“Era elementar considerar a redução do IVA nos fornecimentos de gás e eletricidade”, diz Luís Marques, da EY

Ficam a faltar no OE medidas que contemplem a redução do IVA na energia e uma atualização das deduções à coleta, defende partner fiscal da EY. Para as empresas, alívio fiscal podia ser maior.

A proposta de Orçamento do Estado para 2023 é uma “solução equilibrada” tendo em vista a consolidação das contas públicas, mas nas medidas para as empresas “devia haver mais ambição ao nível da descida da taxa do IRC”, defende Luís Marques, Country Tax Leader da EY em Portugal, ao ECO. Para as famílias, “era elementar considerar a redução da taxa do IVA nos fornecimentos de gás e eletricidade”, nomeadamente para os 6%, defende, bem como uma atualização das deduções à coleta.

Luís Marques aponta algumas medidas que vão fazer a diferença, como a atualização dos escalões de IRS, apesar de “pecar por tardia”, e a dedução de prejuízos fiscais. Há outras que, no entanto, podem ter uma aplicação mais limitada, como é o caso da descida do IRC, que é “mesmo seletiva”, ou o novo incentivo à capitalização, cuja interpretação é “dúbia” e pode levar a “litigância fiscal futura”, alerta o partner fiscal da EY, que é parceira do ECO na análise ao Orçamento de 2023.

Quanto ao cenário macroeconómico que o Governo inscreve no Orçamento, o fiscalista admite que este é “otimista”, mas permite uma margem de intervenção caso seja necessário.

Qual é a avaliação que faz deste Orçamento do Estado? É o que se esperava?

É aquilo que o Governo foi dando sinais à medida que nos fomos aproximando da data de entrega, era o que se esperava. Se era o que as empresas e famílias ambicionavam? As respostas aí são díspares. As empresas gostariam de ter sentido um maior alívio fiscal, para além das medidas incluídas, e ao nível das famílias há mais uma ou outra área que talvez pudesse ter sido contemplada, como a questão do IVA nos fornecimentos de energia, portanto de eletricidade e gás, de ser possível aplicar a taxa mínima, as deduções à coleta poderem ser atualizadas e criada uma nova para fazer face aos incrementos com os créditos à habitação. Há medidas positivas e o Governo optou por uma solução equilibrada do ponto de vista de consolidação das finanças públicas.

Este OE avança com algumas reformas fiscais. Já eram necessárias?

Não chamaria reforma, porque teria de ser mais profunda, mas há alterações que já pecam por tardias, como a atualização dos escalões de rendimento coletável para efeitos de IRS, sendo que já em 2022 já se reclamava uma atualização. Nesse documento já se previa uma taxa de inflação de 3,7% e a que se vem confirmar é dobro desse valor. O Governo aponta para uma inflação de 7,4% e não houve atualização. Com a atualização agora a medida acaba por ser de elementar justiça fiscal, não permitindo que haja agravamento da situação tributária das famílias.

Vai ser uma das medidas com mais impacto para as famílias?

Sim, claramente que essa medida é a mais sonante, porque é aquela que permite desagravamento fiscal por via de eventuais atualizações dos salários que podiam ter no início do ano e também da atualização do salário mínimo nacional, que esse sim até está acima do valor da taxa de inflação previsível para 2023.

Se o valor do mínimo de existência não vier também a ser atualizado, pode haver uma situação em que quem ganha salário mínimo nacional, porque está acima de mínimo, pode ter uma tributação em 2024.

E as alterações no mínimo de existência?

O mínimo de existência tinha que inevitavelmente de subir, porque a partir do momento em que salário mínimo nacional se posiciona nos 760 euros, não faria sentido não atualizar, sob pena de que quem ganhasse o salário mínimo ainda tivesse tributação acrescida de IRS. Teve de acompanhar atualização do salário mínimo nacional, desse ponto de vista acaba por ser uma medida quase técnica para permitir que quem ganhe salário mínimo não tenha qualquer tributação em sede de IRS.

Para além da subida, há também uma nova forma de definir o mínimo de existência, que passa a estar indexado ao IAS. Isto vai trazer grandes mudanças?

Se o Governo não mexer, pode trazer. O Governo comprometeu-se com aumentos do salário mínimo nacional graduais até chegar a 2026 com 900 euros. Dependendo da atualização do IAS, como a atualização do salário mínimo nacional segue uma trajetória superior à taxa de inflação, significa que não havendo indexação, em 2024, se o valor do mínimo de existência não vier também a ser atualizado, pode haver uma situação em que quem ganha salário mínimo nacional, porque está acima do mínimo de existência, tenha uma tributação em 2024. Mas penso que o Governo nessa altura fará uma atualização do mínimo de existência, não tenho a dados para o afirmar, mas seria algo de justiça fiscal.

Que outras medidas terão mais influência para as famílias?

Há duas medidas adicionais que destacava: a primeira tem a ver com a questão dos dependentes, houve um acréscimo das deduções para o segundo dependente que vão passar a 350 euros. Essas deduções adicionais a partir do segundo dependente com idades até seis anos são algo que é de relevância para as famílias e é dado um sinal claro de que não há medidas que penalizem famílias que tenham dois ou três, até porque Portugal tem um problema de demografia.

