de prática individual e admite que, gosta da liberdade que pode ter com isso”. Apesar de nada ter contra o sistema de acesso ao direito, não está inscrito no SADT e não faz defesas oficiosas porque não tem tempo. Recusa a ideia de ter sido eleito pela elite da advocacia e dos grandes escritórios de advogados e reforça o mote da sua candidatura e programa eleitoral de “unir a advocacia”.

Atualmente é assíduo das redes sociais: Estou em todas e acho importante” mas admite que o que gosta mesmo é do contacto com as pessoas, olhos nos olhos. Sublinha que a campanha eleitoral – em que teve apenas dois meses para percorrer o país de lés a lés – sempre teve esse objetivo: conhecer as pessoas, explicar-lhes o programa eleitoral. Campanha essa que só interrompia quando o ‘seu’ Sporting jogava em Alvalade. É ainda assíduo como comentador televisivo há uns anos, primeiro na TVI e agora na RTP.

Frequentador de festivais de música, sendo o NOS Alive o favorito, considera que a música tem de ser um bálsamo diário. “Eu ouço tudo, ouço tudo. Por exemplo, agora, de vez em quando ouço e gosto bastante do Kendrick Lamar, Imagine Dragons, Coldplay, entre outros”.

Atualmente, confessa que está numa fase de ouvir e ler sobre questões que mexam com a parte da psicologia e da mente. “É o que me fascina mais agora, perceber como a nossa mente funciona e como nós funcionamos sociologicamente”, assumindo que outra das vocações que poderia ter seguido como licenciatura foi a psicologia. Confessa ainda, sem medos ou vergonha, que na altura da morte dos pais, “porque coincidiu com muitos eventos que não foram fáceis de lidar, apesar de ter conseguido resistir em termos de trabalho, não passei por momentos muito fáceis e aí tive que recorrer a algum apoio profissional”.

A política e João Massano

Politicamente, não consegue definir-se como um homem de esquerda ou de direita – “tanto voto no PS como no PSD” – mas em novo conta que chegou a ter uma aproximação ao PS, na fase em que Mário Soares se candidatava a Chefe de Estado. “Eram os tempos do MASP, do ‘Soares é fixe’ mas nunca fui filiado na Juventude Socialista”. Agora, considera que o país não precisava de ir a eleições antecipadas, não consegue dizer se a culpa do atual cenário é de Pedro Nuno Santos ou de Luís Montenegro e a verdade é que faz parte da percentagem de indecisos relativamente à intenção de voto nas eleições de 18 de maio. Critica o poder político pela falta de ideias de fundo e de ideologias marcadas e admite que muitas vezes nem percebe se uma medida de Montenegro é de esquerda ou de direita. Politicamente, tem uma certeza: não gosta de extremos porque, ele próprio, é um homem “tranquilo, moderado e pouco impulsivo”. Qualidades que aprendeu desde que começou a ter um papel ativo na estrutura da OA e em que conta que foi alvo de muitos ataques de caráter. “Chamaram-me de tudo. E esta vitória, assim, tem ainda mais importância para mim”. Aprendeu, com isso, que “o melhor mesmo é não responder nem dar importância”.

Do 25 de abril pouco se lembra porque tinha apenas 4 anos mas recorda-se do 11 de março de 1975 – a tentativa de golpe de estado dirigida por António de Spínola, precedida pela manifestação da “maioria silenciosa” – em que “havia o terror que houvesse uma guerra civil e os meus pais queriam levar-me para as beiras para ficar lá escondido e protegido dos ataques dos malucos da extrema-esquerda na altura, porque havia o temor que de repente houvesse uma guerra civil”.

Ligado ao Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados desde 2011, primeiro, como vogal Tesoureiro depois, nos dois mandatos seguintes, como Vice-Presidente responsável pelo pelouro da Formação e, finalmente (desde 2019), como Presidente do CR Lisboa, foi Vasco Marques Correia (ex-líder do mesmo órgão) que o levou para os corredores do Largo de Santa Bárbara de onde nunca mais saiu.

FOTOS: HENRIQUE CASINHAS

Sob o mote “Juntos Podemos Mais”, na noite eleitoral, o bastonário eleito para o próximo triénio – e que deverá tomar posse nos primeiros dias de maio – promete uma mudança “baseada em medidas concretas, trazendo uma liderança forte e moderna e que trabalha com todos e cada um dos advogados”.

E ainda o que chama de “liderança transparente”, que “não se feche em Lisboa na sua torre de marfim”, com uma nova energia e novas ideias para a profissão. E que “dialoga com o poder político”.

Pretendo ainda devolver à OA o seu posicionamento original, de instituição que tem “competências fundamentais”, tais como, “defender o Estado de Direito e colaborar na administração da Justiça, representar a profissão de Advogado e reforçar a solidariedade entre os Advogados, promover o acesso ao conhecimento e aplicação do direito e contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica e ser ouvida na construção legislativa relevante para o exercício da Advocacia e colaborar na sua alteração para melhor”.

O mesmo acredita que, nos últimos anos, “estas competências têm sido descuradas, com efeitos perniciosos para a credibilidade da Ordem e para a reputação da Advocacia e de todos os Advogados”. Massano defende ainda que esse posicionamento, que considera errado, tem tido consequências nefastas para a profissão, tais como, “um clima de desunião e mal-estar na classe, que tem afastado os Advogados da vida da Ordem (…)”, bem como “uma erosão da reputação e da notoriedade da Ordem e da Advocacia, levando mesmo a que algumas portas se venham fechando ao seu contributo para construir uma Justiça melhor”.

Na Ordem, o novo ciclo começa no final da primeira semana de maio.

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