A chamada que o investidor não quer receber. O que é uma ‘margin call’ e que papel tem na turbulência dos mercados?

Mecanismo de defesa contra o excessivo endividamento dos investidores, a 'chamada de margem' resulta de quedas nos mercados, mas também acaba por exacerbá-las ao obrigar a venda de ativos.

Pediu um empréstimo ao corretor para iniciar ou aumentar o investimento em bolsa com a esperança de fazer mais-valias. Infelizmente, as ações que escolheu perdem valor e recebe uma chamada do corretor a pedir que transfira capital para restabelecer os rácios combinados ou, se não puder, que venda as ações.

Esta é uma definição simples da ‘chamada de margem’ (ou margin call, em inglês), um fenómeno que não só está a ser impulsionado pela turbulência nos mercados nos últimos dias, mas também a exacerbar as quedas nas bolsas mundiais.

“É uma medida automática de controlo de risco que protege tanto o investidor como a instituição contra perdas pronunciadas“, explicou ao ECO, João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa. “Numa conjuntura caracterizada por volatilidade persistentemente elevada e menor liquidez — agravada pelas tensões da guerra comercial —, as margin calls estão a ter um impacto visível nos mercados“.

A Reuters noticiou na terça-feira que – no meio do turbilhão que Donald Trump provocou nos mercados financeiros globais ao anunciar a 2 de abril a imposição de tarifas reciprocas para dezenas de países – vários hedge funds já estão a desfazer-se de todas ou da maioria das suas posições em ações. Esses fundos, muitos deles focados em investimentos alternativos e arriscados, foram mais afetados por são mais expostos à volatilidade, que disparou com a incerteza sobre da economia mundial criada pela guerra comercial. O VIX, índice visto como ‘indicador do medo’ em Wall Street, negociava esta quarta-feira perto dos 48 pontos, abaixo dos 52 pontos de segunda-feira mas muito acima dos 16 pontos de há um ano.

Esta quarta-feira, o Banco de Inglaterra afirmou que hedge funds enfrentaram chamadas de margem “significativas” por parte dos seus corretores principais, à medida que navegavam na extrema volatilidade do mercado na sequência dos anúncios de tarifas, avisando que o risco de “novas correções acentuadas” continua elevado.

Analistas do banco de investimento J.P. Morgan estimaram que a alavancagem líquida, que se refere aos empréstimos, dos hedge funds caíu entre 5% e 6% na semana passada em relação à anterior, e que a alavancagem líquida pode estar em torno do menor nível desde o final de 2023.

Pode ser mecanismo de estabilização

“Muitos players, sobretudo os mais alavancados ou com menor capacidade de cobertura, podem estar a ser forçados a reduzir as posições de forma acelerada”, explicou João Queiroz. “Tal pode contribuir para movimentos mais bruscos nas cotações e, por vezes, para uma espiral de liquidações técnicas decorrentes de fechos compulsivos de posições em risco, o que tende a amplificar ainda mais a instabilidade”.

Adicionalmente, esta pressão pode revelar desequilíbrios entre participantes mais estruturados, com mecanismos robustos de gestão de risco, e outros mais vulneráveis, que enfrentam dificuldades em cumprir os reforços exigidos, adiantou. “Em mercados menos líquidos, estas dinâmicas têm efeitos mais imediatos, com spreads, ou diferenciais, mais amplos e menos profundidade de mercado — o que dificulta a execução eficiente de ordens de maior dimensão”.

O head of trading do Carregosa sublinha o impacto da volatilidade nas margins calls. “À medida que os preços oscilam com maior intensidade e a confiança nos ativos denominados em dólares dos EUA se fragiliza, os requisitos de margem tendem a ajustar-se com maior frequência e exigência, forçando muitos investidores a liquidar posições e/ou a reforçar colateral num prazo muito curto”, explicou, ainda antes de Trump ter anunciado uma pausa de 90 nas tarifas para 75 países e uma tarifa reciproca de 10% durante esse período de negociação.

Este mecanismo pode acentuar quedas — sobretudo em mercados com liquidez reduzida —, desencadeando uma cadeia de vendas técnicas desligadas de fundamentos“, vincou. “Por outro lado, também poderá funcionar como um mecanismo de estabilização, forçando uma desalavancagem saudável e uma reavaliação mais prudente do risco”.

“Nos próximos dias, o seu impacto dependerá fortemente da resposta das autoridades monetárias, da evolução da guerra comercial e da perceção de risco dos investidores institucionais”, concluiu.

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