Ex-consultores da BCG “apanham do chão” as toalhas Torres Novas
Histórica marca de têxteis-lar volta ao mercado, uma década depois da falência. Conheça a origem e os planos dos três jovens que se aliaram a um ex-acionista para dar uma segunda vida à Torres Novas.
Cerca de 175 anos depois de um grupo de comerciantes de Lisboa se ter juntado para fundar, a 2 de outubro de 1845, a Companhia Nacional de Fiação e Tecidos de Torres Novas (CTN), a icónica marca de toalhas de banho e outros artigos turcos, como roupões e chinelos, está de regresso às prateleiras pelas mãos de três jovens empreendedores e pelo conhecimento de um dos antigos acionistas de referência e administrador da empresa.
Acompanhado pela esposa Inês Vaz Pinto e por Miguel Castel-Branco, antigo colega de curso na Universidade de Católica e depois na Boston Consulting Group (BCG) – todos eles cresceram a usar estas toalhas em casa dos pais e dos avós –, Nuno Vasconcellos e Sá aliou-se ao tio-avô, Adolfo de Lima Mayer, para relançar esta marca histórica. Com a produção entregue agora a três fábricas de Guimarães e as vendas ao retalho tradicional e ao canal online, a Torres Novas prepara-se para testar lojas próprias em 2022 e quer voltar a ser uma marca europeia de referência em têxteis-lar.
Em 1949, a aquisição por parte de António de Medeiros e Almeida deu um impulso à modernização industrial – dois anos antes da revolução de abril passa a controlar todo o processo de forma vertical, desde a produção de fio de algodão ao produto final – e à promoção internacional. Mas ao dobrar o milénio, primeiro com vários clientes de relevo a desviarem as encomendas para a Ásia e depois com a crise financeira a partir de 2008, o negócio foi empurrado para a falência. Confirmada a 16 de agosto de 2011, poucas semanas depois da eleição de Pedro Passos Coelho e da chegada da troika a Portugal.
A “Fábrica Grande”, como era conhecida, fechou os portões depois de a maioria dos trabalhadores, no âmbito de um Processo Especial de Revitalização (PER), rejeitar o plano de recuperação proposto pelo grupo português Lanidor, que ficaria com 90% da sociedade. Previa um despedimento coletivo, a contratação de apenas 30 pessoas numa primeira fase e o pagamento de 600 mil euros em prestações anuais e ao longo de uma década. Acabou por só merecer o voto favorável do Banco Espírito Santo (BES), que era o maior credor e ficou com o complexo industrial – ainda hoje quase todo ao abandono –, situado no centro da cidade, junto ao rio Almonda, onde chegaram a trabalhar 600 pessoas.
Na altura com 72 anos, Adolfo de Lima Mayer controlava o negócio que tinha herdado do tio António, a par de João da Silva e Vasco Pessanha, os outros acionistas de referência. “Ele nunca fez outra coisa: saiu da tropa [em Moçambique] e foi trabalhar para a fábrica. Ficou atento para saber quando caducava o antigo registo para poder voltar a registar a marca e conseguiu-o há uns cinco anos. Mas não a relançou logo nem tinha um plano sobre como fazê-lo”, relata ao ECO o atual sócio-gerente da Torres Novas, Nuno Vasconcellos e Sá.
O tio-avô manteve-se no ramo através da Agofio, uma empresa de subcontratação de têxteis para hotelaria e de representação de marcas, desde toalhas de mesa a tecidos para toldos. Em setembro de 2018, com essa firma a perder também volume de negócios e a atravessar algumas dificuldades financeiras, Nuno e Miguel, que já estavam “interessados em ter um negócio próprio e estar na economia real”, começaram por ajudar com alguns empréstimos e a apoiar a tomada de decisões na gestão financeira, equacionando como poderia a prazo reflorescer a atividade.
Um ano depois de iniciar essa consultoria nos tempos livres, Nuno demitiu-se da BCG – a mulher e o colega de escritório só em 2020 se juntariam ao projeto a tempo inteiro – e fundou a Wild Cotton Textiles, que hoje em dia detém a marca Torres Novas. O sócio-gerente, 31 anos, estudou Economia na Católica e fez o mestrado em Finanças na Nova de Lisboa. Miguel é um ano mais velho, passou a infância em Azeitão e completou o mesmo curso. Formada em Relações Internacionais na mesma universidade, Inês nasceu há 29 anos em Madrid, cresceu em Oeiras e depois do curso trabalhou em três agências de comunicação e diretamente com várias marcas de moda, como a Havaianas ou a Michael Kors.
