UTAO diz que “é insano pretender que a política orçamental seja a salvadora de todos”
Rui Nuno Baleiras defende que a política orçamental não pode anular o efeito da política monetária. Apoios devem ser direcionados às famílias com menores rendimentos.
O coordenador da UTAO defende a relativização da inflação, sobre a qual diz existir uma “enorme histeria”, considerando que os apoios se devem concentrar nas famílias com menores rendimentos e apela para que se deixem os preços relativos funcionarem. Em entrevista à Lusa, Rui Nuno Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), defende que a política orçamental não pode anular o efeito da política monetária, sob pena de agravar as condições futuras.
“Seria uma loucura querermos fazer em Portugal o que o Governo do Reino Unido está a fazer e já se está a perceber o caos em que se meteram. É completamente insano pretender que a política orçamental seja a salvadora de todos”, disse.
Para o coordenador dos técnicos que dão apoio aos deputados, “o Estado não pode ser o salvador de toda a gente”. “O Estado tem de garantir patamares mínimos aceitáveis de coesão social, concentrar os seus apoios redistributivos nas famílias com menores recursos, mas deixar o resto pulsar e responder aos estímulos que preços relativos mais altos criam, provocando a substituição de comportamentos”, sublinha.
Rui Nuno Baleiras afirma existir “uma enorme histeria no discurso público sobre inflação”, deixando o apelo: “Temos de relativizar o problema da inflação e reduzi-lo à sua verdadeira escala”.
Para o responsável da UTAO, o combate a este fenómeno passa, por um lado, por as empresas e consumidores alterarem comportamentos, no sentido de substituírem produtos que ficaram relativamente mais caros por outros alternativos.
“Isso só em si permite reduzir os custos que a inflação sem alteração de comportamentos provoca. E é por isso que é importante deixar os preços relativos funcionarem, porque senão as empresas e consumidores não vão fazer a substituição que se impõe. Essa substituição leva a prazo à descida os preços que ficaram mais caros porque os respetivos produtores vão ter menos procura”, aponta.
Neste sentido, considera que tetos, por exemplo, nos preços da energia não são a estratégia mais eficaz. “Em Portugal, infelizmente, não sabemos fazer regulação económica de preços nestas condições e parece que a nível europeu também não. Passar o sinal de que não devemos continuar a apostar nas energias renováveis é um mau sinal”, considera, apontando como alternativas incentivar a formação de contratos de fornecimento de longo prazo.
Por outro lado, identifica a política monetária como “a única política económica capaz de atuar um pouco sobre as causas da inflação”. É precisamente a política adotada pelos bancos centrais – acreditando que o Banco Central Europeu deveria ter adotado uma postura mais agressiva -, com consequências para a contração da procura, com a subida dos juros, que diz que irá “causar dor”. “Vai causar dor às famílias, vai causar dor também às empresas que terão maior dificuldade em vender, mas esta dor infelizmente é uma dor inevitável”, vinca.
Perante estas circunstâncias, “a política orçamental deve concentrar os apoios possíveis em apoios diretos ao rendimento das famílias mais carenciadas economicamente”. “Não pode cair na tentação de o Estado anular completamente a contração da despesa agregada que os bancos centrais vão impor”, assinala, porque as consequências seriam não só a manutenção da subida de preços durante mais tempo, como os Estados, “através dessa política orçamental irresponsável”, acumularem dívida e “criar problemas no futuro”.
Neste sentido, diz, “as contas certas não são um objetivo, são uma restrição a ter em conta”. “O que devemos é assegurar que as escolhas políticas que o Governo e o Parlamento vierem a fazer em matéria de Orçamento do Estado para 2023 mantenham a credibilidade internacional do país de que está comprometido com a redução do peso da dívida pública no PIB”, vinca.
Há “oportunidade de ouro” para mudar forma “hipócrita” como se fazem OE
O coordenador da UTAO considera haver resistência da classe política ativa em reformar o processo legislativo dos Orçamentos, mas acredita que a maioria absoluta é uma “oportunidade de ouro” para o fazer. “Da classe política ativa, infelizmente, não encontrei ainda sinais de interesse em discutir estes problemas estruturais no modo como preparamos as propostas de Orçamento do Estado e o modo como são negociadas e votadas na Assembleia da República”, disse Rui Nuno Baleiras, sobre o relatório apresentado no Parlamento, em março, sobre a reforma do processo legislativo do orçamento.
Ainda assim, considera que “nesta legislatura, que é uma legislatura de ouro por ter uma maioria absoluta e que nasceu de uma dissolução abrupta da legislatura anterior causada por alguns dos problemas identificados” no relatório da UTAO, nomeadamente cavaleiros orçamentais, tem ainda a “esperança de que há uma oportunidade de ouro para mudar este modo como realizamos de forma hipócrita os Orçamentos do Estado”.
Para Rui Nuno Baleiras, existem três razões que dificultam o debate sobre a reforma do processo legislativo orçamental. A primeira, aponta, é que tal implicaria “reformar uma parte do Parlamento português” e as instituições “dificilmente se reformam por dentro”.
Em segundo lugar, a forma como os deputados são avaliados. “Há um pouco o hábito do desempenho de os deputados na Assembleia da República serem avaliados em termos de prestações quantitativas e onde a qualidade está ausente”, considera, exemplificando que se dá primazia ao número de intervenções em plenário, ao número de petições ou ao número de propostas de alteração à proposta de Orçamento do Estado. “Poder uma bancada apresentar 200 ou 300 propostas de alteração todos os anos dá muitos pontos para avaliação interna”, assinala.
Em terceiro lugar, identifica, “alguns partidos que utilizam o palco mediático que agora vai começar, sobretudo depois de se iniciar o debate na especialidade, em querer capitalizar esse palco mediático para ações públicas nos meses seguintes”.
O processo tem consequências penalizadoras, avalia, apontando que o Orçamento aprovado na votação final global pela Assembleia da República “sem que as 100/200/300 alterações que o Parlamento introduziu estejam refletidas no Orçamento”.
“A verdade é que aprovamos uma lei do Orçamento todos os anos em que as peças não casam umas com as outras. As medidas de política que lá estão embutidas e que foram acrescentadas na última semana de votações foram-no sem que se alterassem os mapas contabilísticos”, afirma, salientando que “se essas medidas levam a um acréscimo de despesa ou diminuição de receita não temos a certeza – ninguém tem, nem o Ministério das Finanças -, de que haverá cobertura no Orçamento aprovado para as executa”.
Um défice acima do esperado só não ocorre, diz, porque os governos introduzem “medidas de racionamento na tesouraria da administração central durante a execução orçamental”, que “fazem com que muitas medidas que as oposições conseguiram fazer aprovar nem sequer são executadas”.
“O próprio funcionamento dos serviços públicos fica muito prejudicado, por causa de certas normas que são introduzidas na Lei do Orçamento e depois densificadas meses depois no decreto-lei de execução orçamental e que fazem com que os gestores das direções-gerais e empresas públicas não tenham a autonomia para executar o Orçamento”, remata.
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