Nova interrupção do gasoduto Nord Stream 1 volta a colocar “enorme pressão sobre os stocks” para o inverno

Interrupção de três dias volta a colocar "enorme pressão sobre os stocks" de inverno, aumentando os riscos de o Nord Stream não reabrir ou de enviar "fluxos residuais" para a Europa.

Até ao dia 2 de setembro, o principal gasoduto que liga a Rússia à Europa, através da Alemanha, vai permanecer encerrado por motivos de manutenção. A notícia fez com que os preços do gás voltassem a atingir novos máximos – provocando um efeito colateral também nos preços da eletricidade – e arrefecessem ainda mais as expectativas de que os fluxos enviados para o bloco europeu regressariam aos níveis anteriores à guerra na Ucrânia. Sendo esta a segunda vez que o Nord Stream encerra por motivos de manutenção – depois das sucessivas reduções nos envios de gás –, os 27 Estados-membros já trabalham considerando um cenário em que o Nord Stream 1 não voltará a abrir. E, caso reabra, a capacidade poderá ser abaixo dos atuais 20%.

“Os fluxos podem ser retomados, mas a capacidade pode ser reduzida para 15% ou até mais baixo. Vai ser residual o envio de gás para a Europa”, frisa ao ECO/Capital Verde o professor Carlos Santos Silva, do departamento de engenharia mecânica do Instituto Superior Técnico (IST). “Apesar de serem só três dias, [esta suspensão] coloca uma enorme pressão sobre os stocks de gás para o inverno. O risco é grande”.

Esta é a segunda vez no ano que o envio de gás através do Nord Stream para o bloco europeu são suspensos alegando motivos de manutenção, isto depois de vários países, como a Alemanha e a Itália, terem sentido sucessivas reduções no volume de gás enviado de Moscovo, desde o início da guerra. França foi a vítima mais recente. Esta terça-feira, a empresa estatal Gazprom anunciou que iria reduzir as suas entregas a uma das principais empresas francesas do setor, a Engie. “Muito claramente a Rússia está a utilizar o gás como arma de guerra e temos de nos preparar para o pior cenário, que seria uma interrupção completa dos fornecimentos”, disse a ministra francesa da Transição Energética, Agnes Pannier-Runacher, em declarações à rádio France Inter.

A 21 de julho, quando o gasoduto voltou a reabrir ao fim de 10 dias, os líderes europeus respiraram de alívio perante o risco de um inverno sem reservas de gás. No entanto, a calma foi de pouca dura, uma vez que o gasoduto operava apenas a 20% da capacidade. A realidade obrigou a Comissão Europeia a lançar um apelo aos restantes países do bloco europeu: “Estamos a pedir aos Estados membros que reduzam em 15% o consumo de gás. 15% porquê? É o equivalente a 45 bcm [mil milhões de metros cúbicos] de gás e, com tal redução, podemos ultrapassar com segurança este inverno”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, na apresentação da medida, no passado dia 20 de julho.

A iniciativa, que decorre até março de 2023, pede que os países reduzam o consumo, mas em especial à Alemanha que é a maior dependente do gás russo – cerca de 40% do seu mix energético corresponde ao gás natural de Moscovo. Apesar do desafio, o chanceler Olaf Sholz já deixou garantias de que as reservas alemãs serão suficientes para enfrentar o inverno. “As medidas tomadas pelo governo alemão “contribuíram em termos de segurança do abastecimento para estarmos agora numa situação muito melhor do que era previsível há alguns meses e podermos lidar muito bem com as ameaças que vêm da Rússia“, assegurou, esta terça-feira.

A verdade é que os alegados períodos de manutenção, citados pela Rússia, previstos para esta altura do ano são, de acordo com o professor do IST, “motivos válidos” para suspender o envio de gás para a Europa, uma vez que “as turbinas, as bombas e os compressores que permitem fazer o abastecimento ao longo de vários quilómetros, precisam de uma manutenção preventiva, e às vezes corretiva“, sendo, por isso, “normal nestas alturas de menor consumo que se façam estas operações de manutenção que podem durar alguns dias ou semanas”. No entanto, ressalva que, nesta situação em particular, “não há motivo especial para durar mais do que os três dias previstos”.

