Há um novo guia para emitir dívida azul que se quer global
O financiamento da economia azul é uma das questões centrais a serem debatidas na Conferência dos Oceanos. Cinco entidades lançam um guia para ajudar investidores na emissão de dívida azul.
Há um novo quadro de referência que pretende guiar a emissão de dívida azul a nível global, isto é, a dívida que financia iniciativas sustentáveis ligadas ao oceano. Este foi apresentado esta terça-feira, na conferência dos Oceanos, e o ECO/Capital Verde foi perceber a relevância deste passo para o financiamento da economia azul.
O novo quadro de referência tem como objetivo tornar-se o guia de emissão de dívida azul para empresas, Estados e bancos multilaterais, harmonizando as regras de forma a criar mais clareza e transparência. “Porque os emitentes precisam de saber o que é suposto fazerem e como fazê-lo bem. E os investidores precisam de perceber o que realmente é “azul”, e ter mais confiança nas emissões”, afirma Suzanne Johnson, conselheira sénior na UN Global Compact, uma das entidades envolvidas na elaboração do guia.
As linhas-guia são lançadas pela UN Global Compact, um conjunto de 16.169 empresas espalhadas por 161 países que se comprometem a alinhar as respetivas estratégias com princípios de sustentabilidade, pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, na sigla em inglês), o International Finance Corporation (IFC), que é o braço do World Bank que representa o setor privado, o Banco de Desenvolvimento Asiático (ADB, também na sigla em inglês) e, finalmente, a Associação Internacional de Mercados de Capital (ICMA).
Antes, existiam vários princípios e muitos quadros de referência, sendo que os princípios elencados pela ICMA eram dominantes: 98% de todas as emissóes de dívida sustentável emitidos globalmente estavam alinhados com estes princípios, indicam os autores do guia, em comunicado, mas faltava algo mais prático. “Ao combinar cinco grandes instituições esperamos criar um ponto focal, e ter outras instituições a juntarem-se”, indica Johnson, revelando que já existem interessados em adotar estas linhas-guia, incluindo três países, que prefere não nomear para já.
O novo quadro está a dar os primeiros passos, e entrou esta terça-feira em processo de consulta pública. Espera ter-se a versão final no último trimestre deste ano, depois de acolher os contributos de atores do mercado financeiro e da indústria dos oceanos, entre outros. Nele, vão ser estar identificadas as áreas que podem ser consideradas “azuis” e vai ser explicado, passo a passo, como proceder a uma emissão neste âmbito.
Esta ferramenta aplica-se aos dois tipos de dívida azul que existem. Um primeiro, que se destina a financiar projetos ligados ao oceano, e um segundo, que não tem de estar ligado a um projeto específico, mas que financia uma empresa com uma estratégia de sustentabilidade, que deve ser comprovada com indicadores de desempenho. Caso a empresa não cumpra com estes indicadores, pode ter uma penalização, com um agravamento da taxa de juro, por exemplo.
Dívida azul ainda aquém da dívida verde. Mas está a crescer
“Se se pensar na trajetória da dívida azul nos últimos 10 anos, é fenomenal. Existe mais consciencialização de que o oceano é parte da solução para as alterações climáticas, e portanto acreditamos que a dívida azul pode seguir a trajetória de crescimento vista no mercado de dívida verde”, acredita Suzanne Johnson. Para esta conselheira, a grande vantagem de investir no conceito de dívida azul é evidenciar, aos olhos dos investidores, o interesse desta área.
Apesar da economia azul ser cada vez mais relevante na sustentabilidade do planeta e na economia como um todo, as emissões de dívida azul monitorizadas pela Bloomberg ainda não apresentam uma atividade idêntica à dívida verde, sendo que os títulos verdes são a parte mais estabelecida do mercado de títulos sustentáveis, embora a dívida azul possa ser considerada uma subcategoria dentro da verde, indica o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa.
O analista da XTB, Henrique Tomé, afirma que o interesse dos investidores tem aumentado substancialmente nos últimos dois anos, com a necessidade de se apostar em energias alternativas às fósseis, sendo que o aumento do interesse das empresas energéticas tem também atraído os investidores de retalho nesta área. “Os oceanos continuam a ser pouco explorados pelo Homem e ainda existe muito investimento que pode ser feito nesta área. Em termos globais, estamos numa fase em que de facto existe uma transição para uma maior aposta neste setor, embora ainda esteja a um ritmo relativamente lento”, aponta.
A República de Seychelles lançou o primeiro título soberano azul do mundo em outubro de 2018 – um instrumento financeiro pioneiro projetado para apoiar projetos marinhos e de pesca sustentáveis, além de suportar o turismo destas ilhas. As obrigações emitidas arrecadaram 15 milhões de dólares, revelaram o interesse dos investidores internacionais, e demonstraram o potencial dos países para aproveitar os mercados de capitais para financiar o uso sustentável dos recursos marinhos, recorda Paulo Rosa. Mas o interesse dos Estados não fica por aqui. A economia azul e respetivas emissões de dívida azul estão mais associadas a países com significativas zonas costeiras, diz.
O mesmo economista considera um “marco” a emissão de dívida azul do Banco da China, em setembro de 2020, já que o acordo equivalente a 942,5 milhões de dólares foi o primeiro título azul do setor privado e também o primeiro título azul de um banco comercial.
Mais recentemente, em Portugal, a empresa de capital de risco Faber lançou um fundo dedicado a impulsionar a sustentabilidade oceânica e a inovação na ação climática, o Faber Blue Pioneers I, que arrecadou um total de 32 milhões de euros e já fez o seu primeiro investimento, apoiando a empresa alemã de tecnologia limpa Fuelsave.
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