Maior consórcio do PRR já ‘limpa’ pratos da Vista Alegre e resíduos no automóvel

Apesar do “muito stress” e da “gestão complexa” de 107 parceiros, o projeto de 166 milhões de euros dedicado às tecnologias de produção já tem vários demonstradores instalados em fábricas portuguesas.

A menos de um ano de terminar o prazo limite para as chamadas agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) concluírem os investimentos — 30 de junho de 2026 –, o megaprojeto dedicado à fileira das tecnologias de produção (Produtech R3), que é aquele que junta o maior número de participantes (107), está com uma execução física real de 70% e já tem vários demonstradores instalados em fábricas portuguesas para validar as novas soluções tecnológicas.

Entre os 85 novos produtos, processos e serviços (PPS) em desenvolvimento no âmbito desta agenda — há ainda 53 projetos-piloto em empresas na lista de compromissos assumidos – está uma solução inovadora para a deteção automática de defeitos em pratos da Vista Alegre, sabe o ECO. Com recolha de dados em ambiente industrial, que alimenta um algoritmo de inteligência artificial e melhora a fiabilidade, este equipamento permite identificar a classe e tipologia de defeitos complexos em pratos cerâmicos e já está a otimizar o processo produtivo na fábrica de Ílhavo.

em Leiria, uma nova máquina desenvolvida pela aveirense Selmatron está já a fazer a segregação automática e a valorização dos materiais separados (polímero e metal) na unidade da GNL, detida pelo Grupo Manuel Champalimaud. Criada em colaboração com o centro tecnológico da indústria metalomecânica (CATIM) ou o lisboeta Instituto Superior Técnico, evita o fim de vida em aterro, como acontecia até agora, e permite à produtora de moldes e de injeção de plásticos para a indústria automóvel reciclar estes resíduos.

Mais a Norte, no complexo industrial da Colep Packaging em Vale de Cambra, a nova ‘estrela’ é o sistema para controlo de qualidade na estampagem de embalagens metálicas. Capaz de inspecionar quatro produtos por segundo, foi desenvolvido com a Introsys de Palmela e o instituto portuense de engenharia INESC TEC. Segundo explica a empresa do grupo RAR, a solução “combina tecnologia avançada de visão artificial e algoritmos sofisticados de análise de imagem” para a identificação de defeitos estéticos e controlo dimensional e estrutural em alta cadência.

Prevendo um investimento global superior a 166 milhões de euros, dos quais 95,7 milhões financiados pelo PRR, a Produtech R3 garante que o projeto não sofreu “alterações significativas” desde o início, tendo mantido o número de PPS (que é o principal indicador de resultados das agendas) e, “grosso modo”, também o nível de investimento contratualizado nessa altura com o IAPMEI.

Em declarações ao ECO, o porta-voz resume que “a alteração mais significativa foi a extensão do prazo de execução — possibilidade aberta na programação e que foi aproveitada pela maior parte das agendas — e o consequente replaneamento da execução dos investimentos, mas mantendo-se a valor contratualizado. José Carlos Caldeira relata, porém, que ainda não conseguiu submeter estas alterações na plataforma do IAPMEI, que continua “com problemas”.

Segundo informação disponibilizada pelo instituto público liderado por José Pulido Valente, um total de 37 agendas (num total de 52) pediram para ser reprogramadas. Estas revisões resultaram num reforço global de 319 milhões de euros — fixando em 7,3 mil milhões de euros o total do investimento –, que foi mais significativo no setor da aeronáutica e do espaço.

Caldeira reconhece que houve “muitos stresses, sobretudo na fase inicial, com alterações, atrasos, indefinições — alguns normais em instrumentos novos, outras [que] podiam ter sido evitados”. Mas salienta que o consórcio está “bastante confortável de que vai conseguir cumprir os principais indicadores, pelo menos na parte que é material”. No que toca à execução financeira, que neste momento fica-se pelos 50%, espera que venha também a ficar “próxima daquilo que está previsto”.

