Recuperação das florestas marinhas é central para o futuro dos oceanos. E em Portugal há oportunidades

Perante a degradação rápida dos ecossistemas marítimos e costeiros, líderes mundiais urgem que ação seja mais evidente. Em Portugal, as oportunidades são claras e Cascais já as aproveita.

Estima-se que a economia azul atinja uma avaliação de 3 biliões de dólares por ano até 2030, representando cerca de 5% do produto interno bruto (PIB) mundial. Os dados, apresentados esta terça-feira, durante a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, surgem numa altura em que são feitos apelos no sentido de gerir, proteger, conservar e restaurar os ecossistemas marinhos e costeiros dado o seu valor económico, social e ambiental.

“Esta discussão é a mais importante que podemos ter porque dá-nos o ponto de partida daquilo que temos fazer para concretizar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14. Vamos precisar de olhar para todo o ecossistema e ver se o que fazemos com uma mão não destruímos com outra“, começou por indicar a moderadora do painel em causa, Isabella Lövin, vice-presidente da organização Friends of Ocean Action, do Fórum Económico Mundial, acrescentando que 63% do valor total da biosfera é contribuído por ecossistemas marinhos, principalmente os costeiros.

Num painel dedicado em exclusivo ao tema, chefes de Estado, de Governo e representantes de entidades e organizações ambientais debateram o papel dos ecossistemas costeiros na regulação do clima. Além de captar cerca de 25% do carbono, estas zonas costeiras desempenham também um papel importante na estabilização da temperatura, sendo responsável por absorver 90% do excesso de calor causado pelo aquecimento global. A estes, junta-se também a poluição, fatores que contribuem para a degradação do oceano, perda de biodiversidade e erosão dos ecossistemas.

Planeamento, gestão, investigação, desenvolvimento e ação política “urgente” foram algumas das soluções apontadas pelos painelistas presentes na discussão, sem nunca deixar de fora dois fatores chave: financiamento e investimento em projetos que promovam a proteção destes ecossistemas. Na Austrália, esse passo já começou a ser dado. “Investimos 1,2 mil milhões de dólares na próxima década para restaurar e conservar a Grande Barreira de Coral”, assinalou Tanya Plibersek, ministra do Ambiente, anunciando que a aposta no país já revela “resultados entusiasmantes” e que devem servir de exemplo. E, olhando para a extensão da zona costeira de Portugal – de quase 1.000 quilómetros -, as oportunidades são evidentes.

Recuperar as florestas de algas marinhas ao largo da costa da Guia, entre a vila de Cascais e Guincho, e, consequentemente, potenciar o desenvolvimento da flora e fauna marinhas consta no topo da agenda da Câmara Municipal de Cascais – um objetivo que potenciou a primeira ação de reflorestação marinha no concelho.

“A geração mais velha, os avós, recordam-se de haver florestas marítimas em Cascais e de como no inverno as praias ficavam inundadas de águas verdes. É um habitat bastante comum, mas que infelizmente tem vindo a desaparecer nas últimas décadas“, revela Ana Margarida Ferreira, bióloga que lidera do projeto, ao ECO/Capital Verde.

DR Câmara Municipal de Cascais

Inaugurado no início do mês de junho, o projeto promete dar frutos no que toca à preservação do mar e do ambiente, uma vez que os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra e contêm 97% de toda a água do planeta albergando ecossistemas únicos. A título de exemplo, a devastação de habitats tão importantes como as florestas marinhas seria o equivalente à devastação das florestas tropicais, causando um impacto ainda maior nas diversas espécies que usam e dependem deste habitat.

Desde 2019 foram testadas várias metodologias nas águas de Cascais, um esforço que contou com a ajuda de parceiros, como a ONG australiana SeaForester e o Instituto Politécnico de Leiria. Após identificação inicial dos locais mais propícios à existência de florestas marinhas a nível intertidal (isto é, zonas situadas entre o nível médio da maré alta e o nível médio da maré baixa), foram realizados testes com espécies de algas castanhas endémicas, e noutro nível (subtidal, ou, abaixo do nível da maré baixa) realizaram-se testes com algas laminárias. As espécies de algas do intertidal foram recolhidas na costa de Cascais onde são bastante abundantes e coladas à rocha em locais menos abundantes e com maior pressão humana.

