A situação da banca está hoje melhor do que há um ano. Falta apenas resolver o problema do Novo Banco. E o BCP fez mais pela imagem dos bancos portugueses do que qualquer outro acontecimento recente.
Nesta terceira parte da entrevista, de João da Costa Pinto ao Eco, falamos dos problemas que a Zona Euro enfrenta, da política do atual Governo, das soluções para o crédito malparado e da banca.
Na perspetiva de um economista com uma longa carreira no sistema financeiro, o facto de os bancos privados estarem basicamente em mãos de angolanos e espanhóis coloca questões diferentes, indicando que o controlo por parte de Espanha pode ser mais problemático. A administração do BCP merece de Costa Pinto um grande elogio, considerando que “fez mais pela reposição da imagem dos bancos portugueses do que qualquer outra coisa que aconteceu nos últimos anos”.
Quanto à política económica do atual Governo avalia-a como de “transição”, como um momento de “descompressão”, uma vez que os grandes problemas terão de ser enfrentados. Critica o PSD, quer pela atitude que teve na era da troika, quer pelas posições que tem assumido atualmente perante medidas do atual Executivo que considera positivas. O aumento das taxas de juro da dívida? Não dá grande peso. Mas critica as recentes posições europeias, nomeadamente os cenários de Juncker, de avançar numa construção da Europa a várias velocidades.
Há o risco de o Euro acabar?
Há o risco de as condições que justificaram o lançamento do Euro se alterarem profundamente. Não vejo como é que as economias podem passar a caminhar a passos distintos, no movimento de integração, sem isso criar tensões crescentes sobre a própria situação financeira dos países. A existência do Euro, a moeda única, cria limitações fortíssimas aos países, como sabemos. Isto é, o Euro traz vantagens, mas também traz inconvenientes, como sabemos.
Mas considera que existe um risco efetivo de colapso do Euro na sequência desta declaração da Europa a várias velocidades?
Não direi de colapso geral do Euro. Se grupos de economias começam a caminhar com velocidades distintas para um movimento de integração financeira, isso cria dificuldades crescentes aos países devedores mais frágeis.
Por exemplo, um grupo de países pode avançar mais rapidamente para a criação de um fundo de garantia de depósitos, o terceiro pilar que falta?
De um fundo de garantia de depósitos, de uma união plena de capitais ou do mercado bancário…Isso tem um custo inevitável. Os países que ficam de fora, que se atrasam, primeiro passam a ter que pagar o seu financiamento a um custo cada vez mais elevado, porque o risco implícito que os mercados estabelecem para esses países vai-se separando do risco dos outros, do núcleo central. Isso vai criando cumulativamente dificuldades e divergências.
Portugal tem condições para ficar no pelotão da frente?
Só se pode responder a essa questão quando se conhecer minimamente o figurino do que é que isso significa [a Europa construída a várias velocidades]. Eu ainda estas declarações [de construção da Europa a várias velocidades] como uma tentativa de a França, a Alemanha e a Comissão dizerem aos eleitores europeus, descontentes com o caminho da Europa: “vocês não precisam de apostar na Le Pen, nos partidos anti euro e anti europa porque nós estamos abertos a discutir as melhores vias, inclusivamente a não dar mais passos ou a haver aqui grupos de países que vão mais depressa do que os outros e até, em tese, de acordo com os cinco cenários do Juncker, andar para trás em algumas circunstâncias”. Vejo isto como uma manobra de natureza política.
Sabe como é que eu vejo a política económica deste Governo? Como uma política de transição de uma situação de repressão financeira, por causa do programa da Troika, para uma situação mais descomprimida. (…) As grandes reformas e as grandes questões vão ter de ser encaradas.
Temos então de esperar pelas eleições alemãs, que são as ultimas deste ciclo eleitoral. No caso de Portugal, pensa que a política económica e financeira que tem vindo a ser seguida é mais adequada a esses desafios?
