“Vinho português vai demorar 50 anos a chegar à reputação do italiano”

Líder do Grupo Symington, maior proprietário no Douro e que na venda de vinhos só perde para a Sogrape, fala num setor com potencial, mas ineficiente na produção e sem marcas de dimensão mundial.

Membro da quarta geração de uma família de origem britânica e portuguesa, que iniciou este negócio de vinhos em 1882 — detém as casas de Porto Graham’s, Cockburn’s, Dow’s e Warre’s, e vários projetos no Douro (Quinta do Vesúvio, Quinta do Ataíde, Altano, Prats & Symington – Chryseia) e no Alentejo (Quinta da Fonte Souto) –, Rupert Symington ingressou no grupo em 1992 e tornou-se presidente executivo em janeiro de 2019, sucedendo ao primo Paul.

Em entrevista ao ECO, o também responsável pela área financeira da Symington Family Estates, que no ano passado alcançou um volume de negócios de 105 milhões de euros, arrisca que “vai demorar 50 anos para pôr os vinhos de Portugal no mesmo patamar de Itália em termos de reputação”. Mas acredita que o país tem “todas as condições” para se afirmar neste setor, a nível internacional e a longo prazo, descrevendo “regiões relativamente pouco exploradas e com potencial de produção de vinhos mesmo muito interessantes”.

Ao contrário de França ou EUA, em Portugal não tem havido grandes negócios no setor do vinho.

É verdade. É extraordinário que, fora do negócio do vinho do Porto, não haja assim grandes fusões nem aquisições no setor em Portugal. Há investidores estrangeiros que compram, de vez em quando, uma quinta no Douro, mas não é nada como em França, onde de três em três meses há um grande negócio.

Por que é que isso acontece?

Na França é tudo muito fragmentado e há um regime fiscal que não é o mais indicado para manter negócios em família. E também quando o valor do ativo sobe acima de um determinado valor, a pressão dos acionistas é para aproveitar. É uma oportunidade única para se encherem de dinheiro. É um pouco como aconteceu recentemente na Califórnia, em que todas as empresas familiares fundadas nos anos 60 estão a ser vendidas.

E porque não acontece isso também em Portugal? O valor dos ativos não é atrativo?

Acho que o regime fiscal português é mais tolerante às empresas familiares. É mais justo em termos de imposto sucessório. As pessoas conseguem passar os negócios de geração em geração, como nós. Mas nem sempre foi assim. Tivemos momentos piores em termos de tratamento fiscal. [Por outro lado], a nossa ideia é que, para gerir uma empresa de vinhos, isto tem de ser um projeto de 50 ou mais anos. Não pode ser de 15 anos e depois ‘vou vender’. Não é possível. Demora muito mais tempo a criar marcas.

Está a falar da disponibilidade para vender. E para comprar, há interessados em vir produzir vinhos para Portugal?

O setor dos vinhos portugueses ainda sofre por não haver muitas marcas, fora do Vinho do Porto, que tenham dimensão mundial. E as empresas que as têm, como a Sogrape, simplesmente não estão disponíveis para vender. Há pouca coisa. Se a marca Mateus fosse detida por uma pequena empresa familiar, alguém pegava nisso e comprava. Mas é uma questão também de escala. A produção de vinhos em Portugal ainda é muito fragmentada. Não há grandes fábricas de vinho, como na Califórnia ou na França. Uma das características do vinho português é que ainda trabalha com castas antigas, com parcelas de vinha pequenas e pouco eficientes. Isso dá o charme ao vinho, agora economicamente não é tão viável. Em média, somos muito ineficientes em termos de custo de produção. A nossa massa produtiva é muito ineficiente, numa comparação a nível mundial.

Somos o segundo grupo de vinho a nível nacional, em termos de faturação. Até digo aos meus primos: ‘estou um bocadinho triste porque ninguém nos vem bater à porta’ [risos]. Mas também acho que a nossa empresa sem uma família por trás não valia tanto.

Rupert Symington

CEO da Symington Family Estates

Faz falta mais capital estrangeiro ao setor do vinho em Portugal?

Montar um negócio em Portugal é ainda considerado um bocado burocrático pelos estrangeiros. Em termos de tratamento fiscal também a empresa portuguesa paga uma fortuna em impostos, em despesas sociais e tem uma série de custos que não existem noutros países. Ao nível individual é ainda bastante atrativo. Os donos das empresas ficam todos contentes em vir para cá porque é um bom sítio para viver. Mas para ter empresas não é tão atrativo, na minha opinião.

