Exclusivo Governo pede ao Fisco para estudar impostos sobre criptomoedas

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais pediu à Autoridade Tributária (AT) uma "avaliação" à forma como outros países taxam os criptoativos. Objetivo é propor um novo enquadramento fiscal.

A Autoridade Tributária e Aduaneira está a avaliar a forma como os outros países estão a taxar os ganhos obtidos com a venda de criptoativos, onde se incluem as criptomoedas, como a bitcoin. Este trabalho resulta de um pedido do Governo e tem como objetivo propor um enquadramento fiscal para estes novos instrumentos, apurou o ECO.

“O Governo apoia uma posição concertada sobre esta matéria a nível europeu. Não obstante, determinou, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos fiscais, datado de 2021, que a Autoridade Tributária e Aduaneira estudasse o enquadramento dos criptoativos à luz das melhores práticas internacionais”, diz fonte oficial do Ministério das Finanças.

Em concreto, o Ministério das Finanças explica que este trabalho está a ser feito “no sentido de propor um enquadramento fiscal adequado a estes novos instrumentos, tendo em conta o necessário equilíbrio entre a repartição justa dos rendimentos e da riqueza e a atração do investimento estrangeiro”. “Esta avaliação ainda não foi finalizada”, acrescenta.

Portugal é um dos poucos países em que as mais-valias da venda de criptomoedas não estão sujeitas a IRS. A falta de um enquadramento fiscal para os criptoativos tem levado a que o país seja considerado, com frequência, um “paraíso fiscal” nos círculos de entusiastas destes instrumentos.

Com esta resposta, o Ministério das Finanças tenta um equilíbrio complexo. Por um lado, reconhece implicitamente que os criptoativos, tal como outros instrumentos financeiros, devem ter um enquadramento fiscal adequado. Mas, por outro, considera que um novo regime não deve penalizar a atração de investimento estrangeiro.

Em 20 de dezembro de 2021, já depois da dissolução da Assembleia da República, o ECO noticiou que o Ministério das Finanças estava à espera do Parlamento para poder taxar as criptomoedas e que o tema deveria ser discutido nesta nova legislatura. Um dia depois, o Bloco de Esquerda propôs alargar o IRS às criptomoedas no seu programa eleitoral.

Ora, não é só o Governo que está a olhar para este assunto — também poderão haver avanços nesta vertente em breve no Parlamento. Já haverá quem se esteja a preparar para suscitar um debate em torno do tema, apurou o ECO, o que pode acontecer depois de fechado o dossiê do Orçamento do Estado para 2022.

Antes associadas a fraudes e à criminalidade, as criptomoedas estão hoje sob o olhar atento de múltiplas organizações. Além disso, os ganhos obtidos com a venda destes ativos estão sujeitos a impostos em países como Espanha e França, por exemplo.

Em 30 de novembro, o Banco de Portugal promoveu uma reunião interbancária em Lisboa para discutir o tema da criação do euro digital pelo BCE, assim como os desenvolvimentos em torno da bitcoin e dos criptoativos em geral. Já este ano, lançou um “grupo de contacto” em torno destes temas, uma linha de diálogo com vários players do setor financeiro, incluindo a Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas.

"O Governo apoia uma posição concertada sobre esta matéria a nível europeu. Não obstante, determinou, por despacho do secretário de Estado dos Assuntos fiscais, datado de 2021, que a Autoridade Tributária e Aduaneira estudasse o enquadramento dos criptoativos à luz das melhores práticas internacionais no sentido de propor um enquadramento fiscal adequado a estes novos instrumentos, tendo em conta o necessário equilíbrio entre a repartição justa dos rendimentos e da riqueza e a atração do investimento estrangeiro, sendo que esta avaliação ainda não foi finalizada.”

Fonte oficial do Ministério das Finanças

O que diz a lei atual?

Em 2016, a Autoridade Tributária, a pedido de um contribuinte, analisou juridicamente o Código do IRS para aferir a possibilidade de as criptomoedas estarem sujeitas a esse imposto. A informação vinculativa que emitiu refere que “os rendimentos gerados” por essa atividade “podem, em tese, ser integrados em três categorias de rendimentos, designadamente, acréscimos patrimoniais (categoria G), rendimentos de capitais (categoria E) e rendimentos empresariais ou profissionais (categoria B).

Sobre a categoria G, o Fisco recordou que o artigo 10.º do Código do IRS diz serem tributáveis um conjunto muito específico de mais-valias. “Ora, o legislador, quando construiu esta norma de incidência, recorreu a uma tipificação fechada”, ou seja, “a tributação só incide sobre os ganhos derivados dos factos ali descritos” e em nenhum se enquadra as criptomoedas. “Pelo que se conclui não ser esta realidade tributável em sede de categoria G”, escreveu a autoridade.

A mesma conclusão foi tirada para a categoria E. Apesar de a norma de incidência estar “construída de uma forma aberta”, o Fisco indicou que, na vertente das criptomoedas, “o rendimento produzido é obtido pela venda do direito, pelo que não será passível de ser tributada em sede” dessa categoria.

Por fim, no que toca à categoria B, tratando-se de rendimentos do trabalho independente, o Fisco entendeu que pode haver direito ao pagamento de imposto, se se estiver perante “rendimentos” obtidos pelo “exercício de uma atividade empresarial ou profissional”.

“Conclui-se, assim, que a venda de criptomoeda não é tributável face ao ordenamento fiscal português, a não ser que, pela sua habitualidade, constitua uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte, caso em que será tributado na categoria B”, finaliza o despacho da Autoridade Tributária.

Em março de 2021, a sociedade de advogados RFF aconselhou os investidores a manterem, ainda assim, os registos das transações com criptomoedas, para evitar eventuais problemas com as Finanças. “É aconselhável que os contribuintes mantenham um registo capaz de justificar a origem dos seus rendimentos, especialmente caso efetuem certas despesas, potencialmente vistas pelo legislador fiscal como manifestações de fortuna”, escreveu a empresa num documento informativo sobre o tema.

Em setembro, o Decrypt, um site especializado em criptoativos, publicou uma lista de 11 países onde não há impostos sobre os ganhos com bitcoins: “Portugal tem um dos regimes fiscais mais amigos das criptomoedas”, escreveu a publicação.

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