Sabe como é que eu vejo a política económica deste Governo? Como uma política de transição de uma situação de repressão financeira, por causa do programa da Troika, para uma situação mais descomprimida. Em que o Governo tem vindo a utilizar, ao limite, alguma margem de manobra ganha para devolver, nomeadamente a grupos sociais, alguma capacidade de rendimento que tinham perdido. Mas é uma mera política transitória. As grandes reformas e as grandes questões vão ter de ser encaradas. Como o papel do Estado, o peso do Estado, a reorganização do sistema financeiro, o futuro do sistema bancário, as mudanças de modelo económico ou a atração de capital externo, o investimento. Eu vivo este período, como economista, como um período de transição, que tem aspetos positivos claros, de descompressão económica, até social e política.
Uma das coisas que não entendo, nomeadamente do partido mais importante da oposição, que teve que conduzir o país num contexto tão difícil, é a forma como, no passado, colocou à frente as receitas da Troika. E não entendo a posição actual, em que se coloca quase numa situação de negação relativamente a aspetos da atuação deste Governo que são positivos.
Em que aspetos é que o PSD não se coloca ao lado do PS em matérias que considera positivas?
O que eu acho, e aqui estou a colocar-me como cidadão, é que, no mínimo, os dois maiores partidos deste país, o PS e o PSD, de uma vez por todas, deviam entender-se. Construir uma base comum, para a resolução dos grandes problemas e dos grandes bloqueamentos da economia portuguesa que é o não crescimento. Nós não estamos a crescer.
E não entendo a posição atual [do maior partido da oposição], em que se coloca quase numa situação de negação relativamente a aspetos da atuação deste Governo que são positivos.
E em quê que se deviam entender os dois?
Desde logo, a grande reforma do Estado que é absolutamente fundamental.
Qual seria a principal prioridade da reforma do Estado?
Nós não podemos continuar a endividarmo-nos, nós não podemos continuar a acumular défices. É evidente que a sociedade portuguesa tem muitas carências. E há aspetos, que foram ganhos na democracia, que devem ser preservados. Por exemplo a reforma da justiça, que é um dos elementos centrais, um estrangulamento que toda a gente reconhece. Porque é que não se entendem?
Face à crispação atual entre os dois grandes partidos do regime, o PS e o PSD, considera viável esse entendimento?
As crispações políticas vão e vêm. Em política, as crispações de hoje deixam de ser amanhã.
Não ligo à subida das taxas de juro (…) As taxas de juro que são praticadas no financiamento da economia portuguesa, em particular dos défices do setor público, são taxas de juro artificiais, contidas pela política monetária não convencional do BCE e isso é que me preocupa.
Por isso é que diz que isto é uma política transitória? E esta política transitória tem riscos na sua perspetiva? Como é que interpreta as subidas das taxas de juro de financiamento da dívida pública?
Não ligo à subida das taxas de juro, nos mercados financeiros internacionais. Ligo muito mais a uma questão de fundo, que não está resolvida. As taxas de juro que são praticadas no financiamento da economia portuguesa, em particular dos défices do setor público, são taxas de juro artificiais, contidas pela política monetária não convencional do BCE e isso é que me preocupa extremamente.
Isso são as do mercado secundário. Mas recentemente o Governo, isto é, o Estado, está a pagar taxas de juros cada vez mais elevadas para se financiar.
A Helena sabe tão bem como eu que as taxas de juro do mercado secundário se refletem nas taxas de juro do mercado primário. É evidente que as condições de financiamento do Estado português resultam de um conjunto muito complexo de fatores, que vão variando. No nosso caso há um elemento que afeta o risco, percebido pelos investidores da nossa dívida soberana, que é o nível de endividamento.
Considera que deve haver uma reestruturação da dívida, que o Governo se deve bater pela reestruturação da dívida?
Considero que o Governo, e penso que fará isso, conjuntamente com outros Governos tem de procurar, não isoladamente, mas a nível europeu, encarar o problema da mutualização da dívida…
Da dívida soberana?
Sim e não só, também a dívida privada. Porque isso para mim não é uma dificuldade, é uma oportunidade. A criação de um mercado integrado da dívida soberana e da dívida de empresas é uma condição essencial para o desenvolvimento do mercado de capitais na Europa do Euro, que é estratégico no momento em que o mercado bancário está a recuar. Há uma oportunidade, com o Brexit, que os mercados continentais europeus deviam aproveitar. A dívida soberana podia ser um dos segmentos do mercado de capitais que devia ser desenvolvido a nível europeu.
