Mãe de 5 filhos e uma carreira profissional consistente – um testemunho em discurso direto
Já testemunhei práticas positivas no mercado de trabalho que valorizam as escolhas de cada um, que não criam barreiras pelos filhos ou por outras questões pessoais. Estamos no bom caminho!
Muito se tem falado, e talvez mais agora, sobre conseguir um bom equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, o tão famoso Work Life Balance. Se antes da pandemia se posicionava como uma das prioridades para o bem-estar e retenção dos colaboradores, agora ganhou ainda mais significado, ao olhar para a flexibilidade e modelos de trabalho remoto como “bens” a consolidar. Este tema não é novo, mas é cada vez mais importante pelas circunstâncias em que vivemos, pela exigência das novas gerações e pela necessidade de olhar para a vida profissional como um “pedaço” que faz parte de nós e não algo externo.
É neste contexto que partilho o meu exemplo, que acredito poder servir de reflexão.
Desde sempre que tive o sonho de ser mãe. Não sabia o que poderia significar até o ser, até o experienciar, com as maravilhas e as dificuldades associadas.
Sempre ouvi dizer que ser mãe e ser profissional é um desafio demasiado grande de conciliar de modo eficaz. Esta e outras crenças acompanharam-me desde cedo e cheguei a acreditar que teria de fazer uma escolha entre “um mundo e outro”.
A verdade é que comecei esse papel de mãe bem cedo, com os meus 23 anos, ao mesmo tempo que fui evoluindo em termos profissionais. Hoje, com cinco filhos e 40 anos, acredito que tal foi possível pela conjugação de cinco ingredientes cruciais: escolha, foco, flexibilidade, oportunidade e apoio.
Superar-me a cada dia num equilíbrio entre família e trabalho.
Quando falo em equilíbrio, não falo em divisão em partes iguais de um lado e de outro, mas antes em escolhas que me levam por um caminho onde ambos os mundos são compatíveis, que me permitem sentir realizada profissionalmente e poder ser um exemplo para os meus filhos.
Muitos me perguntam “como é possível trabalhar em consultoria e ser mãe de cinco filhos?” — o facto de esta pergunta ser feita demonstra já por si o enorme desafio que a maternidade/paternidade nos traz.
De repente temos um ser que depende totalmente de nós e que para sermos bons profissionais não nos podemos dar ao luxo de abdicar de uma reunião para atender “aquele ser.”
Num mundo que evolui a uma velocidade incrível, aquele parar momentâneo, aquele socorrer a um choro parece impossível de acontecer, pois não podemos parar, temos uma reunião atrás da outra e vai seguindo por esse caminho que só tem uma volta, no qual os filhos são um obstáculo que nos faz atrasar e perder a corrida.
Não vejo dessa forma e sinto o contrário.
Essas paragens ajudam a restabelecer, a compreender que tudo faz parte de nós e se nos sentimos realizados como pais, também o sentiremos como profissionais, pois em ambos os mundos damos e recebemos, ouvimos e somos ouvidos, negociamos e cedemos, questionamos e argumentamos, refletimos e agimos, celebramos e ficamos frustrados.
Todas estas competências (negociação, feedback, empatia, influência e comunicação) vão sendo alimentadas em ambos os papéis e traz-nos uma maior orientação para a objetividade e pragmatismo, traduzindo: não perder tempo com o que não interessa. Sei que não é fácil manter estes dois mundos saudáveis e, por vezes, pendemos mais para um do que para o outro e vice-versa. Tudo faz parte da aprendizagem e para mim é crucial assumir duas coisas:
- Não ter a ambição de controlar sempre todo o processo;
- Aceitar que o erro faz parte e é um bem necessário para a evolução.
Não há tempo a perder e o foco está no alcance dos objetivos
Uma das coisas que aprendi desde que fui mãe é que não há tempo a perder e não são as horas em que estamos a trabalhar que me fazem ser melhor ou pior profissional, mas antes se alcanço ou não os objetivos. Tornei-me mais produtiva nas duas horas da sesta da mais pequenina, do que em oito horas de trabalho no escritório. Compreendi a importância do planeamento para concretizar um projeto por um lado e para não faltar às atividades dos filhos por outro, no extra mile que por vezes temos de dar, mas também na coragem em dizer que não, na necessidade de estabelecer regras para momentos em que me dedico totalmente aos filhos ou estou totalmente dedicada a um projeto/cliente, em dizer que errei e mudar tudo o que foi planeado no início.
