Acionistas da EDP reúnem-se em plena tempestade de Trump e das renováveis
Os acionistas da EDP têm, esta quinta-feira, reunião marcada. A Assembleia Geral acontece num momento em que a elétrica enfrenta vários desafios, nos Estados Unidos e negócio renovável.
A chegada de Donald Trump à Casa Branca criou instabilidade num dos principais mercados da EDP, os Estados Unidos, e incerteza em particular quanto ao futuro das energias renováveis, tecnologias que servem de pilar ao negócio da cotada portuguesa. É no meio desta ‘tempestade’ que os acionistas da EDP se reúnem esta quinta-feira.
Na mensagem que introduz o último relatório e contas da EDP, Miguel Stilwell d’Andrade aponta tanto para “desafios significativos” como “oportunidades” que se apresentaram ao longo de 2024. Salienta que os custos de capital “mantiveram-se elevados” e que as mudanças políticas “introduziram novas incertezas”, referindo-se em particular à nova administração nos Estados Unidos e ao cenário no setor das energias limpas.
“As cadeias de valor das renováveis estão distribuídas a nível global e vão ser negativamente afetadas por qualquer tipo de guerra de tarifas”, alerta Ben McWilliams, investigador no think tank Bruegel.
Isto, quer as tarifas se venham a demonstrar apenas uma ferramenta de negociação, quer se mantenham ativas por um longo período. “Vai ser um problema para a transição energética? Absolutamente”, afirma, por seu lado, o diretor do Boston Consulting Group, Bas Sudmeijer, citado pela Bloomberg. No entanto, defende que as indústrias ligadas à transição energética podem estar mais preparadas que outras para uma guerra comercial, já que se têm deparado com restrições comerciais crescentes na última década.
A América do Norte está “taco a taco” com o Brasil em termos da contribuição para o EBITDA da EDP: ambos os mercados entregam 18% desta rubrica. À frente deles só a Península Ibérica, que pesa 58%. Olhando do ponto de vista das tecnologias, as Renováveis, em conjunto com o segmento comercial, suportaram 67% do EBITDA da EDP.
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O setor das renováveis, em particular, já viu melhores dias, e o CEO da EDP também o reconhece: “Em 2024, o nosso negócio de Renováveis enfrentou um dos cenários mais desafiantes que o setor alguma vez experienciou”, lê-se na mensagem no último relatório e contas.
É desde 2022 que “os investidores têm vindo a olhar para as energias renováveis como uma alternativa pouco lucrativa e até pouco viável”, relata Vítor Madeira, analista da XTB, assumindo que é difícil determinar quando é que o mercado vai dar a volta a este sentimento, algo que está também dependente do desenvolvimento tecnológico.
João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa, reforça que “o segmento das energias renováveis atravessa de facto um ciclo menos positivo” e prevê que este abrandamento se prolongue até pelo menos meados de 2026, “refletindo uma normalização do setor após um período de forte crescimento”. Para o analista, a pressão sobre as renováveis resulta de uma combinação de inflação, subida de juros, desafios regulatórios e atraso nas infraestruturas de suporte.
A seu ver, para a EDP, esta fase implica maior prudência na expansão, com um foco em projetos de menor risco, mas não altera o posicionamento estratégico de longo prazo na transição energética. A EDP adicionou 4 gigawatts ao respetivo portefólio em 2024, “o maior aumento anual de capacidade até à data”, salientou Stilwell na mensagem no relatório e contas. Mas o responsável pelas Finanças da EDP Rui Teixeira, indicou que o investimento da EDP Renováveis deverá rondar os 3 mil milhões de euros em 2025 e situar-se abaixo desta fasquia em 2026, quando em 2024 se situava os 4,1 mil milhões de euros. A mesma tendência de abrandamento no investimento vai verificar-se na casa-mãe.
Mesmo num contexto mais desfavorável, “as renováveis continuam a disparar”, com volumes recorde de energia solar e eólica a serem atingidos todos os anos, e outras energias limpas a proliferarem, sublinha ainda o investigador do Bruegel. Considera ainda que o maior desafio da indústria é a competição no que toca ao fornecimento destas soluções, mais do que em relação à procura. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), o consumo global de eletricidade deverá crescer a um ritmo sem precedentes, enquanto se estima que a oferta elétrica aumente mais de 25% até 2030, com as renováveis a assumirem a liderança.
Contudo, os ventos não parecem para já soprar de feição, pelo menos os que vêm do outro lado do Atlântico. A administração dos Estados Unidos mostra-se avessa às energias renováveis. No caso da EDP, a incerteza em torno dos projetos de energia eólica offshore nos EUA impactou os resultados de 2024, com a Ocean Winds (joint-venture entre a EDP Renováveis e a Engie) a registar uma provisão para potenciais atrasos nos projetos, a qual afeta a EDP em 100 milhões de euros. Foi outro projeto da subsidiária de energias limpas, um de energia eólica na Colômbia que a EDP Renováveis deixou cair, que ditou um grande rombo nas contas de ambas as cotadas. Às contas da casa-mãe subtraiu 400 milhões de euros.
