FMI duvida da redução do défice prevista pelo Governo. Aponta para -1,4% em 2023
Fundo Monetário internacional aponta para um défice de 1,4% em 2023, e não 0,9% como estima o Governo. É mais otimista na redução da dívida pública este ano (114,7%), mas menos no próximo (111,2%).
O Fundo Monetário Internacional (FMI) volta a pôr em dúvida que o Governo português consiga baixar o défice orçamental na dimensão que inscreveu na proposta de Orçamento do Estado para 2023. Fernando Medina espera reduzir o défice para 0,9% do PIB no próximo ano, mas o departamento de finanças públicas liderado por Vítor Gaspar aponta para uma redução de apenas cinco décimas. De acordo com as previsões do Fundo, nem em 2027 Portugal conseguirá um défice tão baixo.
Na proposta de Orçamento do Estado para 2023, entregue no Parlamento na segunda-feira, o Executivo aponta para um défice de 1,9% este ano, que cairá para 0,9% no próximo. O ministro das Finanças já tinha explicado que Portugal só não faria o brilharete de reduzir o défice já em 2022, para 0,9% do PIB, porque o pacote de apoio às famílias para ajudar a mitigar os impactos da inflação custava, precisamente, um ponto percentual do PIB.
Mas o antigo ministro das Finanças de Pedro Passos Coelho, embora aponte exatamente para os mesmos 1,9% de défice para este ano, coloca a fasquia em 1,4% em 2023.
As previsões do Fundo, em políticas invariantes (ou seja, não tendo em contas as medidas que o Governo venha a adotar, nomeadamente no novo OE), apontam para a continuação de uma trajetória descendente do indicador até 2025, ano em que chegará a 1% do PIB. Mas depois em 2026 e 2027 volta a aumentar para 1,2%. De sublinhar que os valores são sempre inferiores à meta de 2% definida pelo Pacto de Estabilidade, que está suspenso.
O otimismo do Executivo em termos de reforço do saldo primário, que passou para terreno positivo já este ano (0,1% do PIB, segundo o FMI, 0,3% do PIB segundo o Governo) também não é acompanhado pelo Fundo. O Governo estima um saldo positivo de 1,6% do PIB em 2023, enquanto o Fundo aponta para 0,7% no próximo ano. O saldo primário, que exclui os encargos com juros, já esteve em terreno positivo nos cinco anos anteriores à eclosão da crise pandémica, como lembrava o Conselho das Finanças Públicas nas suas previsões para a economia portuguesa até 2026.
Quanto à dívida pública, o FMI antecipa que o rácio desça de 114,7% do PIB este ano — o que representa uma redução histórica do rácio da dívida de 12,7 pontos percentuais — para 111,2% no próximo. Ora, no OE2023 o Governo espera uma dívida mais elevada este ano (115%) mas aponta para uma redução mais significativa no próximo (110,8%) — o valor mais baixo desde 2010 quando atingiu os 100,2%, a primeira vez que passou a fasquia dos 100% do PIB. O objetivo é “retirar Portugal do pódio dos Estados-Membros da União Europeia mais endividados”, lê-se na proposta entregue esta semana no Parlamento.
Estas diferenças nas projeções podem ser parcialmente explicadas por diversos fatores: são feitas num cenário de políticas invariantes, ou seja, não têm em conta as medidas que o Executivo adotou no orçamento; o FMI prevê um crescimento de 0,7% em 2023 (a meta do Governo é de 1,3%) e aponta para uma taxa de inflação mais elevada 4,7% (Governo aponta para 4%). E, tal como o Fundo recorda “as surpresas ao nível da inflação estão a contribuir para a redução das dívidas e dos défices”.
Prioridade é a estabilidade macroeconómica e financeira, diz FMI
Os economistas liderados por Vítor Gaspar não fazem recomendações ou avisos específicos para Portugal, mas recordam que “num contexto de inflação elevada, dívida elevada, taxas de juro crescentes e elevada incerteza é fundamental que haja consistência entre as políticas orçamentais e monetárias”. “Na maior parte dos países isto significa manter o Orçamento numa trajetória de consolidação”, alerta Vítor Gaspar na nota introdutória do relatório.
Se, por um lado, a inflação ajuda a reduzir o défice e a dívida, por outro, se vier a transformar-se num fenómeno de base alargada e persistente, isso “acabará por se refletir nas expectativas de inflação” e os “ativos que prometem retornos nominais tornam-se menos atrativos”. Além disso, uma “inflação elevada e volátil torna o crédito mais caro e pouco fiável”.
Por isso, o FMI defende que, “os governos devem dar prioridade à estabilidade macroeconómica e financeira, acima de tudo o resto”.
Este ponto é “especialmente relevante” tendo em conta os desenvolvimentos mais recentes nos mercados obrigacionistas que demonstram uma “crescente sensibilidade à deterioração dos fundamentais das economistas”. Por exemplo, Portugal, apesar de estar numa trajetória de melhoria das contas públicas, teve de pagar mais esta quarta-feira para se financiar em mil milhões de euros, através de duas linhas obrigacionistas.
“A subida que temos assistido nas yields nacionais são um reflexo do movimento global que se verifica no mercado de dívida”, sublinhou Filipe Silva, diretor de Investimentos do Banco Carregosa, comentando o facto de, no espaço de nove meses, o custo de financiamento da República a nove anos ter mais do que triplicado.
O FMI defende ainda a “importância de preparar uma estratégia” para que os apoios sociais sejam “prontamente ajustáveis e mais bem direcionados” para acomodar futuros choques decorrentes da inflação elevada, da escalada dos preços da energia e dos alimentos. Criar “almofadas orçamentais nos tempos normais” permitirá os governos “responder prontamente e com flexibilidade para dar apoios aos que realmente precisam”. O Fundo, aliás, aponta o dedo ao facto de muitos países terem desenhado medidas que “não tiveram como alvo os que mais necessitavam”. Um alerta que já tinha sido feito no decorrer desta crise pelo próprio FMI e pela Comissão Europeia.
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