Proprietários já estão a ser notificados pelos condomínios para encerrarem alojamentos locais
Depois do acórdão do Supremo, já se registam casos de condomínios a notificarem proprietários de alojamento local e a pedirem o encerramento dos mesmos. ALEP diz que situação causa "receios" no setor.
Um mês depois de ter sido conhecido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que trava novos alojamentos locais em prédios de habitação, alguns condomínios já estão a tomar medidas. Já há casos de empresários a serem notificados pelos condomínios para encerraram os seus alojamentos locais. Associação que representa o setor diz que o número de casos ainda é baixo, mas que a decisão cria bastante receio.
João Lopes (nome fictício) vive na Suíça, mas tem um apartamento na Venda do Pinheiro, em Mafra, que converteu em alojamento local quando saiu do país. “Primeiro pensei em vender, mas desisti e decidi alugar no Airbnb”, conta ao ECO. Já lá vão mais de dois anos desde que entrou na atividade. Depois de ter sido conhecido o acórdão, no final de abril, “o condomínio mandou-me logo um email a perguntar se eu estava a par do acórdão e a dizer que eu estava proibido de alugar” o apartamento para alojamento local.
O primeiro pensamento foi se esta decisão tinha algo que ver com eventuais barulhos que os hóspedes fizessem. “Liguei para uma vizinha, porque seria a primeira a dar conta do barulho, mas ela disse que nunca se apercebeu de nada. Então liguei para o condomínio e disseram que não havia barulho, mas que houve alguém que fez queixas de pessoas estranhas a entrarem e saírem do prédio“, explica o empresário.
João Lopes falou com a advogada e foi aconselhado a não fazer nada. “Falei com o condomínio e disse-lhes que se quisessem avançar com um processo para o fazerem. Vou acatar o que o tribunal disser. Mas se não avançarem com um processo não vou parar” a atividade, diz.
De facto, perante a lei, e mediante estas circunstâncias, os proprietários não têm de cessar a atividade, uma vez que este tipo de comunicações “é algo que, do ponto de vista da lei, não tem qualquer efeito automático“, explica ao ECO Raquel Ribeiro Correia, consultora da Antas da Cunha ECIJA.
Se as notificações tiverem uma natureza meramente extra judicial ou, no limite, forem notificações avulsas (…) não têm, por si só, a obrigatoriedade de encerrar a atividade.
“Se as comunicações tiverem uma natureza meramente extra judicial ou, no limite, se forem notificações avulsas, com uma simples manifestação de vontade do condomínio de que o condómino cesse a atividade, essas comunicações não implicam, por si só, a obrigatoriedade de encerrar a atividade“, acrescenta. Este tipo de comunicações “não tem qualquer efeito automático. Depende da vontade do proprietário cessar ou não a atividade”.
Luísa Monteiro (nome fictício) tem dois apartamentos em Albufeira, ambos destinados a alojamento local. Depois de ser conhecido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, um dos condomínios onde esta proprietária tem os imóveis mudou de administração, tendo havido uma reunião extraordinária por causa disso. “Mudaram-se alguns regulamentos e ficou falado nessa reunião (mas não em ata) que não se iam aceitar novos alojamentos locais nos prédios”, conta ao ECO. “Quanto aos alojamentos locais já existentes, iriam esperar por novas leis”.
Esta proprietária não foi, por enquanto, notificada, mas as intenções daquele condomínio são claras. Uma das razões apontadas durante a reunião de condomínio para o fim do alojamento local naquele prédio foi o facto de haver “pessoas importantes” a morar lá. “Num dos prédios há, pelo menos, cinco apartamentos alugados” em regime de alojamento local e no outro são 12 apartamentos, todos dedicados a esta atividade, nota Luísa Monteiro.
Alguns condomínios viram as notícias que foram sendo publicadas e, sem perceberem muito bem, resolveram mandar cartas [aos proprietários de alojamentos locais].
A Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) já tem conhecimento de alguns casos semelhantes. “São pontuais, mas são desagradáveis”, diz Eduardo Miranda, ao ECO. “Alguns condomínios viram as notícias que foram sendo publicadas e, sem perceberem muito bem, resolveram mandar cartas” aos condóminos proprietários de alojamentos locais, diz o presidente da associação.
Pelas redes sociais, em grupos de alojamento local, há mais relatos. “Está a acontecer o mesmo comigo. Expliquei que tem de haver [uma] queixa. Dizem [os condomínios] que a lei é clara [e que] não pode haver alojamentos locais em prédios e que eles não querem”, escreveu uma proprietária. “Eu tive dois condóminos que exigiram o cancelamento das reservas no verão. Senão pedem uma reunião para proibir [o alojamento local]”, escreveu outro.
Acórdão veio “dar colo” às “preocupações” dos condóminos
A consultora da Antas da Cunha diz que “este tipo de iniciativas por parte dos condomínios era expectável”, uma vez que “existem vários condóminos que se sentem lesados/ameaçados do ponto de vista do sossego, segurança, usos das áreas comuns, etc.”. Ao ECO, Raquel Ribeiro Correia nota que “este acórdão acabou por vir dar colo a estas preocupações de uma série de condomínios”.
O presidente da ALEP corrobora estas afirmações e nota que “a maior parte dos condomínios” que se está contra o alojamento local “são vizinhos” insatisfeitos. “O maior receio que tínhamos era que este acórdão fosse utilizado pelos condomínios em rixas pessoais ou chantagens. Pode ser uma desavença com o condómino vizinho. E ficar à mercê de humor ou chantagem é sempre uma situação de algum receio“, diz Eduardo Miranda.
A jurista Raquel Ribeiro Correia explica que este tipo de notificações por parte dos condomínios “é uma antecâmara do ponto de vista judicial” e “funciona como um ato preparatório de um processo judicial”. Ou seja, os condomínios precisam, efetivamente, de avançar com um processo judicial para encerrarem um alojamento local e, nesses casos, após este novo acórdão, “o desfecho é bastante expectável”. “Aos olhos do Supremo Tribunal de Justiça, essa atividade [alojamento local] é agora ilegal”, afirma.
Não acredito [que o condomínio avance para tribunal] porque eles não estão para gastar dinheiro. É capaz de cair no esquecimento.
Apesar disso, tal como já referiu anteriormente, o presidente da associação não acredita que este acórdão “vá ter essa repercussão”, ao ponto de vários condomínios se revoltarem contra a atividade. João Lopes, proprietário do apartamento na Venda do Pinheiro, pensa o mesmo. “Não acredito [que o condomínio avance para tribunal] porque eles não estão para gastar dinheiro. É capaz de cair no esquecimento”, diz ao ECO. Luísa Monteiro também acredita “que, pelo menos no Algarve, não vai dar em nada”.
Situação “pode criar receios no investimento”
De um modo geral, este acórdão vai ter impacto no setor do alojamento local, no turismo e até no investimento imobiliário. “Naturalmente preocupa, porque cria um ambiente de receio, sobretudo nas zonas de praia”, diz o presidente da ALEP, ao ECO. “É mau para as zonas de praia, porque quem vai comprar casa [para alojamento local] fica na dúvida se o registo amanhã é cancelado por iniciativa de algum condomínio“, completa.
Eduardo Miranda fala num “ambiente de insegurança desnecessário” para o turismo e para o investimento imobiliário. “Nas zonas de praia, onde o alojamento local era importante para viabilizar economicamente o custo do imóvel, este acórdão é principalmente um travão ao investimento”, diz.
Um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, conhecido a 21 de abril e publicado entretanto em Diário da República, veio estabelecer que “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local“. O Governo já se pronunciou sobre este acórdão, afirmando que esta decisão “tem um impacto muito significativo no setor”.
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