O CEO da EDP declarou-se “cautelosamente otimista” em relação aos Estados Unidos na chamada com analistas que decorreu no rescaldo da apresentação de resultados da EDPR, argumentando com o crescimento da procura que antevê neste território, muito apoiada na instalação de centros de dados. A empresa continua a ver este mercado como um de “baixo risco”, de acordo com o plano de investimentos divulgado em fevereiro.
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Os mercados têm vindo a reagir negativamente a um contexto mais imprevisível e menos favorável nas renováveis. A ação da EDP está a perder mais de 8% desde o início do ano, enquanto a subsidiária de energias limpas conta uma quebra de 30% no mesmo período. No horizonte de um ano as perdas são, respetivamente, de 17,4% e 44,6%.
No entanto, nem tudo são perspetivas negativas: caso as bolsas internacionais continuem a cair, as empresas defensivas, que incluem a EDP, podem sair beneficiadas, defende o analista da XTB. “No entanto, a empresa não deve esperar um forte crescimento” – deve apenas conseguir “aguentar-se nos níveis atuais”, prevê.
Resultados não impressionam. Redes seguram
No final de fevereiro, as duas cotadas do grupo EDP prestaram contas aos investidores. O primeiro número a sair, o dos resultados da EDP Renováveis, caiu com estrondo: um prejuízo de 556 milhões de euros. Horas depois – e imprevisivelmente, já que estava previsto para o dia seguinte – conheceu-se o lucro da casa-mãe, que também mostrou uma quebra, embora mais ligeira (de 16%), e manteve-se em terreno solidamente positivo. A elétrica contou 801 milhões de euros no final de 2024.
A EDP aguentou-se apoiada na solidez das redes. Este negócio contribui com 33% do EBITDA da empresa, tendo vindo a crescer paulatinamente, até aos atuais 1.590 milhões de euros. Desde 2023 que a cotada apresenta agregados na mesma rubrica os resultados obtidos com os segmentos de Renováveis e o Comercial, que em conjunto são responsáveis pelos restantes 3.329 milhões de euros do EBITDA.
“A valorização das redes como eixo estratégico é uma escolha racional e ajustada ao contexto”, entende João Queiroz, do Carregosa, adiantando que espera que este segmento reforce o seu peso e relevância. “A rede passa, assim, a constituir um ativo estratégico não apenas de estabilidade, mas também de transformação”, entende.
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Apesar do suporte das redes, o cenário não é brilhante. “Os valores fundamentais têm-se vindo a deteriorar nos últimos dois anos para a empresa. A EDP baixou as suas métricas financeiras e, como seria de esperar, o seu valor caiu”, resume Vítor Madeira.
Os lucros da EDP têm vindo a diminuir, assinala a XTB, ao mesmo tempo que sublinha que a empresa baixou as suas receitas durante oito trimestres consecutivos em relação ao período homólogo anterior. Em paralelo, a dívida tem subido para níveis inéditos, tendo superado os 19 mil milhões em 2024. O elevado volume “pode ditar mais encargos com a dívida quando as suas obrigações forem renovadas”, observa o analista da XTB.
“É inequívoco que o desempenho menos favorável em alguns segmentos resulta sobretudo de fatores externos e não de falhas de gestão”, avalia João Queiroz, que deteta “pragmatismo” na forma como a gestão tem procurado um reequilíbrio, reforço da eficiência, desinvestimento em geografias “não core” e reposicionamento estratégico. “A EDPR, apesar das dificuldades em 2024, manteve a sua dinâmica de crescimento de capacidade e controlo de custos”, destaca.
Os principais riscos que João Queiroz identifica no que respeita a EDP são a incerteza regulatória em mercados-chave, a execução de projetos em geografias mais complexas, a exposição cambial — em particular no Brasil — e a possível erosão de resultados devido à redução dos ganhos com a rotação de ativos na EDPR. Estes riscos podem ser mitigados por uma gestão ativa da dívida, preferência por financiamento em moeda local nos mercados emergentes, controlo rigoroso de custos e foco em atividades com maior controlo e retorno.
Na mensagem que assina no relatório e contas, o CEO conclui que a empresa mantém-se focada “no cumprimento das metas financeiras para o período 2025-2026” e diz-se “confiante” na capacidade da elétrica de “gerar valor sustentável” para os acionistas.
Na mesa da Assembleia Geral vai estar, como habitual, a aprovação dos resultados da cotada, a distribuição dos resultados e de dividendos, a autorização para compra e alienação de ações próprias por parte do Conselho Executivo no que diz respeito à EDP e às suas participadas, assim como a avaliação da prestação da administração e órgãos de fiscalização da elétrica.
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