“Devido à complexidade do programa, há entidades que estão a fazer a execução material, mas optam por só apresentar pedidos de pagamento mais tarde porque é um processo complicado, burocrático e moroso. (…) Há um gap, que também é normal. Mas confiamos que, se tudo correr normalmente e não houver surpresas de última hora, a execução material será feita na sua plenitude, pelo menos nos indicadores principais e que contam”, resume o responsável.

Há entidades que estão a fazer a execução material, mas optam por só apresentar pedidos de pagamento mais tarde porque é um processo complicado, burocrático e moroso.

José Carlos Caldeira

Porta-voz da Produtech R3

Entre os 107 membros deste consórcio há 44 empresas da fileira das tecnologias de produção, 37 empresas industriais de 17 setores utilizadores e ainda 26 associações e entidades do sistema científico e tecnológico. Na génese do projeto e a justificar um conjunto tão alargado de entidades esteve o desenvolvimento de soluções para desafios transversais, identificados pelos potenciais utilizadores e que sirvam várias indústrias. Daí estar a fazer “pilotos para demonstrar esses sistemas em, pelo menos, dois setores diferentes”.

Paulo Sousa, CEO da Colep Packaging, destaca que este projeto está a “criar, mas também a capturar valor”, uma vez que “vários produtos sairão para o mercado e alguns ficarão nas próprias empresas demonstradoras”, o que traz “mais competitividade às empresas portuguesas no mercado internacional para serem sustentáveis e possam crescer”. Admitindo que liderar uma agenda com mais de uma centena de parceiros “torna a gestão complexa”, apela à “desburocratização” deste processo e deixa um desabafo: “todos queremos saber onde o dinheiro do contribuinte está a ser empregue, mas não precisa de ser tão complexo”.

Paulo Sousa, CEO da Colep Packaging

Fundado há 31 anos e com mais de 300 trabalhadores, o grupo vale-cambrense de automação e engenharia industrial JPM Industry, que tem também uma empresa em Angola, é outro dos envolvidos no cluster Produtech, que já existia antes da pandemia da Covid-19 e de ser montada a bazuca europeia à qual concorreu. O administrador Miguel Almeida Henriques frisa que estas tecnologias de produção “induzem competitividade sustentável” ao gerarem produtos e serviços com valor acrescentado.

De acordo com os dados apresentados pelo gestor da JPM numa conferência do consórcio, realizada recentemente no Porto, as empresas deste cluster evidenciam uma performance acima da média da própria fileira das tecnologias de produção e da indústria transformadora como um todo. São empresas maiores (98 trabalhadores em média, vs. 10,9 na indústria transformadoras) e com produtividade aparente do trabalho (Valor Acrescentado Bruto / trabalhador) de 49,736 euros (vs. 39.020 euros).

Em paralelo, outra ambição deste megaprojeto é uma centena de publicações científicas em coautoria entre as instituições de investigação e desenvolvimento (I&D) e as empresas — e que já ajudou à contratação de recursos humanos altamente qualificados para o ‘chão de fábrica’. José Carlos Caldeira assinala que a colaboração nestas publicações é “algo que não se vê muitas vezes” e um indicador em que Portugal “pontua bastante mal”, o que tem contribuído negativamente para a posição do país no European Innovation Scoreboard.

No campo da internacionalização, o consórcio está a dinamizar a participação em feiras e a detetar novos mercados para as tecnologias de produção. Por outro lado, o assessor da associação dos industriais metalúrgicos e metalomecânicos (AIMMAP) e antigo diretor executivo da Produtech destaca a promoção do envolvimento das empresas e das instituições de I&D nacionais em programas europeus por serem uma “fonte importante de financiamento”.

“Com o PRR a terminar e os fundos estruturais a terem uma redução significativa no próximo período de programação, é muito importante que comecem a reforçar esta vertente. Neste momento temos muitas alternativas, mas temos de perspetivar esse futuro. Essa participação nos programas europeus demora algum tempo a ser preparada, há um período de aprendizagem, e estamos a ajudar as empresas e entidades nacionais a preparar esse período de transição”, completa José Carlos Caldeira.

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