“Navegação orçamental à vista é um regresso perigoso ao passado”, avisa UTAO

A entidade que apoia os deputados alerta para as consequências das recentes alterações à lei orçamental e deixa avisos ao Governo PS de maioria absoluta.

O relatório é sobre o Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) que está em discussão no Parlamento, mas a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) aproveitou-o para criticar as alterações recentes à lei orçamental. Tecendo duras críticas sobre as mudanças aprovadas pelo PS, a entidade que apoia os deputados avisa que uma “navegação orçamental à vista (…) é um regresso perigoso ao passado”. Na prática, a UTAO considera que os decisores políticos estão a “relaxar” a gestão das finanças públicas.

O principal argumento da UTAO, no relatório a que o ECO teve acesso, é que a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), que é a “trave-mestra” do processo orçamental, tem vindo a ser desrespeitado e agora, num processo legislativo no Parlamento quando o OE2022 já tinha sido entregue, o PS (maioria absoluta) viabilizou a proposta do Governo e propostas de outros partidos que desvirtuam os princípios dessa lei.

“Por acordo entre o Governo e vários partidos políticos, a AR acabou em 22 de abril de 2022 com os alicerces estratégicos da política orçamental“, concluem os técnicos da UTAO, afirmando que as alterações eliminaram a “restrição plurianual sobre as leis orçamentais anuais”. Previamente, tanto a UTAO como o Conselho das Finanças Públicas já tinham criticado o anterior Governo pelo Programa de Estabilidade — em políticas invariantes e sem visão de longo prazo — que foi apresentado antes da tomada de posse do novo Executivo.

Em suma, “para nada de substantivo passam a servir o Programa de Estabilidade e o Quadro Plurianual das Despesas Públicas, uma vez que os instrumentos de programação de médio prazo perderam o papel disciplinador da visão de curto prazo, visão esta que passa a dominar por inteiro a feitura das POE e das Propostas de Alteração às mesmas que venham a ser aprovadas em sede do processo legislativo orçamental anual”, explicam.

Na realidade, tal acaba por consumar a lógica que se tem vindo a registar nos últimos anos, mesmo com a LEO em vigor. A UTAO admite que “atos sucessivos praticados pelo Governo e pela Assembleia da República ao longo de muitos anos têm, na prática, anulado essa subordinação [à LEO e ao médio prazo] para conseguir a discricionariedade máxima no curto prazo, aprovando os Orçamentos do Estado em desrespeito pela programação plurianual”.

Porém, as consequências desta decisão podem ser graves, argumenta a entidade especializada em finanças públicas, referindo a possibilidade de tal minar a credibilidade internacional das “contas certas” de Portugal. Em especial porque, face ao elevado endividamento do país, os “ventos que sopram do exterior são bastante desafiantes neste contexto” e também porque no passado recente não houve “consolidação estrutural das contas públicas” uma vez que a redução do défice e da dívida “desde 2015 assentaram em ciclos económicos favoráveis”.

Perante esta análise, os técnicos da UTAO fazem um alerta: “A navegação orçamental à vista, que é o que o desmantelamento do enquadramento de regras prudenciais de médio prazo provoca, é um regresso perigoso ao passado que até parece acontecer ignorando as lições dolorosas suportadas pelos Portugueses na crise das suas finanças coletivas entre 2010 e 2014“.

Os técnicos fazem um apelo para que se mude o rumo, aproveitando as “condições parlamentar de estabilidade governativa” — isto é, a maioria absoluta do PS –, o que é uma “circunstância deveras favorável e apelativa para realizar um planeamento estratégico consequente ao longo da nova legislatura”. “Oxalá os credores não voltem a descrer na qualidade das instituições portuguesas“, desabafam os especialistas em finanças públicas num longo relatório em que arrasam tanto os deputados como o Governo.

E não deixam de “estranhar” a forma como o processo de revisão da LEO, logo no início da mandato do novo Governo, foi feito, seja pela “tamanha discrição na preparação do diploma” seja pela “urgência em o aprovar, com tempo tão escasso para o debate”. “A dignidade da LEO mereceria, no mínimo, uma justificação convincente para o modo bizarro da sua revisão”, afirma a UTAO, defendendo que, mesmo com a aprovação desta alteração, houve “ilegalidade” em várias ações do Executivo, nomeadamente na falha de entrega do Quadro Plurianual de Programação Orçamental (QDPD) e da Lei das Grandes Opções (GOP), ambas sujeitas a voto dos deputados.

Contudo, como a nova lei tinha efeitos retroativos a 1 de janeiro e já foi publicada em Diário da República após a promulgação do Presidente da República, “aquilo que era uma ilegalidade no momento em que a UTAO publicou a sua apreciação preliminar à segunda POE/2022 passou a estar a legal antes de a apreciação final ficar concluída”.

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