Falou há pouco da Sogrape. E na Symington não têm tido aproximações de investidores estrangeiros?

Neste momento, somos o segundo grupo de vinho a nível nacional, em termos de faturação. Até digo aos meus primos: ‘estou um bocadinho triste porque ninguém nos vem bater à porta’ [risos]. Mas também acho que a nossa empresa sem uma família por trás não valia tanto. Trabalhámos bastante para ter as coisas. E somos das poucas famílias em Portugal que vai diretamente ter com os clientes de uma maneira regular. Não somos só investidores. Fazemos também parte da equipa comercial e da equipa produtiva.

E 100% das ações estão na família.

Sim. Isso é uma grande vantagem. Tal como a Sogrape, que já não tem lá o Berardo [risos]. Também é muito mais fácil conseguir crescimento numa empresa quando estamos todos alinhados com uma missão partilhada. Quando há grupos de acionistas com interesses diferentes é bem mais complicado atingir os objetivos.

Se bem que nas famílias também há problemas e confusões.

Também há. Não estou a dizer que isto é um mundo perfeito. Entrei cá em 1992, trabalho cá há 30 anos, e o ativo do grupo cresceu quatro a cinco vezes desde que estou cá. Também foi um período de bastante crescimento económico no mercado europeu, que veio com a adesão à comunidade europeia. Foi uma coisa extraordinária. Tal como a criação do Euro, que trouxe mais transparência e estabilizou o mercado, apesar de na época a gente ter achado que seria uma ameaça ao nosso negócio.

Como está a posição financeira do grupo?

Está tudo muito contente. Apesar do investimento que fizemos no ano passado a um nível recorde em termos de CAPEX, mesmo assim conseguimos baixar a posição bancária. Estamos a gerir fundos mais rapidamente do que estamos a gastar, o que é sempre satisfatório para qualquer situação empresarial. Eu controlo a parte financeira da empresa e confesso que sou muito conservador. Não gosto de esticar muito a corda. Tenho por trás dez acionistas que confiam em mim o seu dinheiro e não queria fazer nada [que o arriscasse]. Se formos medir a nossa performance nos últimos dez anos — e até antes –, foi exemplar ao nível da gestão financeira. Conseguimos fazer crescer o valor do grupo sem alavancar muito a empresa.

São o maior proprietário de vinhas no Douro, com 26 quintas, num total de 2.420 hectares, 1.114 dos quais são de vinhas. O que justifica esta aposta?

Há duas razões para termos vinha: para controlar o processo e para valorizar o ativo. Temos muitas vinhas que comprámos há bastantes anos, que replantámos e que já chegaram ao ponto em que poderíamos vender amanhã por dez vezes o que se pagou no início. Mas também há desvantagens em ter vinha, com os custos da mão-de-obra a subir e com as mudanças climáticas. Quando compramos uvas ao lavrador são eles que sofrem, e não nós — o único problema é não arranjar material. Mas eu próprio sei o que é ser lavrador. Em 2020 não tivemos uma vinha que não tivesse tido custos absolutamente brutais de produção porque caiu em mais de 30% em alguns locais, por causa do calor e da seca. Não é um negócio muito fiável. Não é como comprar uma empresa que vende carros.

Há duas razões para termos vinha: para controlar o processo e para valorizar o ativo. Poderíamos vender amanhã por dez vezes o que se pagou no início.

Rupert Symington

CEO da Symington Family Estates

 

A imagem que os vinhos portugueses têm lá fora não tem o peso de outros países produtores. Porquê?

Trabalho muito o mercado americano e os americanos conhecem bem a França e a Itália dos filmes, em que veem a Torre Eiffel, o Coliseu de Roma. Não há filmes de Portugal. Há muitos americanos que ainda acham que Portugal é uma província de Espanha e não ligam muito à geografia europeia. Embora isso esteja a mudar com o crescimento do turismo em Portugal. Temos muitos clientes consumidores americanos que vêm cá bater-nos à porta e há também bastantes americanos a investir no imobiliário em Portugal. Mas em termos de marcas, com a exceção do Mateus Rosé e de algumas marcas de vinho do Porto, se a gente parasse pessoas em Nova Iorque e lhes perguntasse marcas portuguesas de vinho [não saberiam], enquanto francesas ou italianas não faltam [na mente do consumidor].

É possível mudar isso?

É possível. O problema de Portugal é esta fragmentação. Temos muitas explorações pequenas e poucas marcas com o potencial de obter escala. O vinho verde tem possibilidade de escala e já há marcas como a Casal Garcia e a Aveleda que já têm uma dimensão interessante. Mas, em geral, as marcas com maior volume estão a conseguir à custa de margem. A imagem da marca não é de grande prestígio. O vinho é considerado bom, mas não fantástico.