Flexibilizar o nosso pensamento/ação
Aprendi a mudar o chip mil vezes por dia, ou estou a dizer para a adolescente desligar o telemóvel, ou estou a fechar uma proposta importante com o cliente, ou estou a mudar uma fralda e a pedir que alguém me traga toalhitas, ou estou a “enfiar” um pedaço de chocolate na boca e a entrar numa reunião de equipa, ou estou numa reunião com um cliente e ao mesmo tempo o telefone insistentemente a tocar da escola do filho (o “terror” dos pais…).
É uma mudança de foco constante e que nos permite flexibilizar o nosso pensamento, capacidade de adaptação, de ajuste ao contexto, de pensar fora da caixa, diversas competências que são valorizadas no mercado de trabalho, mas mais em contexto de trabalho do que em contexto pessoal/familiar. Dou por mim a seguir duas premissas: apagar do vocabulário a palavra perfeição; arriscar mesmo sem ter controlo sobre o resultado.
Tive a oportunidade de trabalhar com empresas que acreditaram em mim (e não pesou o facto de ter filhos)
Sinto que, infelizmente, ainda há um caminho a percorrer neste campo e que também a natureza da profissão terá impactos diferentes. Passei por algumas situações no passado que só o facto de dizer que tinha filhos, sentia a linguagem não verbal de quem me entrevistava a transfigurar-se e, claramente, sentia imediatamente um obstáculo para a fase seguinte e porquê? Mais uma vez está relacionado com as crenças limitadoras que nos fazem acreditar que ou somos uma coisa ou outra, as duas é impossível. Ora, impossível não é, ainda que desafiante.
Quando vim para a Mercer, ainda com o “fantasma” na cabeça de que ter filhos é sinónimo de não aceitação, disse imediatamente que tinha cinco filhos. Ainda me surpreendi quando a resposta foi de total alegria perante esse facto e que seria “irrelevante” para a fase seguinte.
Como é que ainda me senti surpreendida com isto? Não deveria ser algo natural? Nesses momentos sinto que ainda estou a ser “dominada” por crenças minhas e da sociedade de que ambos os papéis não são compatíveis. Por isso devemos olhar para a vulnerabilidade como uma força, onde a nossa atitude perante as coisas facilita ou dificulta o caminho.
Aceitar apoio e ajuda e estabelecer bons princípios familiares
As escolhas que fazemos, associadas à vontade, para além da oportunidade, necessitam de uma componente fundamental, o apoio. Esse apoio poderá vir de diversas vias e é importante aceitarmos esse apoio com gratidão ao mesmo tempo que estabelecemos bons princípios familiares. Receber apoio é uma lufada de ar fresco na correria do dia a dia, em que sabemos que temos ali alguém que nos ampara mesmo que o “mundo desabe”. Por outro lado, estabelecer regras com os nossos filhos, facilita e redireciona o nosso foco para o que é realmente necessário. Lembro-me de estar numa reunião com uma colega e o meu telefone ter tocado. Era a minha filha mais velha. Não atendi e recebi logo uma mensagem sobre o propósito do telefonema. Ela sabe que só liga a segunda vez se for urgente e assim apenas respondi a uma mensagem sobre se deveria tomar Benuron 500 ou 1000.
- Dar autonomia aos filhos e acima de tudo não ter medo que errem;
- Dar tempo de qualidade aos filhos e não quantidade;
- Não olhar para os filhos como uma “posse” nossa, mas como seres independentes que irão voar;
- Olhar para cada momento mais exigente em termos profissionais como um exemplo de superação para os nossos filhos.
Enquanto mulher, mãe, filha e profissional olho para mim como um todo, permitindo-me ser autêntica. Ainda muito está por partilhar e falar, mas são já vários os passos que estão a ser dados para desmistificar aquilo que tem sido uma escolha minha, que não é mais nem menos válida que outras escolhas. Já testemunhei práticas positivas no mercado de trabalho que valorizam as escolhas de cada um, que não criam barreiras pelos filhos ou por outras questões pessoais. Estamos no bom caminho!
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