Qual o “plano B” dos países da UE face a um corte de gás russo?

  • Joana Abrantes Gomes
  • 27 Abril 2022

Com a ameaça de corte de gás russo, aumenta o risco de apagões e, numa altura em que os países tentam mudar para outras fontes energéticas, as opções são limitadas. Quais as alternativas dos países?

A possibilidade de a União Europeia (UE) deixar de receber gás proveniente da Rússia está a começar a tornar-se real, após a petrolífera estatal russa Gazprom anunciar a suspensão das entregas de gás à Bulgária e à Polónia a partir desta quarta-feira. O Kremlin ameaçou que o corte pode ser alargado a mais países da UE caso se recusem a fazer o pagamento em rublos, mas a presidente da Comissão Europeia já garantiu que o bloco comunitário “está preparado” para o corte de gás russo”. Diante deste cenário, qual o “plano B dos Estados-membros?

Para a Alemanha, a maior dependente do gás russo na UE, a solução pode estar na queima de carvão de lignite. Segundo a agência noticiosa alemã DPA, já há planos para ampliar uma mina de carvão na aldeia de Luetzerath, enquanto funcionários do Governo alemão apontam ainda a mina a céu aberto de Garzweiler, no estado da Renânia do Norte-Vestefália, como alternativa para reduzir as importações de combustíveis fósseis russos. Porém, esta fonte de energia pode tornar a região ainda mais poluente.

Por outro lado, a ameaça russa de só aceitar pagamentos em rublos fez soar os alarmes em Berlim ainda no final de março, altura em que o Governo alemão declarou a fase de alerta precoce do plano de emergência de gás. Trata-se da primeira de três fases possíveis, que consiste na monitorização para a qual foi convocada uma equipa de crise para se reunir diariamente, ao mesmo tempo que o regulador energético alemão está a fazer um levantamento junto das empresas sobre a sua utilização de gás para ajudar a determinar a distribuição de fornecimentos.

Além dessa medida preventiva, o ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, apelou aos consumidores e às empresas do país para reduzir o consumo, frisando que “qualquer kilowatt por hora conta”. Ainda assim, perante um corte no fornecimento de gás russo, os consumidores seriam protegidos pelo maior tempo possível, o que implicaria que a indústria, sobretudo química e metalúrgica, suportasse o peso de um plano de racionamento.

Menos exposta que a Alemanha, a França teria primeiro de interromper as grandes centrais elétricas alimentadas a gás no caso de uma suspensão do abastecimento russo. Num país onde o combustível russo tem um peso de cerca de 17% no consumo de gás, este seria depois interrompido para as grandes indústrias químicas, refinarias de petróleo, centros comerciais e estádios, enquanto os fornecimentos para edifícios residenciais e pequenas empresas seriam cortados em último recurso, de acordo com a principal operadora de rede de transmissão de gás francesa, a GRTgaz.

“Contudo, em tal situação, [a França] deveria preparar-se para reduções no consumo, em particular no caso de um inverno frio ou de uma interrupção durante o inverno”, alertou a GRTgaz, numa declaração na passada sexta-feira. É por isso que Paris procura fontes alternativas de abastecimento de gás, estando já a aumentar a capacidade de importação de gás natural liquefeito e a considerar a possibilidade de construir um terminal flutuante para receber gás dos EUA.

De acordo com um decreto do Governo francês publicado na sexta-feira, em cenário de escassez, as empresas francesas que consomem mais de 5 gigawatt/hora (GWh) de gás por ano serão as primeiras a enfrentar restrições. Nesse caso, a GRTgaz e outros distribuidores serão autorizados a pedir aos grandes utilizadores que reduzam ou cortem o consumo no prazo de duas horas, e o Governo poderá impor multas àqueles que ignorem o pedido dos operadores de rede.

A Itália, por sua vez, maximizará a produção de carvão ou de óleo combustível. A 28 de fevereiro, quatro dias após o início da invasão russa da Ucrânia, o Governo liderado por Mario Draghi adotou medidas que permitirão aumentar a oferta ou reduzir a procura de gás, se necessário.

A energia gerada pelas centrais alimentadas a gás será substituída pela maximização da produção de outras fontes, como de carvão ou óleo combustível, enquanto a contribuição para o cabaz energético italiano de fontes renováveis permanecerá inalterada.

Adicionalmente, o primeiro-ministro italiano referiu que a reabertura de algumas centrais de carvão fechadas pode ser uma opção em cima de mesa, por forma a ajudar a colmatar o seu défice de fornecimento de energia e reduzir a dependência do gás russo, que atualmente representa cerca de 40% das suas importações.