Nem se pode colocar na prateleira a um preço muito superior.

É difícil alterar isso e o país ainda sofre também por os vinhos portugueses não serem tão valorizados como os italianos e franceses. Mas atenção: os vinhos italianos também passaram por esta fase. Nos anos 1980, o vinho italiano não valia nada e hoje já se vende entre os melhores do mundo. É uma questão de construir reputação e acho que temos todas as condições em Portugal. Temos regiões relativamente pouco exploradas e temos potencial de produção de vinhos mesmo muito interessantes, em termos de perfil individual. E isso é que se vai traduzir em mercado.

Hoje em dia o consumidor é exigente, já conhece o que é o Chardonnay ou o Sauvignon Blanc e está à procura de coisas novas. E se podemos oferecer uma coisa nova a um preço acessível, então eles vão [preferir]. Agora, a distribuição também é complicada.

Rupert Symington

CEO da Symington Family Estates

 

Há a tese que temos demasiadas regiões e castas na promoção externa. Partilha dela?

Acho que não. Hoje em dia o consumidor é exigente, já conhece o que é o Chardonnay ou o Sauvignon Blanc e está à procura de coisas novas. E se podemos oferecer uma coisa nova a um preço acessível, então eles vão [preferir]. Agora, a distribuição também é complicada. Sei muito bem, por experiência própria, o que é ir bater à porta de uma loja no Texas e dizer: tenho aqui um vinho português muito bom. E eles dizem: ‘muito bem, mas eu tenho um vinho espanhol e italiano que vendo com mais facilidade’. Quando eles provam, gostam. Mas têm de filtrar o que o seu cliente vai comprar. Não é só pôr lá coisas na prateleira. Há lojas e restaurantes que focam muito em novidades, mas vai demorar 50 anos para pôr os vinhos de Portugal no mesmo patamar de Itália em termos de reputação, não de volume. Itália já tem 50 anos de restaurantes, de ocasiões, de filmes, tudo a promover a cultura italiana. E há também a população imigrante italiana nos EUA.

E o que mudaria em termos de gestão do setor em Portugal, até organizativos, que facilitasse o crescimento?

Mais cooperação. Temos uma situação absurda em que o Vinho do Porto tem o seu órgão de promoção, que é o IVDP [Instituto dos Vinho do Douro e Porto], e depois há a ViniPortugal, quase em luta aberta em termos de promoção internacional. Às vezes incluem o Vinho do porto nas suas ações, mas pagamos mais para lá estar. Temos de unificar e simplificar — e falar a uma só vez. Há esta perceção de que o Vinho do Porto tem a vantagem de ter 300 anos de experiência e que os coitadinhos ali de Lisboa têm de ter algum apoio para concorrer. Mas, sinceramente, estamos todos no mesmo barco. Não podemos estar a fazer coisas de uma maneira diferente [consoante a região].

Há esta perceção de que o Vinho do Porto tem a vantagem de ter 300 anos de experiência e que os coitadinhos ali de Lisboa têm de ter algum apoio para concorrer. Mas, sinceramente, estamos todos no mesmo barco. Não podemos estar a fazer coisas de uma maneira diferente [consoante a região].

Rupert Symington

CEO da Symington Family Estates

 

O problema da mão-de-obra grassa também no setor agrícola. Que dimensão é que tem e que consequência terá a prazo?

Sempre foi um problema. Estou cá há 30 anos e sempre se falou na potencial escassez de mão-de-obra no Douro. O Douro tem vindo a perder sistematicamente população –- o último censo mostrou que em dez anos perdeu mais de 10% da população. E os que ainda lá estão são velhos. Há muita vinha ainda cuidada pelos próprios donos, que já são pessoas de idade, e os filhos não querem lá estar. Apesar de o Douro ter condições ótimas em termos de paisagens e de clima, não há hospitais, escolas. Não tem as mesmas condições das cidades do litoral e isso vai degradando [o panorama demográfico]. E não só em termos de mão-de-obra na vinha. Temos várias ideias e projetos para o enoturismo no Douro – já temos um centro de visitas na Quinta do Bonfim e estamos agora a fazer visitas VIP à Quinta do Vesúvio, por marcação…

E mesmo para trabalhar no turismo é difícil recrutar.

