BRANDS' ADVOCATUS Comissão vs “Golias”: o DMA e a regulação dos gigantes digitais
David Noel Brito, associado da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, explica as medidas da Comissão Europeia para combater eventuais abusos por parte dos gigantes digitais.
As plataformas digitais de grandes dimensões são elementos estruturantes e fundamentais da atual economia, sendo responsáveis por uma grande parte das transações.
A Comissão Europeia (CE), apercebendo-se que um pequeno número de entidades globais do mundo digital arrecada a maioria do valor dos mercados digitais (seja em serviços de intermediação online, mercados digitais/marketplaces, redes sociais, motores de busca, sistemas operativos, lojas de aplicações, etc.), apresentou o Digital Markets Act (DMA) com vista a definir um verdadeiro regulamento dos mercados digitais, estabelecendo um enquadramento regulatório para as operações dos gigantes digitais.
O impacto destas empresas nos mercados digitais prende-se com o facto de atuarem como verdadeiras “portas de acesso” aos serviços que podem ser obtidos online – são considerados gatekeepers/controladores de acesso pois controlam o acesso aos mercados digitais, permitindo aos consumidores o acesso a diversos serviços online. Tendem também a ter uma posição enraizada e estável, muitas vezes em resultado da criação de ecossistemas em torno dos seus serviços essenciais e das suas economias de escala.
Na lógica do DMA, um gatekeeper é uma plataforma que: (i) alcançou um volume de negócios anual na União Europeia (UE) de ≥ 7.500 milhões de euros, em cada um dos três últimos anos, ou teve uma capitalização bolsista de ≥ 75 mil milhões de euros; (ii) contou com ≥ 45 milhões de utilizadores finais ativos mensalmente e ≥ 10 mil utilizadores profissionais estabelecidos na UE; e (iii) controlou um ou mais serviços essenciais de plataforma em três ou mais Estados-Membros.
Além de identificar os gigantes a enfrentar e o alcance do seu poder no mercado único, o DMA serve também para combater a subordinação da economia da UE, garantindo que novos intervenientes podem surgir e afirmar-se.
Desta forma, a CE impôs obrigações aos controladores de acesso, das quais se destacam:
- proibir a imposição de funcionalidades de software por defeito (ex: navegador Web) e pré-instalação de aplicações aquando da configuração de um sistema operativo;
- assegurar a interoperabilidade das funcionalidades básicas dos serviços de mensagens instantâneas;
- conceder aos vendedores acesso aos seus dados de desempenho em matéria de marketing ou publicidade na plataforma;
- proibir o autofavorecimento quanto à classificação dos seus produtos;
- proibir a reutilização, para efeitos da prestação de um serviço, de dados pessoais recolhidos na prestação de outro serviço.
Ora, mesmo simpatizando com a luta contra abusos de gigantes (talvez por me chamar David), estas soluções da CE poderão ter consequências práticas cujo alcance ainda não é totalmente claro.
Detendo-me especificamente num ponto, surgem dúvidas quanto à obrigação de assegurar a interoperabilidade das funcionalidades básicas dos serviços de mensagens instantâneas. Quererá esta obrigação dizer que plataformas de mensagens (Messenger, Whatsapp, etc.) não vão poder manter a sua encriptação específica (end-to-end encryption) e terão de a partilhar com terceiros? Como é que se vai distinguir a componente do serviço relacionada apenas com as mensagens da aplicação como um todo? Beneficiará realmente o mercado da UE com esta decisão? As respostas estão em aberto, ficando a ideia de que poderiam ter sido melhor ponderadas tratando-se de um regulamento dirigido a plataformas já existentes.
Apesar de todas as dúvidas, certo é que, neste combate aos gigantes digitais, a principal arma da CE é o recurso a coimas pesadas: a violação das regras do DMA é punível com coima que pode ir até 10 % do volume de negócios total a nível mundial da empresa. Em caso de reincidência e comportamento sistemático, o limite sobe para os 20% e a CE pode abrir uma investigação de mercado e impor medidas corretivas, comportamentais ou estruturais. Trata-se de um autêntico “colete de forças” para as plataformas digitais globais.
O acordo provisório quanto ao DMA foi alcançado em março e tem ainda de ser aprovado pelo Parlamento Europeu e Conselho antes de ser efetivo no combate aos “Golias” digitais.
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