Depois do apagão de mais de dez horas, há direito a uma indemnização?

Do encerramento de aeroportos à perturbação generalizada nos transportes, falta de sinalização das ruas, falta de rede móvel e de eletricidade em todo, o país parou durante mais de dez horas.

Portugal e Espanha estiveram às “escuras” desde as 11h30 de segunda-feira até perto da meia-noite desta terça-feira em algumas zonas. Um dia marcado por um apagão generalizado na Península Ibérica mas também em algumas cidades europeias. Do encerramento de aeroportos, à perturbação generalizada nos transportes, falta de sinalização das ruas, falta de rede móvel ou nas próprias casas dos portugueses, o caos instalou-se no país. Mas será que existe algum direito a algum tipo de indemnização, depois deste apagão de mais de dez horas?

A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) já avançou que o Regulamento da Qualidade de Serviço prevê compensações pagas aos consumidores pelos operadores de redes quando sejam ultrapassados o número ou duração máxima das interrupções regulamentadas. Contudo, nem tudo são boas notícias. “Se o incidente for classificado como um evento excecional os consumidores podem não ter direito a compensação“, lê-se no comunicado publicado esta terça-feira.

Um evento “excecional” decorre quando tiverem reunidas quatro condições: baixa probabilidade de ocorrência do evento ou das suas consequências; provoquem uma significativa diminuição da qualidade de serviço prestada; não seja razoável, em termos económicos, que os operadores de redes evitem a totalidade das suas consequências; e que o evento e as suas consequências não sejam imputáveis aos operadores de redes.

“É responsabilidade dos operadores de redes requererem e fundamentarem o pedido para classificação como evento excecional, se assim o entenderem, sendo de especial relevância a análise técnica a realizar pelas diversas entidades envolvidas”, sublinha a ERSE.

Ao ECO/Advocatus, o advogado José Luís Moreira da Silva considera que “muito dificilmente” os portugueses terão direito a alguma indemnização decorrente do apagão. “Aplica-se aqui a lei geral da responsabilidade extracontratual, ou seja, é preciso que seja detetado o responsável e este tenha atuado com culpa. O que neste caso me parece difícil“, assume.

Ainda assim, alerta que em determinados casos pode aplicar-se a responsabilidade contratual, desde que o contrato de fornecimento de energia celebrado com o consumidor inclua “algum dispositivo que regule a responsabilidade do fornecedor por cortes de energia” e o “caso presente não se possa incluir num caso de força maior que isente a responsabilidade do fornecedor”.

“Outra situação pode ser vista. Na Lei de crise energética, o Estado pode requisitar serviços de privados ou impor determinadas restrições na utilização da energia. A lei prevê um mecanismo arbitral de cálculo das compensações devidas por essas intervenções estatais. Não sei se haverá aqui algum caso destes”, aponta o advogado.

Caso haja direito a compensações, a ERSE explica que estas são pagas de “forma automática” aos clientes no início do próximo ano através da fatura do seu comercializador. “Uma interrupção com a duração da verificada, a 28 de abril de 2025, poderá ter um impacto significativo nos indicadores de qualidade de serviço que são apurados anualmente”, assumem.

Rui Mesquita, sócio da Antas da Cunha Ecija especialista na área de Seguros e Responsabilidade Civil sublinha que “não existe ainda explicação definitiva sobre as causas da falha. Em função da responsabilidade, e excluindo situação externa ou de força maior, poderá existir responsabilidade e obrigação de indemnizar por parte do responsável. Embora na prática seja processo complexo e de difícil concretização prática, apenas subsumível eventualmente como ação de consumidores/ lesados ( class actions/ ação popular, em que se protegem interesses difusos mas de relevância pública)”, explica o advogado.

“Sem prescindir , existem diversos seguros de danos na sua vida corrente que podem eventualmente ter cobertura para os danos resultantes diretamente do apagão, como sejam danos elétricos em equipamentos eletrónicos, como computadores, ou eletrodomésticos, como frigoríficos ou televisores, resultantes de sobretensão ou curto circuito. Ou mesmo o caso de deterioração de alimentos refrigerados, em função da interrupção do fornecimento de energia. Tais seguros encontramos no seguro multirrisco da nossa habitação (o seguro incêndio é o obrigatório mas geralmente é contratado um pacote de coberturas), ou seguro multirrisco comércio ou mesmo industrial, em que estão até eventualmente cobertos lucros cessantes)”, conclui.

 

Consumidores podem pedir indemnizações

Independentemente da resposta ser positiva ou negativa, a ERSE alerta que os consumidores podem sempre reclamar junto dos comercializadores de energia ou operadores de rede por eventuais prejuízos caudados pelo apagão. E o que devem fazer? Basta apresentarem provas desses prejuízos.

“Por regra, as interrupções de fornecimento não provocam danos em equipamentos. A reposição do serviço cumpre regras que visam acautelar danos em equipamentos”, refere.

A ERSE sublinha ainda que o apuramento da responsabilidade por eventuais prejuízos invocados pelos consumidores é competência dos tribunais.

E no caso dos aeroportos?

O apagão de segunda-feira teve também um forte impacto nos aeroportos e as notícias podem não ser muito animadoras para quem tenha enfrentado longos tempos de espera e perturbações nos seus voos. Segundo a empresa especialista em direito dos passageiros, a AirHelp, as perturbações em causa estão foram do controlo tanto das companhias aéreas como dos próprios aeroportos.

Se o atraso for superior a três horas ou se o voo for cancelado, o passageiro afetado não tem direito a qualquer compensação financeira. No entanto, as companhias aéreas são obrigadas a cobrir algumas das necessidades dos passageiros durante a interrupção”, explica a empresa.

Entre as necessidades que os passageiros podem ver ressarcidas está a água, alimentos e o acesso a telecomunicações a partir de duas horas de atraso. A companhia aérea deve ainda fornecer um voo ou transporte alternativo para o destino, mas se o passageiro decidir não voar, a companhia deve reembolsar o preço do bilhete.

“Se o atraso, o cancelamento ou a alteração do voo implicar que o passageiro tenha de pernoitar, a companhia aérea deve oferecer um quarto de hotel e transporte para o hotel. Paralelamente, os passageiros devem guardar todos os cartões de embarque e recibos de comida, bebida e alojamento para acelerar o processo de reclamação”, alerta a AirHelp.

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