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Dono do Cabeça de Toiro está de regresso aos vinhos no Dão

Controlado pela família de Alfredo Cruz, com berço em Viseu e nos vinhos de mesa, o grupo Enoport assume a gestão das vinhas no Dão e lança a marca Quinta Beirã, juntando-a ao Faisão ou Casal da Eira.

Com origem nos vinhos de mesa e em Viseu, de onde é natural Alfredo Cruz, o patriarca da família que controla o grupo sediado em Rio Maior, a Enoport Wines está a preparar o regresso em força ao Dão. Após fechar um acordo de exploração com uma adega local, vai assumir a gestão dos cerca de 40 hectares de vinha de que é proprietária naquela região – há uma dúzia de anos entregue a terceiros, a quem apenas comprava o vinho – e avançar com o lançamento da marca Quinta Beirã.

Em entrevista ao ECO, o presidente executivo da Enoport prevê a passagem da gestão desse parque de vinhas e pequenas quintas no Dão “algures em 2022”, sublinhando que esta é uma “alteração estratégica”. “A partir do momento em que conseguimos este acordo para ter uma adega, assim já faz sentido ter ali pessoas em permanência, ter as alfaias, amanharmos e tratamos das vinhas, e depois produzirmos nós próprios os vinhos. E até, se for caso disso, como fazemos noutras áreas, comprar uva a produtores locais e aumentar as produções”, acrescenta.

Nuno Santos adianta ainda que já está em desenvolvimento uma marca própria e “qualitativa” para os vinhos do Dão, que se vai chamar Quinta Beirã. Embora não deva ser lançada antes do próximo ano, uma vez que esses vinhos vão continuar em processo de estágio, antes de serem engarrafados. “Em meados de 2023 poderemos estar em condições de lançar esta marca no mercado e teremos um vinho de quinta do Dão, algo que nunca tivemos”, completa o gestor viseense, 43 anos, licenciado em Engenharia e Gestão Industrial no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa.

Nuno Santos, CEO da Enoport Wines

“A família toda era de Viseu. Eu quase que sinto esse apelo, essa obrigação moral de voltar à base, à origem”, reconhece o homem que, desde 2008, lidera esta empresa, que emprega atualmente perto de 180 pessoas em vários locais do país. Quanto às expectativas de negócio com esta nova aposta, responde que “não [está] muito preocupado em fazer números no Dão, em termos de quantidade, mas em construir futuro, em construir valor”. “Se forem 50 mil garrafas por ano, porque sei que as vou vender bem vendidas, que serão vinhos selecionados e diferentes, não fico desiludido”, contabiliza.

Esta aposta no Dão está prevista no plano desenhado pelo grupo para focar apenas nas quatro regiões vinícolas em que tem património agrícola: Tejo (Quinta de S. João Batista, com 145 hectares em Torres Novas), Lisboa (Quinta do Boição, inserida na Região Demarcada de Bucelas, com 45 hectares de vinha), Verdes (Quinta de Amarante, com 17,5 hectares) e Dão. Uma estratégia que obriga a ter “portefólios completos, qualitativos e diversos” nestas quatro localizações, em que vai concentrar o negócio. E reduziu a dez as chamadas marcas estratégicas, elegendo três principais: Cabeça de Toiro (Tejo), Faisão (vinho de mesa) e Lagosta (Verde).

Inserida na Região Demarcada de Bucelas, a Quinta do Boição tem 45 hectares de vinha. A Enoport vai aumentar a área de produção para os vinhos de Lisboa

No ano que terminou em abril de 2021, a Enoport vendeu 16 milhões de unidades (vidro, cartão e pacote), das quais seis milhões foram de Faisão, uma insígnia que mistura vinhos provenientes de várias regiões de Portugal e de Espanha, e que rendeu 5,5 milhões de euros no último exercício. Outro destaque em quantidade é o histórico “vinho de cozinha” Casal da Eira (um milhão de pacotes), mas para o negócio relevam o Cabeça de Toiro (2,5 milhões de euros) ou o Lagosta (2 milhões), seguidos da marca Caves Velhas, Moura Basto – apenas de exportação para o Brasil, Rússia, China e EUA – e da conhecida aguardente Fim de Século. Com os supermercados a absorverem metade dos vinhos, o grupo faturou 22,6 milhões de euros em termos consolidados.

Da compra insolvente à reestruturação com a EY

Até 1996 dedicada apenas à produção e venda de vinho a granel, a família Cruz vê-se pela primeira vez obrigada a tratar de temas como o engarrafamento ou o marketing quando compra as Caves Dom Teodósio, de Rio Maior, sobre a qual tinha “créditos relevantes” e que estava em situação de insolvência. E “as coisas correram tão bem”, relata o CEO, que em 2001 adquire as Adegas Camillo Alves e as Caves Velhas à Sociedade Central de Cervejas, dona da Sagres, que nessa altura resolveu alienar os ativos não estratégicos, isto é, tudo o que não fosse águas e cervejas.