“A Itália não tem problemas de abastecimento a curto prazo”, disse o ministro italiano da Transição Ecológica, Roberto Cingolani, após uma reunião com os seus homólogos europeus em Bruxelas, citado pela agência noticiosa Ansa. “Temos de pensar em reabastecer as reservas a partir do próximo ano, mas temos uma estratégia a curto, médio e longo prazo para acabar com a dependência do gás russo”, sublinhou.

Na sequência da decisão da Gazprom, a ministra do Ambiente da Polónia, Anna Moskwa, assegurou na terça-feira que as reservas de gás natural do país se encontram nos 76% e que a segurança energética do país não está em causa, enquanto a empresa de gás polaca PGNiG afirmou em comunicado que a situação “não afeta o fornecimento atual aos [seus] clientes que estão a receber combustível conforme solicitado”.

Quer a Polónia, quer a Bulgária, que não aceitaram pagar o gás em rublos, disseram não ter intenção de renovar os contratos estabelecidos com a Gazprom, ao mesmo tempo que acusam a energética russa de violar os contratos em vigor, que expiram no final deste ano. “Uma vez que todas as obrigações legais e comerciais estão a ser cumpridas, é evidente que, neste momento, o gás natural está a ser usado como uma arma económica e política na guerra atual“, declarou o ministro da Energia da Bulgária, Alexander Nikolov, citado pela Reuters.

A estas consequências poderão seguir-se outras, já que há gasodutos na Polónia e na Bulgária que fornecem a Alemanha, a Hungria e a Sérvia, e a Gazprom avisou que o transporte de gás através dos dois países também será cortado se o combustível for transportado “ilegalmente”. “Os pagamentos pelo gás fornecido desde 1 de abril têm de ser feitos em rublos, usando os novos detalhes de pagamento, sobre os quais os compradores foram informados atempadamente“, reiterou a empresa.

Ainda esta quarta-feira, fonte da energética russa citada pela Bloomberg disse que dos 10 compradores europeus de gás russo que abriram contas no Gazprombank, quatro já pagaram fornecimentos na moeda russa, o que, segundo Ursula von der Leyn, significa violar as sanções impostas por Bruxelas. Pagar em rublos, se isso não estiver previsto no contrato, é uma violação das nossas sanções”, sublinhou a presidente do Executivo comunitário, detalhando que “cerca de 97% dos contratos estipulam explicitamente que os pagamentos sejam feitos em euros ou em dólares”.

Para fazer face à decisão da Rússia, a Comissão Europeia iniciou um plano composto por duas etapas. “Primeiro, vamos assegurar que a decisão da Gazprom tem o menor impacto possível nos consumidores europeus. Hoje, os Estados-membros reuniram-se no grupo de coordenação do gás, a Polónia e a Bulgária atualizaram-nos sobre a situação e ambos estão a receber gás dos seus vizinhos da UE, o que mostra a solidariedade mas, também, a eficácia de investimentos passados, por exemplo, em conectividade e em infraestruturas de gás”, explicou Von der Leyen.

Ainda nesta primeira fase, Bruxelas vai “intensificar o trabalho com os grupos regionais dos Estados-membros, que poderão providenciar a mais imediata solidariedade uns aos outros, se necessário”, o que “irá mitigar qualquer impacto decorrente de possíveis disrupções no fornecimento de gás”.

Já a segunda parte do plano visa assegurar que há armazenamento e fornecimento de gás no médio prazo, acelerando a implementação do “Repower EU”, a estratégia delineada recentemente para reduzir a dependência europeia da energia russa “já este ano”. “Também chegámos a um acordo com os Estados Unidos para fazer mais importações este ano e nos seguintes e estamos a trabalhar com os Estados-membros para assegurar fornecedores de gás alternativos junto dos nossos parceiros”, apontou Von der Leyen, frisando ainda que “a era de combustíveis fósseis russos está a chegar ao fim”.

De momento, o mercado europeu do gás natural já está no limite, com preços cinco vezes superiores aos do mesmo período no ano passado. Esta quarta-feira, o anúncio da energética estatal russa fez disparar os preços do gás natural em 12,5%.

No ano de 2021, a UE comprou 155 mil milhões de metros cúbicos de gás à Rússia, o que equivale a 45% das importações e perto de 40% do consumo total conjunto dos 27 Estados-membros, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).

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