Sim. Antes, quando estava a recrutar guias, tínhamos um leque de pessoas recém-graduadas, de universidades da Europa toda, que falavam línguas e que queriam passar um ano a ser guias. Não ganhavam salários muito altos, mas era uma vida agradável. Hoje em dia estamos a concorrer com as ‘Farfetchs’ e as grandes empresas de tecnologia, que também querem pessoas com [domínio de] línguas para falar com os clientes. Este é um problema mais recente, há muitas empresas destas a instalar-se no Norte de Portugal.

O Joe Biden segredaria ‘pay them more’. A indústria não aguenta? Ou não é um problema de salários?

No Douro, nem pagando um salário superior ao salário mínimo nacional, as pessoas querem ficar. É o tipo de trabalho [na vinha] que as pessoas não querem fazer. A solução é automatizar. Estamos a trabalhar em máquinas de vindimar –- 90% do vinho produzido no mundo vem de uvas colhidas por máquinas. O problema do Douro é que não é muito fácil. Temos um protótipo que já consegue vindimar em inclinações de 30%, mas não é nada fácil. Estamos a trabalhar nisso com o grupo Hoffmann da Alemanha e já conseguimos vindimar, pelo menos, metade das vinhas inclinadas, em terraços. 50% já é melhor do que nada.

Estão a recorrer mais a mão-de-obra estrangeira?

Ficámos um bocadinho nervosos quando houve esse caso dos imigrantes em Odemira. Temos de ter muito cuidado com essa solução, criar as condições. Outro problema que identificámos recentemente é que para ter pessoas a trabalhar no Douro, seja na vinha, seja no turismo, temos de criar também condições para eles viverem. E não há alojamento para trabalhadores estrangeiros [na região]. Simplesmente não há. Toda a gente está a converter casas e ruínas para turismo, mas para as pessoas que vivem lá há escassez [de habitação]. Temos no Douro um potencial extraordinário de crescimento, com umas limitações naturais que estão a travar esse crescimento.

Estão a transformar trabalhadores temporários em permanentes no vosso grupo?

Sim. Recentemente admitimos no quadro quase uma centena de pessoas da viticultura, que eram temporários, porque a dificuldade agora em convencer as pessoas para ficarem… optámos por admiti-los, com um custo muito maior. Pagam mais impostos, mas têm mais segurança, em contrapartida. Temos atualmente entre 550 e 600 pessoas. Somos provavelmente a empresa de Vinho do Porto com menos produtividade, estamos a vender menos por pessoa do que qualquer outro, mas a nossa política é fazer as coisas bem feitas. Provavelmente podíamos ser mais eficientes, mas gostamos de vender vinhos de colheitas de 1950… E também é um bocadinho a nossa política de investir na comunidade e nas pessoas — e não só nas marcas.

Olhando agora para fora da empresa e do setor, que expectativa tem para esta nova fase política, com um Governo de maioria absoluta?

Este Governo agora é puro PS. O PS, tal como o PSD, são muito business friendly e valorizam o setor. Não temos queixas nenhumas do tratamento. A austeridade custou-nos um bocadito, é verdade. Toda a gente se queixa que os apoios aos negócios podiam ser melhor, mas também beneficiamos de alguns, como o SIFIDE, que são uma coisa mais inteligente porque é uma maneira de incentivar o investimento e recebemos o proveito diretamente em poupança de imposto. Não é receber fundos que depois são tributados uma segunda vez.

Quando ao PRR, tem expectativa que vai ser transformador para a economia do país?

Gostava que houvesse um maior filtro para que as empresas que precisam dos fundos pudessem ganhá-los. Já li grandes números, mas o que vem cá [para a empresa] acho que vai ser pouco. Porque neste momento parece que os grandes grupos e o Governo estão a tomar a maior parte do dinheiro — e quem precisa mais de recuperar é o setor privado. Estamos a concorrer com um projeto de I&D em conjunto com a Gran Cruz, a Sogevinus e outros, com o apoio do IVDP. Foi pré-aprovado, mas é provável que não haja dinheiro para pagar tudo o que se pediu. E não é muito grande, ronda os dez milhões de euros.

Apesar de este setor ser um grande chamariz para os turistas, a impressão que tenho é que o Governo acha que nos vinhos está tudo muito bem e que não precisam de apoio nenhum.

Rupert Symington

CEO da Symington Family Estates

É relevante o facto de o novo ministro da Economia ser a pessoa que pensou o PRR português?

Não sou economista, mas o Governo deve ter uma visão clara de quais são as indústrias que devem ser apoiadas para o futuro de Portugal. Apesar de este setor ser um grande chamariz para os turistas, a impressão que tenho é que o Governo acha que nos vinhos está tudo muito bem e que não precisam de apoio nenhum.

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