Comissão propõe taxa de 33% sobre lucros extra nos combustíveis fósseis

Presidente da Comissão anunciou medidas para angariar 140 mil milhões para travar preços da energia na Europa. Pacote inclui taxa sobre os combustíveis fósseis e limite nos preços das renováveis.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou que o bloco europeu espera angariar 140 mil milhões de euros junto das empresas energéticas que entende estarem a beneficiar da crise na Europa. O pacote de medidas para o setor, conhecido esta quarta-feira, prevê um teto sobre os preços das renováveis, uma “contribuição temporária de solidariedade sobre os lucros excedentários” nos combustíveis fósseis e medidas de redução do consumo de eletricidade.

“A nossa proposta inclui os produtores de eletricidade com fonte fóssil, que terão de dar uma contribuição no âmbito da crise. Ao todo, a nossa proposta vai angariar mais de 140 mil milhões de euros para os Estados-membros acomodarem o golpe [com a crise energética]”, afirmou a presidente, no discurso do Estado da União Europeia, proferido esta quarta-feira no Parlamento Europeu.

Pouco depois, num esclarecimento publicado após o discurso, a Comissão explica que a contribuição solidária temporária, baseada nos lucros excessivos obtidos no ano fiscal de 2022 pelas empresas de petróleo, gás, carvão e refinação, deverá contribuir com 25 mil milhões para o “bolo” total. Somam-se 117 mil milhões obtidos através do limite temporário das receitas dos produtores inframarginais (por regra, os produtores de energia renovável), numa base anual.

Renováveis com limite de 180 euros/MWh e combustíveis fósseis com taxa de 33%

Para a líder europeia, “o atual desenho de mercado, que se baseia numa ordem de mérito, já não serve o seu propósito, já não é justo para os consumidores“, já que estes deveriam colher os benefícios das energias produzidas a baixo custo, como as renováveis. Nesse sentido, pretende “fazer uma reforma profunda e abrangente do mercado de eletricidade” e desvincular os preços da “influência dominante” do gás.

Em detalhe, a Comissão propõe um teto nas receitas das empresas que produzem eletricidade a baixo custo — tipicamente, os produtores renováveis –, que “estão a ter receitas com que nunca sonharam”, disse a responsável. Von der Leyen afirmou que “os lucros são positivos”, mas defendeu que, neste caso, estão a ser obtidos à custa do sacrifício dos consumidores e em benefício de uma situação de guerra. “Devem ser partilhados com aqueles que mais precisam”, indicou.

Concretamente, a Comissão quer aplicar um teto de 180 euros/MWh (megawatt-hora) sobre as receitas obtidas com a energia produzida, entendendo que este limite “ainda assegura um retorno do investimento razoável” aos produtores afetados, já que receberam “largos ganhos financeiros inesperados” nos últimos meses. O limite deverá vigorar até 31 de março de 2023, e aplica-se quer a negociação decorra em mercados organizados ou bilateralmente.

“Os Estados membros são encorajados, em espírito de solidariedade, a firmamrem acordos bilaterais para partilharem parte das receitas colhidas pelo Estado produtor em benefício dos consumidores de Estados membros com baixa geração de eletricidade”, lê-se ainda na mesma comunicação.

Já a contribuição solidária será aplicada pelos Estados-membros tendo por base os lucros de 2022 que fiquem 20% acima da média dos três anos anteriores. A taxa será de, “pelo menos, 33%”, indica a Comissão num comunicado.

Os valores colhidos serão usados para apoiar famílias e empresas, nomeadamente os negócios cuja atividade é intensiva no consumo de eletricidade. No entanto, também pode ser canalizados para ajudar à redução do consumo de energia ou a promover investimentos em renováveis por parte dos consumidores finais.

Reduções do consumo na mira

Na proposta detalhada, a Comissão define que os Estados membros deverão implementar medidas para baixar o consumo de eletricidade em pelo menos 10% até 31 de março de 2023. Já no que toca ao objetivo de baixar o consumo nas horas de pico, ou seja de maior procura – nas quais, geralmente, é o gás a marcar o preço e portanto a eletricidade sai mais cara – a Comissão quer impor uma redução de pelo menos 5% no consumo de eletricidade. As horas selecionadas representaram pelo menos 10% das horas de cada mês, nas quais se espera que os preços sejam mais elevados, o que se traduz em 3 a 4 horas diárias. O Executivo comunitário calcula que estas medidas permitam uma redução de 4% no uso de gás para produzir eletricidade durante o inverno.

Medidas mais ambiciosas serão aceites

De acordo com Von der Leyen, os preços da energia na Europa aumentaram mais de dez vezes face ao período pré-pandemia, com a Rússia, ainda hoje, “a manipular ativamente o mercado europeu”, ao mesmo tempo que a crise climática pesa também nos preços. “O mercado já não está a funcionar”, alertou.

No esclarecimento posterior ao discurso, está escrito que “os Estados membros têm o direito de introduzir medidas mais ambiciosas tanto em termos de redução de procura como de limitação de receitas dos produtores de eletricidade, desde que sejam proporcionais, não distorçam o funcionamento dos mercados grossistas da eletricidade, e não prejudiquem os sinais de investimento”.

Tetos no gás e compras conjuntas

Quanto aos preços do gás, o plano é criar um grupo de trabalho que faça uma proposta para os baixar “de forma sensata”. Vão estar sob análise “as melhores formas de colocar um teto nos preços do gás” e a hipótese de assinar acordos de preços baixos com fornecedores através de compras conjuntas voluntárias, acrescenta a Comissão no comunicado. Em paralelo, a presidente mencionou que vai ser desenvolvido em parceria com os Estados membros um conjunto de medidas para favorecer fornecedores de confiança, como a Nigéria, por oposição à Rússia.

Também este mercado está a falhar, na ótica da presidente, nomeadamente no que diz respeito ao contrato de gás de referência, o holandês TTF, que “não se adaptou” ao atual contexto energético. “Vamos trabalhar em estabelecer uma referência mais representativa para a negociação que reflita realmente as mudanças no mercado“, explicou Von der Leyen.

Olhando às dificuldades que as empresas energéticas europeias estão a enfrentar, Ursula von der Leyen acrescentou que a Comissão quer mudar as regras no que diz respeito aos colaterais que lhes são exigidos e também controlar a volatilidade no preço intradiário. Em outubro, o enquadramento que permite auxílios estatais vai ser emendado de forma a permitir novas ajudas da parte dos Estados membros, ao mesmo tempo que se pretende manter um mercado justo ao nível da concorrência.

Estas declarações foram feitas no âmbito do debate sobre o Estado da União Europeia, um discurso onde está em foco a solidariedade da UE com a Ucrânia e as sanções à Rússia e, em paralelo, as medidas para garantir o abastecimento energético da UE e reduzir a dependência dos combustíveis fósseis russos, bem como os atuais picos de preços de energia.

Espera-se concretização em dezembro

O objetivo é que a Comissão Europeia consiga aprovar e pôr em vigor um conjunto de medidas de emergência para combater os preços da eletricidade até 1 de dezembro deste ano, e mantê-las pelo menos até 31 de março de 2023. Estas serão alvo de nova avaliação a 28 de fevereiro do próximo ano. As contribuições solidárias serão aplicadas durante um ano desde o momento da sua aplicação, e também estarão sujeitas a reavaliação, mas a 15 de outubro do ano que vem.

Para já, a proposta da Comissão terá de ser aprovada pelo Conselho Europeu, com maioria de voto, e o compromisso é o de acelerar ao máximo os procedimentos.

(Notícia atualizada às 15h00 com mais informação)

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