E tudo a pandemia antecipou
Por não exigir tanto investimento de capital e de stock, e sem produção própria, o plano dos jovens empreendedores passou inicialmente pela hotelaria, em formato de private label. Aproveitando os contactos do tio-avô na área industrial e comercial, Nuno andou seis meses a tentar marcar reuniões e a percorrer o país para apresentar o portefólio de artigos, composto por roupas de cama, toalhas de banho e de mesa, ou guardanapos. “Foi muito penoso, apercebemo-nos que em 95% dos casos vale o critério preço”, desabafa. No arranque de 2020, quando já começava a ter algumas encomendas até do estrangeiro e a conseguir pagar contas, veio a pandemia.
“A estratégia foi por água abaixo. Os hotéis cancelaram as encomendas, deixaram de pagar e ficámos uns largos meses sem receita, atarantados”, recorda. E logo em abril de 2020, com o país a sair do primeiro confinamento, decidiram virar a agulha para o relançamento da marca Torres Novas, que estava prevista para mais tarde, para quando tivessem algumas poupanças, uma vez que exigia mais investimento em marketing e em stocks. Decidiram “correr o risco”. Pediram um empréstimo ao banco, definiram a coleção inicial mais curta, os preços, os fornecedores, negociaram espaço nas prateleiras do retalho tradicional, montaram o site e chegaram ao mercado com a antiga marca no final desse ano.
O relançamento da Torres Novas ajudou, inclusive, a posicionar o negócio. Quando a componente hoteleira, que vale atualmente 30% das vendas, começou a recuperar no início de 2021, passaram a ser esses clientes a vir ter com o fornecedor e a valorizarem-no pela qualidade do produto, e não pelo preço mais barato. No primeiro ano completo de atividade faturou 500 mil euros e ambiciona duplicar esse valor em 2022. Uma meta que ficou mais distante depois de serem adiadas três feiras em que iria participar no início deste ano. Mantêm-se no calendário a Maison & Objet, em Paris (França); e a Heimtextile, em Frankfurt.
Na lista de clientes estrangeiros destaca-se um hospital na República Democrática do Congo e duas lojas em Espanha. No e-commerce já vende “para o mundo inteiro”, mas 70% a 75% das encomendas têm origem em Portugal e as restantes no país vizinho. No início de fevereiro começou a investir em marketing digital noutros países europeus – Itália, França, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica e Holanda – como “teste para perceber os que aderem melhor para depois focar o investimento em dois ou três”, já que não tem orçamento para “atacar todos de uma só vez”.
Experiência comercial e receita industrial
Posicionados num segmento premium, uma toalha de banho grande da Torres Novas custa entre 45 e 70 euros. No verão alarga a oferta às toalhas de praia e antes do último Natal lançou uma linha de roupões. Apesar de já estar presente num total de 60 pontos de venda, nos planos para 2022 está a abertura de quiosques ou espaços temporários em locais onde essa presença retalhista não é tão forte. O sócio-gerente explica que não tem como objetivo ter uma rede forte de retalho próprio, mas a prazo “pode eventualmente fazer sentido” ter flagship stores para expor toda a coleção, em Lisboa e no Porto.
Em princípio não voltarem a ter produção própria. O importante é sabermos fazer o desenvolvimento de produto, o controlo de qualidade e focarmos no marketing e em conhecer e estar junto dos clientes.
A produção está a cargo de três fábricas de Guimarães, que Adolfo de Lima Mayer, que neste momento “se mantém mais como conselheiro”, já conhecia do tempo em que a CTN não conseguia responder a todas as encomendas e era obrigada a subcontratar. E a quem “passou as receitas” das antigas toalhas Torres Novas ao nível da construção dos materiais, dos desenhos técnicos e das cores. Voltará um dia a ter produção própria? “Em princípio não porque são negócios muito diferentes. Mesmo noutras indústrias, vemos que as grandes marcas, como a Inditex [dona da Zara] ou a Nike, não têm fabricas. O importante é sabermos fazer o desenvolvimento de produto, o controlo de qualidade e focarmos no marketing e em conhecer e estar junto dos clientes”, responde Nuno Vasconcellos e Sá.
Atualmente com oito funcionários, depois de começar pelas toalhas de banho, que eram o artigo mais famoso em Portugal, quer em 2023 começar a introduzir produtos noutros segmentos, como as roupas de cama (capas de edredão, lençóis, fronhas, cobertores) e daqui a cinco anos estar nos restantes, subindo o volume de vendas para perto de quatro milhões de euros. “Temos como objetivo ser uma marca de referência nos têxteis-lar a nível europeu. Para isso não é preciso ter 30% do mercado, esta não é uma área em que a marca seja muito forte. Em Portugal, quem vende mais toalhas de banho e roupa de cama são a Ikea, a Zara Home ou o Continente”, ilustra o gestor.
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