Alívio na inflação? Só a partir do próximo ano, preveem economistas

Os economistas apontam que a inflação deverá persistir elevada nos próximos meses, apesar do alívio em agosto. Quando vai a subida dos preços dar tréguas aos consumidores?

O panorama da inflação mudou de forma drástica no último ano. Se no verão do ano passado rondava os 1,8%, agora está nos 9%, provocando um rombo no bolso dos portugueses. A estimativa rápida do INE dá conta, no entanto, de uma ligeiríssima descida em agosto. Será que chegámos ao pico e a tendência vai inverter-se ou estamos perante uma mera pausa antes de uma nova subida?

As taxas de variação homólogas já vinham a subir desde o outono do ano passado, mas foi depois da guerra na Ucrânia que o paradigma se alterou por completo. A inflação acelerou até aos 9,1% em julho, o nível mais elevado desde novembro de 1992, há praticamente três décadas, puxada sobretudo pelos produtos energéticos e bens alimentares, os setores onde a oferta foi mais constrangida pelo conflito.

Os 9% indicados pela estimativa rápida do INE para agosto e a variação mensal de -0,3% alimentam a expectativa de que se esteja a atingir um pico e que a tendência se poderá inverter. Os economistas consultados pelo ECO consideram, no entanto, que o alívio ainda poderá demorar alguns meses.

A inflação deverá manter-se pressionada em torno dos valores atuais pelo menos até final do ano, inícios de 2023. Este comportamento deriva não só das perspetivas para os preços da energia como também dos alimentares, afetados pela seca e reduzidas colheitas”, aponta Paula Carvalho, economista-chefe do BPI.

“O abrandamento da inflação em termos homólogos foi muito ligeiro, de apenas 0,1 ponto percentual, e os efeitos de base vão continuar a ser pouco favoráveis nos próximos dois a três meses”, afirma também Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa.

É provável que a inflação esteja em redor do seu pico, mas pode permanecer elevada durante alguns meses mais, ainda por inércia de algumas classes, e muito dependente da evolução dos preços da energia.

Rui Constantino

Economista-chefe do Santander

É provável que a inflação esteja em redor do seu pico, mas pode permanecer elevada durante alguns meses mais, ainda por inércia de algumas classes, e muito dependente da evolução dos preços da energia”, considera Rui Constantino, economista-chefe do Santander. “Temos assistido a uma descida dos preços do petróleo, mas menor dos derivados (gasóleo e gasolina), enquanto os preços da eletricidade e gás natural ainda estão sujeitos a riscos relacionados com o fornecimento de gás russo, apesar da dependência marginal dessa fonte em Portugal”, acrescenta.

Gás natural, medidas do Governo e rendas

A energia promete continuar a puxar pela inflação. A partir de outubro entram em vigor aumentos significativos no gás natural. Na EDP, a fatura das famílias aumentará, em média, 30 euros, a que acrescem 5 a 7 euros em taxas e impostos. A Galp estima um agravamento de oito euros no segmento mais representativo de clientes (o terceiro este ano), sem impostos.

As cerca de 200 mil famílias que estão no mercado regulado (uma minoria entre os 1,2 milhões clientes domésticos) terão uma atualização de 3,9% em outubro, ainda assim mais suave do que no mercado liberalizado. O Governo vai, de resto, permitir que os clientes passem temporariamente para o regulado para atenuar o impacto.

Em termos mensais, o número que mais interessa para aferir a tendência, a variação foi negativa de -0,3%, (…) mas a aproximação do inverno e a crise energética na Europa, nomeadamente do gás natural, poderá reverter novamente esta tendência.

Paulo Rosa

Economista sénior do Banco Carregosa

“Em termos mensais, o número que mais interessa para aferir a tendência, a variação foi negativa de -0,3%, a beneficiar da queda dos preços do produtos energéticos de 4,93% em agosto, mas a aproximação do inverno e a crise energética na Europa, nomeadamente do gás natural, poderá reverter novamente esta tendência“, assinala Paulo Rosa.

Na eletricidade ainda poderá haver surpresas. A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) poderá realizar uma revisão extraordinária das tarifas reguladas da eletricidade para o quarto trimestre, de forma a refletir a subida do preço no mercado. Até 15 de outubro serão anunciadas as tarifas para 2023.

Este mês ficou também a saber-se que a partir de janeiro as rendas poderão ser atualizadas em 5,43%. Paula Carvalho considera, no entanto, que será “sobretudo um elemento de persistência pois esta é uma das rubricas tipicamente menos voláteis. O seu peso direto é moderado, 4,2% do Índice de Preços no Consumidor, segundo o INE”.

