“Contratar pessoas de outros países é um desafio, mas não há grande alternativa”, diz Pedro Moura

O CMO da Landing.Jobs antecipa uma maior diversidade nas equipas das tecnológicas, tanto cultural como cognitiva, e uma mudança para um paradigma mais orientado a resultados e menos ao presencialismo.

Há duas formas de olhar para a globalização do trabalho tecnológico: “como uma ameaça” — a perspetiva que assumem empresas mais conservadoras e avessas ao risco — ou “como uma oportunidade”, de melhorar, resolver problemas estruturais e, sobretudo, de fazer com que as lideranças evoluam. Neste novo mundo, a competição pelo talento é, agora, global e mais desafiante do que nunca, tornando-se difícil competir com os salários praticados em Londres ou nos Estados Unidos, mas a pool de talentos é também mais alargada do que nunca.

Recrutar o talento em qualquer ponto do globo, mais do que uma possibilidade, Pedro Moura considera que vai ser mesmo uma necessidade. “Contratar pessoas de outros países e culturas é, naturalmente, um desafio. Mas, com a escassez de profissionais de tecnologia local a aumentar, diria que não há grande alternativa. Mais uma vez, o papel dos líderes das organizações é fundamental para estas mudanças”, defende o chief marketing officer (CMO) da Landing.Jobs, em entrevista à Pessoas, na semana em que se realiza o Future.Works Lisbon 22, a 7 e 8 de outubro, no Centro de Congressos de Lisboa.

O evento vai ser, a 8 de outubro, palco da assinatura do protocolo para o arranque do Portugal Tech Hub, projeto que promover Portugal para atrair empresas e talento tecnológico estrangeiro. “Portugal tem tudo para ser um tech hub de topo a nível internacional, sendo fundamental trabalharmos todos mais em conjunto para aproveitarmos esta oportunidade”, salienta. “O objetivo de atrair 40.000 profissionais de tecnologia estrangeiros até 2030 e reforçar a opção de empresas de fora de investirem na criação de centros de tecnologia em Portugal.”

Sete em cada dez profissionais tech querem mudar de emprego, e os que trabalham em modelos 100% presenciais serão os primeiros a sair. Oferecer modelos de trabalho mais flexíveis, remotos ou híbridos, vai ser inevitável no setor?

Não penso que vá ser: já é. Não sou um fundamentalista do trabalho 100% remoto, pois por muitas vantagens que tenha, cria também um conjunto de dificuldades ao nível das equipas. Advogo sobretudo uma abordagem de flexibilidade e de escolha. As empresas e os profissionais de tecnologia devem optar pelas metodologias de trabalho que tenham mais a ver com eles, sejam 100% escritório, híbrido ou 100% remoto. Não há um one size fits all.

Naturalmente, num cenário pós-pandemia, a esmagadora maioria dos profissionais de tecnologia (cerca de 95% de acordo com o nosso último relatório) vai exigir modelos híbridos ou remotos. As empresas que não os disponibilizarem vão ter uma enorme dificuldade em suprir as suas necessidades de recrutamento tecnológico.

Se, por um lado, a competição pelo talento é, agora, à escala mundial, por outro lado, há uma aldeia global onde se pode recrutar. Qual dos pratos mais pesa na balança?

Tudo. A pandemia tornou realidade aquilo que na Landing.Jobs denominamos de globalização do trabalho tecnológico. Este paradigma é caracterizado por uma maior flexibilidade e fluidez dos fluxos de trabalho entre diferentes regiões do planeta, seja trabalho remoto além-fronteiras, seja mesmo realocação de pessoas entre países / continentes diferentes. Como em tudo, os profissionais de tecnologia e as empresas que se conseguirem adaptar melhor a este mundo conseguirão ter mais vantagens competitivas.

Para dar o exemplo, em 2022 cerca de 19% dos profissionais de tecnologia residentes em Portugal trabalham já remotamente para empresas noutros países (sobretudo Estados Unidos). Na prática estas empresas estrangeiras, com o estabelecimento do trabalho remoto e a adoção de uma lógica de equipas distribuídas, descobriram que conseguiam ter acesso a uma pool de talento em Portugal altamente qualificado, com um excelente inglês, e com um custo muito atrativo.

Para o talento tecnológico português, a perspetiva de ganhar mais 50% a 100% do seu ordenado trabalhando para empresas estrangeiras, continuando a residir em Portugal, é extremamente atrativa. Tudo isto acentua a falta de profissionais de tecnologia para trabalhar para empresas em Portugal.

Para o talento tecnológico português, a perspetiva de ganhar mais 50% a 100% do seu ordenado trabalhando para empresas estrangeiras, continuando a residir em Portugal, é extremamente atrativa. Tudo isto acentua a falta de profissionais de tecnologia para trabalhar para empresas em Portugal. E o que vão fazer agora estas empresas? Continuar a recrutar só talento local, cada vez mais escasso, ou aderir a esta globalização de trabalho tecnológico e começar a recrutar noutras regiões como América do Sul, África, Médio Oriente, Europa de Leste ou Ásia? Este é um dos principais desafios que se colocam às empresas em Portugal.

