O head of talent & marketing da Landing.jobs considera que a atual noção de trabalho precisa de mudar e considerar soluções inovadores, como é o caso do RBI.
Adaptação, flexibilidade e não conformismo é o conjunto chave para preparar a carreira do futuro. Pedro Moura, head of talent & marketing da Landing.Jobs, defende que é preciso questionar paradigmas antigos e considerar ideias de futuro, como é o caso do Rendimento Básico Incondicional (RBI), que pode permitir não optar por um trabalho assalariado.
É precisamente a atual noção de trabalho que Pedro Moura afirma que tem de mudar. “A minha inclinação política é no sentido de haver uma vida cada vez menos ocupada por trabalho forçado, ou seja, assalariado, e cada vez mais por trabalho no sentido mais vasto. No limite, considero que uma pessoa que queira ficar em casa a escrever poemas é uma forma de trabalho”, afirma.
Ao mesmo tempo que traz ideias de futuro para a discussão, o head of talent & marketing da Landing.jobs admite, também, que estas mudanças trazem disrupções enormes e que a maioria das pessoas não reage bem à mudança. “Digamos que há um ludita dentro de cada um de nós”, diz, explicando que o ludismo foi um movimento de trabalhadores ingleses que, nos primórdios da Revolução Industrial, se notabilizaram pela destruição das máquinas como forma de protesto. Esses trabalhadores — chamados luditas — consideravam que as máquinas eram usadas de forma fraudulenta e enganosa para contornar práticas laborais consolidadas pela tradição.
O mercado de trabalho já estava a fazer a sua transformação digital. A pandemia mundial veio acelerar o ritmo da transformação?
Ao longo da história da humanidade, a tecnologia ou as várias tecnologias que foram aparecendo foram sempre grandes motivos de pressão e de mudança daquilo que é considerado o trabalho. Hoje em dia, aquilo que estamos a observar é, para mim, um repetir de um padrão histórico, em larga escala, do que sempre aconteceu na vida da humanidade. Estamos a ser pressionados a adotar mais ou acelerar mais a adoção de tecnologia, mas o que está a acontecer com a Covid-19 é apenas uma força que se veio acrescentar a outras que já existiam antes desta pandemia.
A velocidade com que o mundo está a mudar, e o mercado de trabalho em específico, trazem também desigualdades?
A desigualdade faz parte de qualquer processo em que há destruição para haver criação. O que, muitas vezes, a tecnologia faz, nomeadamente quando são tecnologias mais disruptivas como, por exemplo, o caso da digitalização, é pôr em causa um conjunto de ocupações, de modos de vida e de culturas, que, no limite, são destruídas.
Nos últimos anos, temos vindo a observar que a concentração de riqueza — não só devido à tecnologia, mas muito por causa daquilo que a tecnologia permite — está a acontecer cada vez mais. Há mais capital/rendimento concentrado na mão de poucos e começa a haver ou uma estagnação ou mesmo degradação de rendimento e de acesso a trabalho e a rendimento por parte de segmentos muito vastos da população. Mas, o papel das desigualdades também é motivar as próprias pessoas a adaptarem-se.
Contudo, haverá sempre pessoas que vão sentir muita dificuldade em fazer essa adaptação…
Sim e daí o outro lado da equação, que é o Estado, no sentido de servir de amortecedor e até de facilitador de transições quando estas mudanças se dão e, sobretudo, quando se dão numa perspetiva mais acelerada. A desigualdade deve ser combatida, não no sentido de impedir o avanço tecnológico, mas de mitigar os riscos que acontecem com o avanço tecnológico.
Poderá o Rendimento Básico Incondicional ser a chave para menos desigualdade, estagnação e segregação social?
O RBI é uma ideia de futuro que tem de ser discutida e que pode ser considerada. Há coisas que são óbvias. A tecnologia veio mudar a estrutura do trabalho, sempre foi assim. Há pessoas que advogam (eu sou uma delas) que a pressão tecnológica crescente e a automatização crescente que vem dessa pressão tecnológica vão diminuir as necessidades humanas de trabalho.
Grande parte do trabalho, ao ser feito por máquinas, leva, sim, ao aparecimento de profissões emergentes, mas eu acredito que coisas como a manutenção de uma semana de 40 horas de trabalho vão ser cada vez mais difíceis. Para dar um exemplo, o número de horas trabalhadas por ano em Portugal é 1.700 horas, enquanto na Alemanha é 1.300 horas. E, atenção, 350 horas são dois meses de trabalho normal. Porque é que isto acontece? Porque a Alemanha, obviamente, tem uma sociedade que, do ponto de vista da automação, estrutura social e proposta de valor, está muito mais à frente do que a nossa.
Vai deixar de haver uma necessidade de tanto esforço humano para o trabalho, o que cria um problema. Das duas uma: ou se diminui o número de pessoas que trabalha de forma assalariada, ou se reduz o tempo de trabalho médio para toda a gente. Contudo, temos de perceber que estas mudanças trazem disrupções muito grandes e que a maior parte das pessoas, à partida, está contra a mudança. Digamos que há um ludita dentro de cada um de nós.
