• Entrevista por:
  • Joana Abrantes Gomes

“Desemprego é um calcanhar de Aquiles para o MPLA”, diz Alex Vines

Alex Vines, da Chatham House, reconhece que Angola continua a ter um problema de corrupção e aponta a taxa de desemprego no país como o "calcanhar de Aquiles" do MPLA.

Alex Vines, que lidera o Programa África na Chatham House desde 2002, assinala, em entrevista ao ECO, que a corrupção persiste em Angola, embora não tão generalizada como durante a presidência de José Eduardo dos Santos. Enquanto bandeira da governação de João Lourenço, que concorre a um segundo mandato nas eleições desta quarta-feira, Alex Vines vê alguma partidarização na estratégia de combate à corrupção do atual chefe de Estado angolano.

Entre os “legados económicos” herdados do último presidente, que governou o país de 1979 a 2017, o também professor assistente na Universidade de Coventry, no Reino Unido, destaca o peso da dívida – que caiu 841 milhões de dólares, para 50.402 milhões, no primeiro trimestre – e a situação de recessão, da qual Angola só saiu este ano após concluir o programa de ajustamento financeiro aplicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Antecipando o ato eleitoral desta quarta-feira, o “mais competitivo desde 1992”, Alex Vines prevê uma elevada afluência às urnas. Sobre as campanhas dos dois partidos à frente nas sondagens, considera que o foco do MPLA recaiu em medidas para um segundo mandato de João Lourenço, enquanto a UNITA, o maior partido da oposição, esteve concentrada sobretudo na disputa eleitoral e, por isso, “não está preparada da mesma forma” se tiver de formar Governo. Qualquer que seja o resultado, a diversificação da economia e a criação de postos de trabalho são os principais desafios do próximo Presidente, aponta.

João Lourenço ganhou as eleições de 2017 sob a promessa de melhorar as condições de vida do povo angolano. Cumpridos cinco anos de mandato, quais os principais marcos (negativos e positivos) da sua presidência?

João Lourenço está a lidar com os legados económicos da era do ex-presidente José Eduardo dos Santos, incluindo o peso da dívida e a resposta à pandemia de Covid-19. É de sublinhar, além da relação com o FMI, o facto de ter conseguido o apoio da China para a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI, na sigla em inglês) adotada pelo G20 – da qual Angola foi o principal beneficiário.

No entanto, dado o baixo preço das mercadorias e o impacto da Covid-19, a economia angolana só saiu da recessão este ano. O resultado foi que muitos angolanos tiveram de apertar o cinto, o desemprego juvenil e o subemprego foram acentuados e houve um crescimento limitado das pequenas e médias empresas (PME) e do emprego formal.

A luta contra a corrupção foi uma das principais bandeiras da governação de João Lourenço. Porém, é acusado de fazer um combate seletivo, visando principalmente familiares do seu antecessor e outros “inimigos políticos e pessoais” do atual chefe de Estado. Acha que os documentos revelados com o caso “Luanda Leaks” contribuíram para isso?

A herança da administração Dos Santos significou que houve pouca escolha senão a de João Lourenço enfrentar os interesses empresariais profundamente penetrados da família do ex-presidente e os dos principais aliados. Esta estratégia foi muito popular durante os primeiros anos, mas, a partir de 2020, cresceu o sentimento de que isto estava a tornar-se partidário, e que alguns indivíduos próximos de João Lourenço não eram indexados.

Considera que a corrupção continua a marcar a governação em Angola? Porquê?

A corrupção continua a ser um problema, mas não é tão generalizada como antes. Grandes investidores regressaram, como a Anglo American e a Rio Tinto, entre outros. A facilidade de fazer negócios melhorou.

Outra das principais promessas era criar mais postos de trabalho e baixar a taxa de desemprego. No entanto, de acordo com os dados do INE de Angola, a taxa de desemprego no país rondava os 24% há cinco anos e, no segundo trimestre de 2022, este indicador era de 30,2%. O que impediu o Governo angolano de reduzir o número de desempregados?

Isto é um calcanhar de Aquiles para o MPLA [o partido no Governo]. A grande afluência de jovens aos comícios da UNITA [o maior partido da oposição angolana] ilustra a frustração dos jovens perante a sua limitação.

Enquanto país produtor de petróleo, acha que Angola pode beneficiar da forte subida dos preços do petróleo a nível mundial?

O aumento do preço do petróleo bruto está a ajudar Angola – embora a balança de pagamentos não pareça tão impressionante, uma vez que este aumento do fluxo de receitas tem permitido às companhias petrolíferas integradas (IOC, na sigla em inglês) repatriar lucros que tinham sido bloqueados durante o período de recessão.

Nas eleições, há oito formações políticas a concorrer e 14 milhões de eleitores registados para votar, incluindo pela primeira vez angolanos residentes no estrangeiro. Antecipa um ato eleitoral muito participado?

Esta é a eleição mais competitiva desde as primeiras eleições multipartidárias em 1992. Os resultados da participação eleitoral também serão elevados.

Durante a campanha eleitoral, o candidato da UNITA falou em irregularidades na organização do processo, apontando culpas à Comissão Nacional Eleitoral (CNE). A CNE, por seu lado, convidou nove organizações internacionais para observarem as eleições e estabeleceu o limite de 2.000 observadores nacionais e internacionais. É suficiente?

É demasiado cedo para concluir sobre irregularidades, mas dada a competitividade da eleição, é uma pena que Angola não tenha permitido uma observação eleitoral mais robusta.

Atualmente, o MPLA tem maioria absoluta, ocupando 150 dos 220 lugares no Parlamento. Uma sondagem do Afrobarómetro aponta para uma distância de apenas sete pontos percentuais do UNITA para o MPLA, com cerca de metade dos eleitores ainda indecisos. Há probabilidades de estas eleições resultarem num maior equilíbrio na balança do poder em Angola?

Há duas questões. Primeiro, será a UNITA capaz de quebrar a maioria absoluta do MPLA – portanto, reduzir os votos no MPLA para menos de 60%? Isto abriria espaço a reformas na Assembleia Nacional – o que é determinado constitucionalmente por esta.

A segunda questão é se este resultado eleitoral for realmente próximo – e o que isso implica para a política angolana. O que é evidente é que esta é a eleição mais competitiva desde 1992.

João Lourenço representou a transição de poder de Eduardo dos Santos. Está Angola preparada para ter no poder uma alternativa ao MPLA?

O MPLA tem estado a pensar nas suas políticas para um segundo mandato. A UNITA tem estado principalmente concentrada na disputa eleitoral e não está preparada da mesma forma se sair vitoriosa e tiver de formar o próximo Governo.

Quais considera que serão os principais desafios para o próximo Presidente, mesmo para o caso de João Lourenço voltar a vencer as eleições?

Criar empregos e diversificar a economia face à dependência excessiva de Angola do petróleo e do gás.

  • Joana Abrantes Gomes
  • Redatora

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