Lei de Estrangeiros tem normas inconstitucionais. Decisão sem unanimidade dos juízes
Juízes do Tribunal Constitucional pronunciaram-se pela inconstitucionalidade por "violação dos direitos" no reagrupamento familiar de imigrantes no país, dando razão às dúvidas de Marcelo.
Cinco das sete normas da Lei dos Estrangeiros foram declaradas inconstitucionais pelo Palácio de Ratton, uma decisão conhecida esta sexta-feira depois de o Presidente da República ter pedido com urgência a fiscalização preventiva do diploma da Assembleia da República, com origem numa iniciativa do Governo, que limita o reagrupamento familiar. Mas não houve consenso de todo o plenário de 13 juízes, tendo havido votos de vencido.
A leitura pública do acórdão ficou a cargo da juíza relatora Joana Fernandes Costa, que foi indicada pelo PS para o Constitucional e que está para lá do tempo do mandato de nove anos. No requerimento enviado ao Tribunal, Marcelo Rebelo de Sousa apontou o dedo à pressa do Governo – que levou a um processo sem audições constitucionais ou a existência de prazos incompatíveis com a efetiva consulta –, questionou a segurança jurídica da lei, alertou para riscos e criticou alterações ao reagrupamento familiar.
Após a breve leitura da relatora Joana Fernandes Costa, o presidente do Tribunal Constitucional (TC), José João Abrantes sublinhou a “inconstitucionalidade de diversas normas”, durante a leitura pública do acórdão que decorreu esta sexta-feira no Palácio de Ratton.
“Com respeito aos pressupostos do reagrupamento, o TC considerou que o novo número 1 do artigo 98, ao não incluir o cônjuge ou equiparado, conduz à separação dos membros da família, o que se traduz numa violação dos direitos consagrados. Quanto ao número 3 do mesmo artigo, a imposição de um prazo de dois anos até à apresentação de um pedido de reagrupamento familiar é incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família”, esclareceu.
Porém, salientou que a diferenciação entre titulares de autorizações de residência “não se afigura desproporcionada nem discriminatória”. Ou seja, não declarou inconstitucional a maior flexibilização dos critérios para entre vistos gold e imigrantes altamente qualificados face aos vistos para procura de emprego. Uma norma que tinha sido criticada por Marcelo Rebelo de Sousa.
“Quanto ao prazo de decisão para o reagrupamento familiar, somar um prazo de nove meses, prorrogável por 18 meses com o prazo de dois anos não é compatível com os deveres de proteção da família a que o Estado se encontra constitucionalmente vinculado”, acrescentou ainda José João Abrantes, realçando igualmente a inconstitucionalidade parcial do artigo 87.º-B.
Apesar do chumbo do Constitucional, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, já tinha assegurado que não iria desistir da lei de estrangeiros, que será discutida no Parlamento em setembro. “Há uma coisa que fica muito clara: nós não vamos desistir do nosso objetivo, mesmo que haja alguma correção da redação da lei em virtude da pronúncia do TC”, sublinhou.
O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, também já tinha sustentado que “independentemente da decisão, a imigração será mais regulada”. “Podemos ajustar a rota, mas o destino será o mesmo”, asseverou.
E se Marcelo avisou que a maioria que escolheu estas soluções será “oportunamente julgada por isso”, Leitão Amaro rebateu depois: “Eu seria capaz de dizer exatamente a mesma coisa que o senhor Presidente da República. Em democracia é mesmo assim, todos nós políticos somos julgados pelo povo, pelo que fizemos, ou pelo que não fizemos”. Acrescentando que ainda vai ser julgada a maioria que levou “à imigração de portas escancaradas”, ou seja, o Governo de António Costa.
O Presidente da República enviou a 24 de julho com caráter de urgência a Lei dos Estrangeiros para fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional. Marcelo Rebelo de Sousa apontou o dedo à pressa do Governo, que levou a um processo sem audições constitucionais ou a existirem em prazos incompatíveis com a efetiva consulta, questiona a segurança jurídica da lei, alerta para riscos e critica alterações ao reagrupamento familiar.
Embora destacando que a fiscalização preventiva se concentra “exclusivamente na análise da conformidade das normas com a Constituição, não apreciando, portanto, questões de legalidade”, o Chefe de Estado salienta que o “processo legislativo foi tramitado na Assembleia da República de forma urgente, não tendo havido – efetivas – consultas e audições, nomeadamente audições constitucionais, legais e/ou regimentais – obrigatórias ou não –, ou, quando solicitadas, foram-no sem respeito pelos prazos legalmente fixados e/ou, em prazos incompatíveis com a efetiva consulta”, segundo nota de Belém publicada na altura.
Além disso, Marcelo Rebelo de Sousa criticou as alterações ao reagrupamento familiar e avisa para o superior interesse das crianças. “Tais alterações, incidentes sobre um mecanismo essencial para a integração em sociedade e para a vida em família, parecem restringir, de forma desproporcional e desigual, o princípio da união familiar, podendo não acautelar o superior interesse da criança, forçada a lidar com separações prolongadas”, adverte.
Apontou ainda o dedo à flexibilização dos critérios para vistos gold e imigrantes altamente qualificados, por considerar que “pode contribuir” para “uma maior estratificação entre pessoas migrantes”, e levanta dúvidas sobre a constitucionalidade do aumento do tempo de resposta para o reagrupamento, que triplica.
“Reagrupar um familiar em Portugal poderá demorar, no mínimo, cerca de três anos e meio, período exigente face às decisões administrativas a tomar, violador do princípio da união familiar e do superior interesse da criança, desrespeitador do princípio da celeridade administrativa (…) e potencialmente desproporcional à luz da nossa lei fundamental, com eventual violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da união familiar”, argumentou.
O Presidente chamou ainda a atenção para a alteração que prevê que em caso de ausência atempada de atuação da AIMA, o juiz deve ponderar, se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade”.
“Parece introduzir uma subordinação dos direitos, liberdades e garantias a constrangimentos operacionais, nomeadamente da AIMA, o que parece atentar, de forma direta, os princípios constitucionais de acesso à justiça, da igualdade, da celeridade administrativa e da tutela jurisdicional efetiva, bem como da proporcionalidade”, aponta.
Neste sentido, pediu a a fiscalização preventiva urgente da constitucionalidade “por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da proporcionalidade na restrição de direitos e do acesso à justiça, igualdade e tutela jurisdicional efetiva, da união familiar, da vinculação da atividade administrativa à Constituição”. Como prazo, fixou em 15 dias a resposta do Tribunal Constitucional, isto é, até esta sexta-feira, dia 8 de agosto.
(Notícia atualizada às 19h13)
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