Eu acredito que o RBI, mais do que ser uma medida que permite melhorar a vida das pessoas, é um definir de um patamar mínimo para que toda a gente possa, não só constar em intervalos de trabalho, como — e aqui estamos a falar de futuro — optar por não ter um trabalho assalariado como nós consideramos.
Isso implicaria uma mudança da noção de trabalho que temos hoje?
Implicaria uma mudança de um paradigma base que está completamente instalado na sociedade. Quando falamos de trabalho, falamos de trabalho assalariado, mas há muito trabalho que é feito por muitas pessoas com contribuição positiva para a sociedade que não é trabalho remunerado. Estou a falar de pais, prestadores de cuidados de saúde, voluntariado, muitas vezes até de artistas… A noção de trabalho assalariado não vai desaparecer, mas vai perder progressivamente importância.
A noção de trabalho assalariado não vai desaparecer, mas vai perder progressivamente importância.
A minha inclinação política é no sentido de haver uma vida cada vez menos ocupada por trabalho forçado, ou seja, assalariado, e cada vez mais por trabalho no sentido mais vasto. No limite, considero que uma pessoa que queira ficar em casa a escrever poemas é uma forma de trabalho. O trabalho não é só o que mete o pão na mesa, também é, enquanto humanos, realizar aquilo que nos dá satisfação, realização e significado à vida.
Curiosamente, quando se fala nisto, as pessoas que mais se queixam do seu trabalho são as primeiras a dizer que essas pessoas [que optam por não ter um trabalho assalariado] iam ser uns malandros. Isto é um bocado paradoxal. Eu costumo dizer que é como o escravo que quando lhe dão a liberdade, diz que quer ficar como escravo. E ainda diz que os que aceitam a liberdade são uns malandros. Claro que estamos a falar de coisas que culturalmente estão brutalmente enraizadas na psique coletiva de toda a sociedade, e não só de Portugal, mas de todo o mundo praticamente.
Outra tendência do futuro do trabalho é a semana de trabalho de quatro dias, associada pelos que a defendem ao aumento da eficiência e da produtividade. É uma prática difícil de implementar em Portugal?
Eu trabalhei quatro dias por semana durante muito tempo, sou uma cobaia viva disso. Posso dizer que quando passei de trabalhar quatro dias para cinco dias senti a minha produtividade diminuir brutalmente. A questão da semana de quatro dias, ou de três dias ou do que seja, enquadra-se na redução — que, por enquanto, devia ser opcional, mas no futuro vai ser quase mandatória — do tempo de trabalho humano, de trabalho assalariado.
Os trabalhos vão, cada vez menos, exigir que as pessoas tenham horário fixo e sincronicidade diária que, como nós sabemos, cria problemas enormes, quer ao nível do trânsito, ao nível ambiental, ao nível de custos, de deslocação, de perda de qualidade de vida… Portanto, é uma coisa que devia ser encarada como muito natural.
Fala-se muito de custo por hora, mas cada vez menos isso é real, é uma herança do passado.
O desligar da noção de tempo da noção de produção é outro dos paradigmas que tem de mudar. Fala-se muito de custo por hora, mas cada vez menos isso é real, é uma herança do passado. Enquanto continuarmos a pensar que é assim porque já era assim e não colocarmos em questão paradigmas básicos, não evoluímos enquanto sociedade e enquanto pessoas. Não consigo compreender quando uma pessoa diz que se tem de trabalhar cinco dias por semana. Também houve uma altura em que se trabalhava sete dias por semana. Porque é que cinco dias são melhores do que sete e são piores do que três? Parece que são vacas de paradigmas sagradas que não se podem questionar, mas temos de questionar.
Tendo em conta o atual contexto de trabalho remoto, quais são os principais desafios que as empresas têm pela frente?
As empresas tinham algumas políticas de trabalho remoto, mas do género um dia por semana. Isso mudou. Agora a norma é não ir ao escritório mas poder ir ao escritório, enquanto que antes era ir ao escritório mas poder não ir ao escritório. Isto está para mudar e é uma coisa que as pessoas — nomeadamente quem trabalha em Tecnologias de Informação — vão, cada vez mais, valorizar na hora de escolher um trabalho. É um fator de atração de talento que ganhou uma importância que antes não tinha.
Também as próprias estruturas de gestão das empresas, gestores e os líderes, têm de se adaptar a conseguir gerir uma empresa com profissionais das Tecnologias de Informação neste setup. Ainda há, infelizmente, muitas pessoas que não conseguem ter subordinados sem estarem à vista. Há um nível de confiança e autonomia muito baixo e isto leva a que se tenha de aprender a confiar nas pessoas, a dar-lhes autonomia e a conseguir criar, sobretudo, uma cultura de responsabilidade das pessoas relativamente ao trabalho que é feito. E isto implica, pelo menos na nossa cultura, uma mudança enorme.
Já as próprias equipas têm de aprender a trabalhar à distância. Passar o dia inteiro no Zoom não é solução. Isso cria um burnout brutal. Uma cultura mais assíncrona e baseada em linguagem escrita é fundamental para as empresas que efetivamente queiram aproveitar para melhorar a produtividade.
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Pedro Moura, da Landing.jobs: “Coisas como manutenção de uma semana de 40 horas de trabalho vão ser cada vez mais difíceis”
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