“Cartel da banca”: processo suspenso à espera de clarificação de tribunal europeu

Tribunal de Santarém deu como provado que bancos trocaram informação sensível sobre condições comerciais, mas pediu ao tribunal da União Europeia para esclarecer se houve restrição da concorrência.

Ainda não foi esta quinta-feira que os bancos ficaram a conhecer a sentença do caso conhecido como o “cartel da banca” e no qual enfrentam coimas de 225 milhões de euros.

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão deu como provado que as instituições financeiras trocaram informação sensível sobre as condições comerciais do crédito, mas tem dúvidas se infringiram as regras da concorrência por não ter ficado provado que essa prática teve impacto nos clientes.

Por isso, a juíza Mariana Machado mandou o caso para o Tribunal da Justiça da União Europeia (TJUE) para esclarecer a qualificação jurídica sobre se a troca de informação entre os bancos teve ou não efeitos objetivos na concorrência. A juíza suspendeu a instância “com suspensão do prazo prescricional” e pediu tramitação acelerada do processo junto do tribunal do Luxemburgo por causa dos riscos de prescrição do processo. “Em função da resposta do TJUE, o tribunal abrirá a instância e concluirá a sentença”, declarou Mariana Machado ao fim de mais de duas horas de leitura da sentença que terminou sem uma condenação ou absolvição.

A juíza considerou “impressivos” os emails que os funcionários dos bancos partilharam entre si, num quadro de reciprocidade e com o conhecimento da hierarquia superior.

Citou dezenas exemplos de e-mails e documentação que demonstraram como a partilha de grelhas de spreads nos créditos, spreads futuros e volumes de produção ajudou os bancos a alterar as suas ofertas e políticas comerciais, dando-lhes potencial vantagem negocial sobre os clientes.

Ao contrário do que alegaram as testemunhas dos bancos, que defenderam que as informações eram públicas e “não serviam para nada” e que a troca se deveu a uma questão de “facilidade e comodismo”, a juíza afirmou que estas informações não estavam disponíveis em fontes públicas com o mesmo nível de detalhe e sistematização com que eram partilhadas entre as instituições, eram classificadas muitas vezes como “reservadas”, e eram depois analisadas, tratadas e partilhadas com as redes comerciais que lidavam diretamente com os clientes.

“Todos estavam cientes da censurabilidade das suas condutas”, disse.

Ao terminar a sessão, e quando tudo apontava para uma condenação, a decisão da juíza foi de deixar o processo em “stand by“, esperando por uma posição em abstrato do tribunal do Luxemburgo por estar perante uma situação inédita na Europa, isto enquanto se avança para o último ano para a prescrição dos factos, apontada para março de 2023.

A juíza considerou que “a natureza do intercâmbio de informações trocadas (de cariz sensível e estratégico), a duração do mesmo (de 2002 a 2013), o grau relativamente concentrado do mercado (seis bancos representam mais de 80% por cento) e a aptidão das variáveis comerciais trocadas (preços, atuais e futuros e volumes de produção) apontam no sentido de que o intercâmbio concorreu para reduzir a pressão comercial e a incerteza associada ao comportamento estratégico de um concorrente, redundando numa coordenação informal, restritiva da concorrência”.

Porém, achou pertinente passar a palavra ao TJUE, tendo em conta decisões recentes no Tribunal da Relação de Lisboa (que em duas situações distintas acionou este mecanismo), “o caráter precursor do objeto processo” e ainda a circunstância de da jurisprudência do TJUE não decorrer um precedente “em matéria de troca de informações standalone, nem subsídios diretos para a situação subjudice (coordenação informal entre instituições bancárias que através de um intercâmbio de informações obtém uma cooperação prática entre si, no crédito à habitação, ao consumo e a empresa)” como está em causa neste processo.

Este é um dos maiores casos da Autoridade da Concorrência nos últimos anos. Neste processo, Caixa Geral de Depósitos (82 milhões), BCP (60 milhões), Santander (35,65 milhões) e BPI (30 milhões) enfrentam as maiores coimas. O Banco Montepio viu a sua coima de 26 milhões reduzida para metade por ter recorrido ao regime de clemência, apresentando provas adicionais da infração.

BBVA (2,5 milhões), BES (700 mil), EuroBic (500 mil), Crédito Agrícola (350 mil), Deutsche Bank (350 mil) e UCI (150 mil euros) foram condenados a multas mais reduzidas. A mais pequena de todas foi passada ao Banif: 1.000 euros. O Barclays teve um perdão total da coima de 8 milhões por ter sido o banco que denunciou a infração. O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa.

Os bancos admitiram a troca de informações, mas recusaram que tenham praticado qualquer infração, considerando que as informações trocadas eram públicas e passavam pelas mãos de funcionários sem poder de decisão. Por isso, defenderam junto do tribunal que não resultou qualquer dano para os consumidores, ao contrário do que alega a Autoridade da Concorrência.

(Notícia atualizada às 18h47)

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