Existe ainda o receio de que as medidas que o Governo vai anunciar ou o próximo Orçamento do Estado contribuam para sustentar a inflação. É já na próxima segunda-feira que o Conselho de Ministros irá aprovar o pacote de apoio ao rendimento das famílias. A preocupação foi expressa pelo governador do Banco de Portugal na quinta-feira: “Volto a apelar para que não sejam promovidas medidas pró-cíclicas que depois possam vir a ser corrigidas com outras medidas”, avisou Mário Centeno, pedindo “paciência” em relação à inflação.

Se o Índice de Preços no Consumidor (IPC) total terá registado uma ligeiríssima descida em agosto (o valor definitivo só deverá ser conhecido no dia 12), o indicador de inflação subjacente, que excluiu produtos alimentares não transformados e energéticos, voltou a subir, atingindo os 6,5%. Um sinal de que a inflação continua a passar para outras categorias de bens e serviços. Temos assistido a fortes contributos dos transportes (por efeitos indiretos dos preços da energia), mas também no setor de restaurantes e hotéis, com a recuperação no turismo a refletir-se na subida de preços. Em julho (último mês com detalhes disponíveis) os preços nesta classe subiram 14,8% em termos homólogos, com um contributo de 1,2 pontos percentuais para a inflação”, assinala Rui Constantino.

Outro fator a ter em conta é a evolução dos salários. “Os assalariados têm sido dos mais penalizados e pretendem reposição do poder de compra, sendo provável nos restantes meses do ano negociações visíveis, pelo menos no setor público, entre sindicatos e patrões, pelo que uma subida dos salários será mais um custo acrescido para as empresas e a espiral inflação/salários é cada vez mais uma realidade”, destaca Paulo Rosa. “Sendo assim, é de esperar que a subida dos preços, que tem sido mais visível nos bens, se estenda também aos serviços que respondem pela maioria dos assalariados portugueses“, acrescenta.

O economista-chefe do Santander também refere “os riscos associados a efeitos de segunda ordem, como os decorrentes da evolução dos salários”.

Todavia, admitindo que os preços destas ‘commodities’ – sobretudo gás e petróleo – nos mercados internacionais registem pelo menos alguma estabilização em 2023, admitimos que será de antecipar uma redução mais expressiva da inflação em Portugal nos primeiros meses de 2023.

Paula Carvalho

Economista-chefe do BPI

Quando vai a subida dos preços dar tréguas aos consumidores?

Com a ressalva de que a guerra e os seus impactos são uma variável impossível de prever, os economistas acreditam que o próximo ano trará o tão desejado alívio na inflação.

“Existe uma incerteza significativa em relação ao comportamento futuro da inflação sobretudo pela incerteza e pressão que rodeia os fornecimentos de energia na Europa”, começa por assinalar Paula Carvalho. “Todavia, admitindo que os preços destas commodities – sobretudo gás e petróleo – nos mercados internacionais registem pelo menos alguma estabilização em 2023, admitimos que será de antecipar uma redução mais expressiva da inflação em Portugal nos primeiros meses de 2023“.

Em termos homólogos, os efeitos base começam a ter um contributo positivo mais visível a partir do início do próximo ano e poderemos assistir ao alívio a partir desta altura, mas sempre dependente da evolução da guerra na Ucrânia, diz também Paulo Rosa.

Rui Constantino atira o calendário mais para a frente. “Considerando a dinâmica sazonal dos preços, assim como a atual curva de futuros para o petróleo, a inflação deverá desacelerar de forma mais percetível a partir do segundo trimestre de 2023“, afirma o economista-chefe do Santander.

A travagem da atividade também contribuirá para estabilizar os preços. “Uma desaceleração económica, ou potencial recessão, abrandaria a procura e o seu reequilíbrio em relação à atual oferta mais escassa poderia refrear a inflação”, aponta Paulo Rosa. A subida dos juros pelo BCE, aumentando o preço do crédito, terá também esse impacto.

“A inflação aumenta sempre que a procura agregada seja superior à oferta agregada, sendo talvez a maior ineficiência económica”, sublinha o economista do Banco Carregosa. Pelas más razões, a procura terá tendência para diminuir nos próximos meses. A última projeção do Banco de Portugal, atualizada em junho, aponta para uma taxa média de 2,6% em 2023, bem abaixo dos 6,3% estimados para este ano.

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