Eu divido o crédito malparado em Portugal em duas partes. Há o crédito malparado ligado às empresas e ligado ao setor imobiliário e à especulação imobiliária. (…) Deviam ser criados veículos, vários, para o crédito malparado nos bancos.
E esta podia ser uma via para resolver o problema do crédito malparado, não apenas em Portugal?
Eu divido o crédito malparado em Portugal em duas partes. Há o crédito malparado ligado às empresas e ligado ao setor imobiliário e à especulação imobiliária. O crédito imobiliário, por sua vez, tem duas componentes, o da especulação imobiliária – terrenos, projetos megalómanos – , e o crédito à habitação e à aquisição de habitação, que acaba por ser marginal e é uma preocupação social.
O crédito malparado ligado ao movimento especulativo deve ser resolvido em condições de mercado. Podem ser criados veículos, em que esses os ativos nos balanços dos bancos devem ser avaliados a valores de mercado e deve desenvolver-se um mercado para isso.
No crédito ligado às empresas, o caso muda de figura. Há milhares de empresas portuguesas economicamente viáveis e com estruturas financeiras extremamente débeis. As soluções para esse crédito malparado devem passar por impedir o desaparecimento e o colapso de milhares de empresas, que são cruciais.
E a possibilidade de criar um veículo, como um banco mau, como o Governo…
Não lhe chame banco mau. Veículos, deviam ser criados veículos para o crédito malparado imobiliário…
Um veículo para o crédito imobiliário e outro para as empresas?
Veículos, até mais que um. Como alguns já aí estão. Desenvolvê-los para as empresas é um problema estratégico, que devia ser considerado no âmbito de um programa de desenvolvimento de um mercado de financiamento das PME’s.
E a possibilidade de criar um veículo europeu para resolver o crédito malparado?
Isso era o ideal. Não precisava de ser um veículo europeu. Poderia era haver, a nível europeu, fundos que dessem apoio financeiro à criação desses veículos nos diferentes países.
Os problemas que se podem pôr com capitais angolanos e espanhóis têm razões distintas, como sabemos. (…) O que nós vemos é grandes bancos espanhóis, com ambições hegemónicas a nível da península ibérica (…) As grandes decisões estratégicas desses bancos vão ser tomadas em Madrid.
Olhando para a banca portuguesa no seu todo. Pensa que está melhor do que estava no passado? Do que estava há um ano, por exemplo?
Está seguramente. Foram dados, ultimamente, três passos muito importantes: a estabilização e normalização da situação da Caixa, o aumento do capital do BCP, – que fez mais pela reposição da imagem dos bancos portugueses do que qualquer outra coisa que aconteceu nos últimos anos – , e a OPA sobre o BPI. Falta agora uma solução para o Novo Banco. Havendo uma solução para o Novo Banco, no essencial, há uma estabilização da estrutura acionista dos diferentes tipos de bancos.
Para si é uma preocupação a banca portuguesa estar basicamente na mão de espanhóis e angolanos?
A entrada de capital estrangeiro para recapitalização da banca portuguesa ou de outros países é inevitável. Os problemas que se podem pôr com capitais angolanos e espanhóis têm razões distintas, como sabemos.
No caso de capitais angolanos, e certamente que as autoridades estão atentas a isso, é necessário assegurar que a proveniência desses fundos, desses capitais, é transparente. Sendo isso assegurado, não vejo nenhum problema. Pelo contrário. Angola é um país com grande futuro, a intensificação das nossas relações com um país como Angola tem todo o interesse, atual e para o futuro. E não é só porque estão lá mais de uma centena de milhares de portugueses. É para o futuro. Eles falam a nossa língua, é um país imenso de possibilidades.
No caso dos espanhóis a questão é distinta. O que nós vemos é grandes bancos espanhóis, com ambições hegemónicas a nível da península ibérica, controlarem grandes bancos portugueses. Não tenhamos dúvida que isso vai ter uma consequência. A identidade dos bancos portugueses vai gradualmente desaparecer.
