“One Big Beautiful Bill Act”. Quem ganha e quem perde com a lei de Trump

  • Joana Abrantes Gomes
  • 10:10

Dos cortes no Medicaid e fim dos incentivos fiscais nas energias renováveis, às reduções permanentes de impostos e um aumento da despesa para travar a imigração, o que muda com a nova lei?

Com o défice orçamental dos Estados Unidos a situar-se em 6,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, Donald Trump assinou na tarde de sexta-feira, o simbólico dia 4 de julho, um pacote legislativo que vai manter as contas públicas no vermelho e agravar a já elevada dívida pública do país em mais de 3 biliões de dólares ao longo da próxima década. A “One Big Beautiful Bill Act” do Presidente norte-americano reserva vários milhões para o combate à imigração ilegal, reduz os impostos sobretudo aos mais ricos e ameaça cortar apoios sociais a quase 12 milhões de pessoas carenciadas.

O Dia da Independência dos EUA, 4 de julho, foi o prazo definido pelo líder da Casa Branca para a aprovação do diploma, que recebeu ‘luz verde’ da Câmara de Representantes na quinta-feira, por uma margem curta de 218 votos a favor e 214 contra, depois de já ter passado no Senado (câmara alta do Congresso).

A maior parte das quase 900 páginas do documento visa tornar permanentes as reduções impostas pela Lei de Cortes de Impostos e Emprego (TCJA, na sigla em inglês), assinada por Donald Trump ainda durante o primeiro mandato, em 2017, algumas das quais estavam previstas expirar no final do ano.

A “One Big Beautiful Bill Act” traz, por outro lado, cortes na despesa, sobretudo no que toca a programas sociais, de modo a compensar a perda de receitas na sequência da prorrogação da TCJA. No caso do acesso ao Medicaid (seguro de saúde público para pessoas com baixos rendimentos), por exemplo, são impostas novas exigências, tais como a reinscrição passar a ser de seis em seis meses em vez de uma vez por ano e a entrega de comprovativos de rendimentos e de residência. Além disso, baixa o imposto sobre os prestadores de serviços — que os Estados utilizam para ajudar a financiar a sua parte dos custos do Medicaid — de 6% para 3,5%, de forma gradual, até 2032.

Depois de alguns congressistas republicanos terem manifestado preocupação sobre a forma como os hospitais rurais poderiam ser impactados por estas restrições, foi incluído no projeto de lei um fundo de estabilização para estes hospitais, no valor de 50 mil milhões de dólares, a ser alocados durante o mesmo período em que o imposto sobre os prestadores de serviços será reduzido.

A nova lei endurece, simultaneamente, os requisitos de elegibilidade para os adultos fisicamente aptos com filhos com 15 anos ou mais, que necessitam de trabalhar ou ser voluntários durante pelo menos 80 horas por mês para ter o benefício. O Gabinete de Orçamento do Congresso estima que 11,8 milhões de norte-americanos poderão perder a sua cobertura de saúde até ao final da próxima década, como resultado destas alterações.

Outro programa social que vai sofrer mudanças é o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP, na sigla em inglês), do qual mais de 42 milhões de norte-americanos beneficiavam em março deste ano, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). A legislação prevê que, para continuarem a beneficiar do SNAP, os pais de crianças com 14 anos ou mais terão de cumprir os requisitos laborais. Além disso, aumenta a idade de exigência de trabalho dos 54 para os 64 anos.

Por outro lado, a partir de 2028, alguns Estados vão passar a suportar mais custos com as prestações do programa, cuja taxa será fixada em função da percentagem de pagamentos errados de um Estado. Atualmente, as prestações são totalmente financiadas pelo Governo federal, embora os Estados partilhem os custos administrativos.

As estimativas do Gabinete de Orçamento do Congresso nesta matéria apontam para uma redução do financiamento em cerca de 186 mil milhões de dólares entre 2025 e 2034, além de mais de 5 milhões de pessoas ficarem em risco de perder, pelo menos, alguma assistência alimentar.