“A metodologia que tem mais sucesso, e que está a ser estudada a nível mundial, é a reflorestação no substrato da zona costeira de Cascais. O objetivo é que [as algas] sobrevivam e se reproduzam“, adianta a bióloga.

DR Câmara Municipal de Cascais

A iniciativa, que contou com um investimento de 100 mil euros no âmbito do EEA Grants, não deverá ficar-se apenas por Cascais. Ao ECO/Capital Verde, a vereadora do Ambiente da Câmara de Cascais, Joana Balsemão, garante que “está a ser afunilada a pesquisa e o piloto mais recente está a dar frutos”, o que permite dar “alguma esperança fundamentada” para escalar o projeto que visa dar vida aos “pulmões do planeta”, dado que as algas marinhas e o fitoplâncton produzem mais de 50% de todo o oxigénio da Terra e absorvem cerca de 30% do dióxido de carbono. No entanto, “escalar só em zonas rochosas”, uma vez que a metodologia aplicada em Cascais só assim o permite. “Todos os municípios com este tipo de substrato e habitat são elegíveis para replicar esta metodologia”, sugeriu a Ana Margarida Ferreira.

Quanto aos impactos, a bióloga sublinha que o ambiente pode ser o grande vencedor, uma vez que as florestas marítimas são “grandes produtores de oxigénio para os oceanos que, por sua vez, vão para a atmosfera”, “contribuem para o aumento da biodiversidade por proporcionarem mais habitat colonizável” e por terem um papel importante a nível da poluição por serem “filtradores naturais” no âmbito da limpeza do oceano.

Mas também a economia pode beneficiar de um projeto como este, através da “criação de empregos verdes” relacionados com a apanha das algas – algas estas que podem depois seguir para a indústria alimentar ou para a agricultura, enquanto fertilizantes. “Existe aqui um fator de circularidade muito importante“, aponta a Joana Balsemão. “Com um projeto destes, todos ficamos a ganhar”.

A oportunidade ligada à preservação e restauro das zonas costeiras também foi reconhecida pela Fundação Calouste Gulbenkian que, no início do mês, anunciou um projeto que visa investir em ecossistemas marinhos costeiros que capturam carbono. O processo que vai começar por mapear zonas de sapais e ervas marinhas, espalhados por nove áreas de norte a sul do país, vai calcular, depois, quanto carbono conseguem absorver e os custos associados à manutenção. Mais tarde, tal como explicaram os responsáveis pela iniciativa ao ECO/Capital Verde, a ideia será apresentada às empresas para que possam compensar as suas emissões.

Mais tarde, será criado um mercado voluntário de carbono, semelhante ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), no qual as empresas pagam pelo “direito de poluir”. No fundo, as empresas terão que pagar para compensar as emissões que não conseguem evitar, sendo que o preço seria fixado consoante os custos da operação associada à compensação de emissões, isto é, o investimento necessário para preservar ou restaurar estes ecossistemas com capacidade de absorver determinada quantidade de carbono.

ONU compromete-se em recuperar mil milhões perdidos com má gestão dos oceanos

Além do painel dedicado exclusivamente ao tema, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) anunciou esta terça-feira o compromisso de recuperar perdas anuais estimadas de um bilião de dólares (cerca de 950 mil milhões de euros), causadas por má gestão dos oceanos. Ao abrigo da “Promessa Oceânica”, o objetivo é que, até 2030, 100 países costeiros “atinjam o potencial máximo das suas economias azuis”, através de ações sustentáveis, indicou a organização em comunicado.

“A Promessa dos Oceanos do PNUD lançada hoje na Conferência dos Oceanos da ONU em Lisboa, sublinha que cada cêntimo investido para alcançar o Acordo de Paris é um cêntimo investido na saúde dos oceanos — a base da economia azul sustentável”, informa a nota divulgada, informando que este novo acordo “descreve ações em setores-chave para acelerar o crescimento económico, criar empregos e meios de subsistência, melhorar a segurança, reduzir a pobreza e a desigualdade e promover a igualdade de género”.

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