E que efeitos? Qual é a consequência que pode ter?
A consequência é que as grandes decisões estratégicas desses bancos vão ser tomadas em Madrid. As decisões de apoiar grandes projetos, de desenvolver políticas de crédito, vão ser tomadas, no essencial, por pessoas que estão a faze-lo a partir de Madrid. E que com o tempo olharão para Portugal como mais uma região, como mais um segmento do mercado bancário ibérico.
Isso não protege mais o país de disparates dos bancos, de os bancos serem mais rigorosos na concessão de crédito?
Porquê? Porque é que os espanhóis hão de ser mais rigorosos do que nós? Se as quotas de mercado se mantiverem não vejo que haja algum mal quanto a isso. Nós ainda temos cerca de 40% do mercado bancário em mãos totalmente nacionais. A Caixa tem cerca de 30% e os bancos cooperativo-mutualistas têm cerca de 10%.
O BCP teve sucesso num aumento de capital que merece, da minha parte, uma vénia. Provou que ainda há bancos portugueses que conseguem atrair capitais em condições de mercado. E isso é importantíssimo, não só para agora, como para o futuro.
Está a excluir o BCP dessa banca nacional?
O BCP é a grande interrogação, do que é que lhe irá acontecer. Felizmente está neste momento dotado de uma belíssima administração, que tem conseguido navegar por muitos escolhos, conduzindo o banco até aqui. Teve sucesso num aumento de capital que merece, da minha parte uma vénia. Provou que ainda há bancos portugueses que conseguem atrair capitais em condições de mercado. E isso é importantíssimo, não só para agora como para o futuro.
Neste momento tem como principais acionistas chineses e angolanos.
Pois, não vejo mal algum nisso.
Pensa que há condições para o Novo Banco ser vendido à Lone Star? Ficando 25% no Fundo de Resolução?
De acordo com as notícias, é isso que está em cima da mesa.
A Direção Geral europeia da Concorrência vai autorizar esta operação?
Isso eu não sei. De acordo com as notícias estão a correr negociações sobre isso. Não não tenho conhecimento de qual é o estado da arte.
Para terminarmos, estamos protegidos de novos erros dos banqueiros? Os banqueiros já não vão cometer os mesmos erros?
Porque é que os banqueiros hão-de cometer mais erros que os outros?
Não cometeram grandes erros de conceder crédito? Ou de favor ou crédito a empresas…
Houve uma área em que os bancos portugueses cometeram erros. Não me estou a referir a situações em que tenha havido fraude, pois isso são coisas que são de natureza distinta, aí é um problema de polícia, como às vezes se diz. Onde cometeram erros foi na área do financiamento da especulação imobiliária, nomeadamente nos terrenos.
Mas sabe que a especulação imobiliária geralmente é a área onde tudo se mistura?
Aí foram cometidos erros e excessos. É bem verdade que o pêndulo quando vai para um lado depois vai para o outro. Acabou por ser criado um fato de regulamentação que a grande questão que coloca é se deixa respirar suficientemente os bancos para eles poderem correr. Eu tenho algumas dúvidas.
Na sua opinião estas novas regras para a banca, é pior a medicação que a doença?
Não é pior. Mas em alguns aspetos são excessivas. Na Europa não estamos a fazer uma coisa que nos Estados Unidos fizeram, e que é fundamental. Um pequeno banco não precisa de ter o mesmo tipo de regulamentação que um grande banco. Não deve ter, não pode ter, não aguenta. Devia haver uma gradação em função da dimensão.
Mas existe.
Não é suficiente, nomeadamente quanto a questões fundamentais como obrigações de reporting, de tipos de controlo, etc… Mas penso que com o tempo… Sei que há uma discussão, neste momento, na Europa sobre isso. Os americanos foram um exemplo. Privilegiaram, nas pequenas instituições, formas automáticas de reporting e de acompanhamento, que hoje é possível tecnologicamente. Penso que a Europa caminhará para isso, mas para já ainda não está devidamente implantado.
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João da Costa Pinto: O aumento de capital do BCP merece “uma vénia”
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