Em termos de procura, se forem mesmo três dias, é gerível porque estamos a armazenar stocks, mas mais uma vez, invés de a Europa estar a armazenar para o inverno que é quando vai precisar de reservas, vai ter que recorrer a estes stocks [durante as interrupções]. Põe sempre alguma pressão, apesar de ser por pouco tempo

Professor Carlos Santos Silva, do Instituto Superior Técnico

Quanto aos impactos que pode ter nas reservas de gás para o inverno, Carlos Santos Silva sublinha que apesar da interrupção ser mais curta do que a primeira, “pode ter algum impacto, tal como teve nos preços“, que “começaram a subir assim que a decisão foi anunciada”. A 24 de agosto, o preço do gás natural na Europa ultrapassou os 300 euros por megawatt/hora (MWh), um máximo desde o recorde histórico registado no início de março, no início da invasão russa da Ucrânia.

Estamos a chegar a uma altura mais crítica. Estamos no fim do verão, tipicamente o consumo de gás costuma começar a crescer a seguir às férias. Aumenta a atividade industrial. Em termos de procura, se forem mesmo três dias, é gerível porque estamos a armazenar stocks, mas mais uma vez, invés de a Europa estar a armazenar para o inverno que é quando vai precisar de reservas, vai ter que recorrer a estes stocks [durante as interrupções]. Poe sempre alguma pressão, apesar de ser por pouco tempo”, argumenta o docente.

A nova suspensão do Nord Stream acontece um dia depois da União Europeia ter atingido os 80% de armazenamento de gás, dois meses antes da data limite prevista (1 de novembro). A meta seguinte é garantir reservas até 90% da capacidade antes dos períodos de inverno seguintes. Os 27 Estados-membros importam 90% do gás que consomem, sendo a Rússia responsável por cerca de 45% dessas importações, em níveis variáveis entre os Estados-membros. Em Portugal, o gás russo representou, em 2021, menos de 10% do total importado.

“Estão reunidas as condições” para gasoduto ibérico

Perante o risco de um fecho total à torneira do gás russo, renasceu o debate em torno do gasoduto que liga Portugal e Espanha à Europa, através da França. Desta vez, o tema foi trazido à esfera pública pela Alemanha que, face ao risco de sucessivos invernos instáveis, dado não haver fim à vista para a guerra na Ucrânia, estuda alternativas para colmatar as falhas provocadas pela Rússia.

Além da construção de terminais para a ‘regasificação’ de gás natural liquefeito (GNL) na costa alemã, que, segundo o ministro da Economia, poderão ser utilizados para a importação de hidrogénio, o governo de Sholz olha agora para o gasoduto ibérico como parte da resposta para concretizar a independência ao gás russo – ainda que a França continue a ser a principal opositora à obra, argumentando que “levaria anos” até a ligação ficar concluída.

Apesar de continuar a ser pouco viável uma interconexão entre a Península Ibérica e a Europa, através dos Pirinéus, Bruxelas coloca agora em cima da mesa uma solução alternativa: que o gasoduto passe por Itália.Acho que estão reunidos os contextos políticos para se avançar com um plano, pelo menos via Itália. É a forma mais clara de colmatar o acesso ao gás no espaço de um ano“, sublinha o professor Carlos Santos Silva.

Se só a infraestrutura seria suficiente para garantir a independência? “Não, nunca seria suficiente”, no entanto, seria “mais um passo para tal“. “A Alemanha recebe tanto gás da Rússia que seria muito difícil. Mas com a expansão deste gasoduto, mais a construção das centrais de gasificação em offshore, mais uma redução na procura, acho que para o ano a Alemanha já teria mais capacidade para ter um inverno mais calmo e com menos stress. Nunca vai ser uma substituição total, mas vai ser sempre uma das soluções para combater essa dependência da Rússia“, afirmou o responsável.

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