Como é que se consegue competir com os ordenados pagos no Reino Unido, por exemplo? É uma batalha assumidamente perdida?

Não, há sempre opções. A mais óbvia passa por elevar os ordenados dos profissionais de tecnologia em Portugal. Eu sou engenheiro informático, e quando saí do Técnico, em 2000, o meu primeiro ordenado foram cerca de 1.100 euros líquidos. Com algumas variações, há um ano, o primeiro ordenado de um profissional de tecnologia saído da universidade era semelhante. Algo está errado aqui.

Outro vetor de ataque a este problema é ter a noção que nem só de salário vivem os profissionais de tecnologia. As empresas têm de investir e melhorar na gestão das pessoas ao nível dos desafios, da evolução na carreira, da cultura e ambiente de trabalho, do sentimento de pertença à equipa. As lideranças têm muito a evoluir.

Por fim, olharem para esta globalização de trabalho tecnológico como uma oportunidade e não uma ameaça é fundamental. Infelizmente, muitas empresas portuguesas, sobretudo as mais antigas, tendem a ser muito conservadoras e avessas ao risco. E contratar pessoas de outros países e culturas é naturalmente um desafio. Mas, com a escassez de profissionais de tecnologia local a aumentar, diria que não há grande alternativa. Mais uma vez, o papel dos líderes das organizações é fundamental para estas mudanças.

Além de culturalmente diversas, podemos esperar que as equipas das tecnológicas sejam cada vez mais diversas no que toca às áreas de formação e backgrounds, juntando cada vez mais aos engenheiros talentos de outras áreas?

De acordo com a minha experiência pessoal, esse deveria ser um objetivo. A complementaridade de saberes e perspetivas gera sempre melhores produtos, serviços e resultados. Mas é necessária gestão, pois uma orquestra não se faz sem um maestro.

Em Portugal penso termos muito a aprender com as empresas e talento estrangeiros, sobretudo as habituadas a mercados maiores e mais competitivos.

Mais que a semana de 40 horas, 32 horas ou outras configurações, penso que o mais importante para as empresas e os profissionais é mudar do paradigma industrial, do homem/hora, do ‘relógio de ponto’, para um paradigma mais flexível, mais orientado a resultados e menos a um presencialismo forçado e conducente ao desperdício de tempo.

E a manutenção da semana de 40 horas? Estamos prestes a assistir também a uma mudança mais generalizada entre as empresas nesse sentido?

Mais que a semana de 40 horas, 32 horas ou outras configurações, penso que o mais importante para as empresas e os profissionais é mudar do paradigma industrial, do homem/hora, do ‘relógio de ponto’, para um paradigma mais flexível, mais orientado a resultados e menos a um presencialismo forçado e conducente ao desperdício de tempo.

Esta questão tem de ser abordada de forma diferente em áreas diferentes (por exemplo indústria, hotelaria, etc). Mas nas indústrias criativas e de informação há todas as condições, com melhorias na gestão e organização, para se conseguir fazer pelo menos o mesmo com menos esforço ao nível de horas.

Em termos muito práticos, prevejo que as empresas utilizarão cada vez mais oferta de semanas de quatro dias de trabalho para serem mais atrativas para o talento tecnológico.

Vão apresentar o Portugal Tech Hub no evento. Em que consiste este projeto? Quais as metas a alcançar?

O Portugal Tech Hub é uma associação de entidades públicas e privadas com o objetivo principal de promover o nosso país como um Tech Hub de topo a nível internacional. Pretende-se trabalhar em conjunto para atingir o objetivo de atrair 40.000 profissionais de tecnologia estrangeiros até 2030 e reforçar a opção de empresas de fora de investirem na criação de centros de tecnologia em Portugal.

Neste momento de lançamento, esta iniciativa conta já com 25 entidades, entre instituições governamentais, autarquias, parques de ciência e tecnologia e empresas privadas de diversas áreas. Os parceiros fundadores desta iniciativa são a AICEP, IAPMEI, Invest Lisboa, InvestPorto, Landing.Jobs e Startup Portugal.

Portugal tem tudo para ser um tech hub de topo a nível internacional, sendo fundamental trabalharmos todos mais em conjunto para aproveitarmos esta oportunidade.

Criámos a marca Portugal Tech Hub, vamos ter um site, um livro com conteúdo para talento e empresas estrangeiras, e, sobretudo, vamos estimular os parceiros deste projeto a trabalharem juntos, criando sinergias e iniciativas que levem a melhores resultados. Portugal tem tudo para ser um tech hub de topo a nível internacional, sendo fundamental trabalharmos todos mais em conjunto para aproveitarmos esta oportunidade.

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