Em 2004 acrescenta mais duas empresas na região nortenha dos vinhos verdes (Cavipor e Caves Monteiros) e percebe que “teria de haver algum grau de junção”, fundindo estas últimas duas e também as Caves Velhas com a Camillo Alves. Reduz o portefólio de empresas, mas no ano seguinte já está a juntar outras duas mais pequenas: as Caves Acácio (Miramar) e as Caves Moura Bastos (Amarante). Em 2006, concluindo que seria complicado juntar empresas com culturas tão diferentes, correndo ainda o risco de perder marcas e ter de abdicar de clientes por serem concorrentes, decide mantê-las separadas, mas criar uma cúpula comum. Nasce a Enoport United Wines.

Douro e Alentejo? O potencial é grande, assim como a concorrência e a dificuldade de criar marca. Nenhuma empresa tem estrutura e capacidade para investir em todas as regiões. Estamos e vamos continuar a estar fora dessas duas.

Nuno Santos

CEO da Enoport Wines

“Foi positivo porque minimizou a guerra [de empresas], mas insuficiente porque não criou sinergias. As empresas mantiveram as mesmas estruturas, marcas, estratégias, ativos, portefólios, dívidas”, recorda Nuno Santos. Foi então que contratou a Ernst & Young (EY) para gizar um plano estratégico que racionalizasse a estrutura – “éramos 450 pessoas, numa empresa que faturava o mesmo que hoje com 180” –, que criasse uma marca institucional para agregar todas as componentes e que projetasse a internacionalização, privilegiando então a presença em Angola, no Brasil e na China. Atualmente, Alemanha, Brasil, China, Rússia e Canadá são os principais destinos externos, com as exportações para 40 mercados a renderem oito milhões de euros.

E o Douro e o Alentejo? “O potencial é grande, assim como a concorrência e a dificuldade de criar marca. Nenhuma empresa tem estrutura e capacidade para investir em todas as regiões. Estamos e vamos continuar a estar fora dessas duas”, responde o empresário. Mas nem sempre foi assim. Até 2012, a empresa teve uma propriedade de 140 hectares no Alentejo, a Herdade de Machede. “Não tinha adega, era um custo tremendo, estávamos a investir em S. João Batista e concluímos que não conseguimos estar em todas as frentes e decidimos alienar. Dez anos depois discute-se se foi uma coisa boa ou má, mas a verdade é que o nosso cariz nunca foi do Alentejo. Sempre olhamos para ele como um complemento e não como um ator principal”, contextualiza.

Mais vinha e controlo nos pontos de venda

Já contando com o Dão, a Enoport produz nas suas propriedades cerca de 2,5 milhões de quilos de uva por ano, o que equivale a metade dos 5 a 5,5 milhões de vinifica. Além de comprar uvas a terceiros, para conseguir abastecer as 16 milhões de unidades anuais que comercializa, a solução é comprar vinho a granel. Um cenário que vai evoluir nos próximos anos, a cumprir-se o plano estratégico delineado até 2025 que torna prioritárias as marcas de quinta – e “a forma de as credibilizar é dar-lhes uma origem, um berço, dominar o processo de A a Z” – e também a exploração das vinhas nessas propriedades.

Uma primeira componente é produtiva. Tem a meta de crescer, pelo menos, 50% na área de vinha plantada até ao final do plano estratégico. Seja no Dão, nos Verdes, em Bucelas (já tem vários hectares comprados para expandir) ou em Torres Novas, onde a Quinta de S. João Batista produz o Cabeça de Toiro, cresceu 30 hectares nos últimos dois anos, estando o grupo a terminar a aquisição de mais 12 hectares. Outra vertente é a da exploração turística das quintas, passando a oferecer experiências de prova, cursos, visitas ou a realização de eventos, como congressos ou casamentos.

Loja da Enopoint em Lisboa

As lojas próprias são também uma novidade. O grupo já abriu um ponto de venda Enopoint em Lisboa e outro em Bucelas (Quinta do Boição), além de uma loja online, e tem como objetivo chegar a outros centros urbanos e ter uma estrutura deste género em cada uma das instalações agrícolas e industriais. A próxima a abrir é na Quinta de S. João Batista (Torres Novas) e até ao final de 2022 inaugura em Rio Maior. Nuno Santos quer que estas lojas sirvam para “divulgar, promover e puxar pelas marcas e produtos” e sejam “um micro contributo para o negócio do enoturismo porque podem atrair pessoas e dinamizar os programas” nas quintas.

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