Voltando à redução de impostos, a “One Big Beautiful Bill Act” prevê, igualmente, a dedução de um determinado valor de gorjetas e horas extraordinárias dos impostos até 2028. No entanto, propõe a eliminação gradual destes benefícios com base no rendimento anual, começando nos 150.000 dólares para indivíduos e 300.000 dólares para casais.

Trump também coloca na lei o aperto à imigração. A lei destina 170 mil milhões de dólares para o reforço da fiscalização da imigração e 50 mil milhões à construção de novas barreiras na fronteira com o México, concedendo mais poderes ao Serviço de Imigração e Fiscalização Aduaneira (ICE) e permitindo a contratação de milhares de novos agentes de segurança até 2029.

Em sentido oposto, revoga gradualmente incentivos à transição energética criados durante a Administração de Joe Biden: as empresas que iniciarem a construção de parques eólicos e solares ainda este ano, podem qualificar-se para a isenção fiscal total, mas a percentagem desce para 60% se iniciarem a construção em 2026 e 20% se iniciarem em 2027. A eliminação da isenção está prevista para 2028.

Acaba também com os créditos fiscais para veículos elétricos novos e usados, instalação de equipamentos de carregamento de veículos elétricos residenciais e sistemas de isolamento ou aquecimento e arrefecimento com eficiência energética, e põe fim ao Fundo de Redução de Gases com Efeito de Estufa, que concedia financiamento a organizações sem fins lucrativos que financiam projetos que reduzem a poluição e as emissões de gases com efeito de estufa nas comunidades. Os contratos e subsídios existentes no âmbito do programa não serão afetados.

Analistas antecipam que nova lei não vai gerar impulso positivo na economia dos EUA

Com as estimativas do Gabinete de Orçamento do Congresso a apontarem para um crescimento de pelo menos 3,3 biliões de dólares da dívida pública dos EUA devido à lei aprovada esta semana, crescem os receios em torno da estabilidade financeira da maior economia do mundo, ainda mais após as três principais agências de notação financeira terem baixado o rating da dívida soberana nos últimos anos.

O Gabinete de Orçamento do Congresso estima que só a prorrogação dos cortes fiscais de 2017 irá reduzir as receitas fiscais em 3,7 biliões de dólares ao longo dos próximos 10 anos, enquanto os cortes de despesas propostos apenas poupariam 1,3 biliões de dólares, gerando um défice primário 2,4 biliões de dólares mais elevado do que se as reduções não tivessem sido mantidas.

Embora as tarifas aduaneiras e as “poupanças de eficiência” do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) possam colmatar o “buraco financeiro” da “One Big Beautiful Bill Act”, o ING prevê que não vai gerar qualquer impulso positivo para a atividade económica dos EUA em relação às tendências já existentes.

“Os défices dos EUA continuarão a ser elevados e os níveis de dívida continuarão a crescer, especialmente considerando o aumento contínuo de 0,1-0,2 pontos percentuais do PIB nas despesas relacionadas com a demografia e a forma como isso irá contribuir para a posição orçamental do país”, escrevem James Knightley, Dmitri Dolgin e Padhraic Garvey, numa análise publicada pelo banco neerlandês na semana passada.

Em suma, segundo os economistas do ING, a nova legislação “limitar-se-á a evitar uma deterioração material da procura interna, sem fazer nada para impulsionar a atual tendência de crescimento“.

Note-se que, no âmbito da “One Big Beautiful Bill Act”, o limite da dívida aumenta em 5 biliões de dólares, sendo que o Congresso tem um prazo para abordar o limite da dívida ainda este verão.

A “One Big Beautiful Bill Act” limitar-se-á a evitar uma deterioração material da procura interna, sem fazer nada para impulsionar a atual tendência de crescimento. Para além da extensão da Lei dos Cortes Fiscais e do Emprego, as disposições da “One Big Beautiful Bill Act” deverão reduzir o défice primário a 10 anos em 1,5 biliões de dólares, através da redução das deduções e do financiamento dos cuidados de saúde e de outros setores.

James Knightley, Dmitri Dolgin e Padhraic Garvey

Analistas do ING Group

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