Da dívida pública de 280 mil milhões às obrigações verdes: 5 desafios do novo líder do IGCP
Vai gerir uma dívida pública de 280 mil milhões de euros e Medina deu-lhe a missão de tirar Portugal do grupo de países mais endividados. Miguel Martín inicia funções no IGCP a partir de hoje.
Foi a escolha de Fernando Medina para “tirar Portugal do grupo das economias com maior dívida pública na Europa”. Miguel Martín inicia esta quinta-feira funções de presidente do IGCP, a agência que gere a dívida pública. O ex-administrador da Ascendi sucede a Cristina Casalinho no cargo, sabendo que a tarefa que tem pela frente será tudo menos tranquila. Desde logo porque tem de gerir uma dívida pública de 280 mil milhões de euros num contexto de alta dos juros e inflação. Mas tem mais desafios à sua espera.
Gerir dívida pública de 280 mil milhões
No próximo mês, o IGCP vai ter de devolver um cheque de 8,4 mil milhões de euros aos investidores. A antecessora disse ao ECO em maio que a agência estava em “posição confortável” para pagar o empréstimo.
Portugal tem um calendário de reembolsos exigente nos próximos anos, que resulta sobretudo de ter uma elevada dívida pública. Os últimos dados do Banco de Portugal dão conta de 280 mil milhões de euros de endividamento público.
Também é ambicioso o plano do Governo para baixar a dívida nos próximos anos, sobretudo se atendermos ao atual momento mundial de alta inflação (que está a obrigar a novas medidas de apoio às famílias e empresas) e subida dos custos de financiamento. O rácio da dívida pública situa-se nos 126,7% do PIB.
O ministro Fernando Medina, que foi quem escolheu Miguel Martín para liderar o IGCP, quer tirar “Portugal do grupo de economias com maior dívida pública da Europa” e aponta para um rácio de perto de 100% em 2026.
Lidar com subida dos juros
Se Cristina Casalinho beneficiou de um longo período de taxas de juro baixas, em função das políticas ultra expansionistas do Banco Central Europeu (BCE), Miguel Martín terá de lidar agora com um contexto completamente diferente. O banco central está a apertar as condições financeiras na Zona Euro para travar a escalada da inflação. Já subiu as taxas de juro em 50 pontos base em julho e dentro de dias anunciará outra subida de 50 pontos ou mais.
Para os países com elevadas dívidas, a inversão da política monetária – ainda que rumo à sua normalização – não é uma boa notícia. Juro mais elevado significa que vai ter de pagar mais pelo serviço da dívida. Mas como Fernando Medina já teve oportunidade de sublinhar, o efeito não é imediato. Portugal ainda vai emitir dívida este ano com um custo inferior ao custo médio da dívida, o que significará que continuará a poupar. Mas a janela de oportunidade está a fechar-se rapidamente.
O trabalho de casa realizado por Cristina Casalinho na gestão ativa da dívida, através de operações de recompra antecipada, de troca de dívida e de alongamento dos prazos, ajuda nesta missão.
Aumentar confiança dos investidores
Miguel Martín chega ao IGCP com uma boa notícia: a DBRS acabou de elevar o rating de Portugal para o nível “A”, a melhor posição desde 2011, o ano do resgate da troika.
Mas o impacto desta decisão será limitado, como reconheceram os analistas ao ECO. Para o país tirar partido de melhores condições de financiamento, as outras agências de rating – as big three – também terão de aumentar a notação de risco. A Fitch e S&P dão nota BBB (perspetiva estável) e a Moody’s atribui Baa2 (perspetiva positiva) a Portugal, três níveis abaixo da notação que dá atualmente a DBRS.
Apresentar-se no mercado com um rating A reforça a confiança dos investidores na capacidade de um país, empresa ou banco reembolsarem o que lhes foi emprestado. A melhoria do rating não depende diretamente do que Miguel Martín fizer no IGCP, pois há indicadores económicos e políticos que são considerados pelas agências de notação de risco.
Fazer primeira emissão verde
Outra das missões de Miguel Martín: realizar a primeira emissão de dívida verde de Portugal. Várias empresas e bancos nacionais já realizaram operações de financiamento através da emissão de obrigações sustentáveis, que visam financiar projetos amigos do ambiente ou com preocupações sociais. Falta a República dar esse passo e o exemplo num mercado que já não é só uma moda, mas um modo de assegurar financiamento junto de uma cada vez maior granja de investidores.
Há algum tempo que o Governo está a olhar para este tema. O anterior secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, lembrou que o país vai precisar de “mil milhares de milhões de euros” até 2050 em investimento público e privado para ser neutro em carbono. “A maior dos investimentos será feito em infraestruturas, tecnologia e edifícios eficientes”, sublinhou. A guerra e o fim da dependência energética da Rússia veio acelerar este movimento.
Manter produtos do Estado atrativos para as famílias
Os últimos anos foram terríveis para os aforradores. A política do BCE praticamente eliminou os ganhos com poupança. O Estado teve um papel importante ao manter uma oferta de produtos de aforro com rendibilidades mais atrativas.
Com as taxas de juro a subir, o Estado poderá começar a sentir maior concorrência do mercado na captação de poupanças dos particulares. Os tradicionais certificados de aforro estão a ressurgir com a alta dos juros. Os certificados do Tesouro, ainda que as condições tenham piorado ao longo dos anos, continuam a ser um dos produtos mais populares. As Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV) poderão fazer um grande regresso, se Portugal sentir um grande aperto nos mercados de dívida.
Outro aspeto importante: a digitalização dos serviços do IGCP. Atualmente, os produtos são vendidos nos balcões dos CTT. A possibilidade de poder subscrever dívida do Estado a partir de casa poderá ser um trunfo para captar mais fundos junto dos particulares.
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