A segunda medida é o alavancar e o acréscimo do regime aplicável ao chamado IRS Jovem: foi aumentado para que os jovens no primeiro ano que ingressem no mercado de trabalho com idades até aos 26 anos possam ter uma tributação menor. O regime vai-se manter no horizonte de cinco anos, de uma forma decrescente, mas o primeiro ano passa a ser 50% de isenção, é uma medida interessante desse ponto de vista. Há um reforço da medida.

Esta descida seletiva [do IRC] é mesmo isso, seletiva, porque nem todas as empresas podem estar em condições de garantir a contratação de trabalhadores para poderem beneficiar do acréscimo de gastos com contratação.

Avançaram também impostos para criptoativos. Podem afastar os investidores?

Os criptoativos era algo que já se vinha a falar há algum tempo. As empresas que têm criptoativos já pagavam imposto porque registavam ganhos ou perdas, agora ao nível de pessoas singulares, o regime é equiparado a outros instrumentos financeiros que possam ter e, portanto, é um instrumento que não tinha cobertura e não fazia sentido o vazio jurídico.

Faz sentido que haja um regime, pode-se é discutir porque é que há uma isenção total quando tenho há mais de um ano, porque se investir noutro tipo de aplicações ao fim de um ano há lugar ao pagamento de imposto, no caso dos criptoativos continua a ser contemplada isenção e aplicar-se apenas uma taxa de 28% para os criptoativos de curto prazo, que são o que o regulador entende como operações de natureza especulativa.

Também há regras especificas para o imposto de selo, se houver transmissões gratuitas que podem não ser aplicadas, como quando é de pai para filho, estão protegidas. Mas ao nível dos impostos sobre rendimento faria sentido criar um regime, quem fizer isto como atividade passa a ser categoria B.

Agora se vai afastar, penso que o principal receio ainda é o desconhecimento, mais do que a questão fiscal, é o que está subjacente. É o que ainda faz com que o mercado possa ter algumas dúvidas e incertezas. Quem quiser investir continua a estar protegido. Regime acaba por ser equilibrado e faz algum sentido.

Passando para as empresas, uma das medidas mais faladas era a descida do IRC, que acabou por ser seletiva, nomeadamente para as empresas que aumentem os salários. É suficiente?

Esta descida seletiva é mesmo isso, seletiva, porque nem todas as empresas podem estar em condições de garantir a contratação de trabalhadores para poderem beneficiar do acréscimo de gastos com contratação.

O que se pretendia era uma descida mais generalizada da taxa do IRC, que a taxa nominal baixasse dos 28%. Nas grandes empresas, porque são elas que mexem o ponteiro da receita fiscal do IRC, que contribuem ativamente e funcionam como pêndulo da economia portuguesa, essas não vão beneficiar muito deste tipo de medidas porque não veem reformulado a derrama estadual, não veem a taxa do IRC a baixar, podem aproveitar algumas medidas mas não serão os maiores beneficiários.

O novo Incentivo à capitalização dá resposta aos pedidos das empresas?

É um incentivo interessante em termos conceptuais. Temos dúvidas de interpretação sobre como se calcula acréscimo líquido da contribuição de capital, ou seja como é que se calcula, há problema da forma como a lei esta escrita, porque há cômputo que tem de ser feito das entradas de capital aos quais têm de ser deduzidas as saídas de capital dos últimos nove anos. Isto obriga a um cálculo minucioso, com alguma complexidade, e a forma como está escrito pode permitir uma interpretação distinta, não é linear.

Por vezes o que se peca nestas normas é que se tem um objetivo positivo, concretiza-se de uma forma ambígua e que permite interpretações distintas e que são geradoras de litigância fiscal futura. Este incentivo tem todos condimentos para que daqui a dois, três anos quem utilizar em 2023 esteja a ser confrontado com questionamentos da Autoridade Tributária e se calhar acabar a discussão em tribunal sobre a aplicação do mesmo.

Mas em termos conceptuais parece interessante, acaba por ser uma consolidação de dois regimes que existiam antes, que é o da remuneração convencional do capital social e o da dedução de lucros retidos e reinvestidos, que acabaram por ser revogados para dar origem a incentivo que é bom mas tem um articulado que permite alguma interpretação dúbia.

Que outras medidas são significativas para as empresas?

Uma medida interessante e que era já reclamada há algum tempo, que é a questão dos prejuízos fiscais. Atualmente no nosso normativo tem horizonte temporal máximo de cinco anos a partir do qual deixam de poder ser deduzidos, essa regra dos cinco anos vai desaparecer e os prejuízos podem ser reportáveis indefinidamente. E em vez de estarem limitados em cada ano a 70% do lucro obtido esse ano, esse patamar deixa de ser de 70% para 65%. Assim fez-se um trade-off que permite uma dedução sem qualquer caráter temporal mas limita o valor da dedução em cinco pontos percentuais.

Também se simplificou as regras de reporte de prejuízos, ao nível de alterações de estruturação, ao nível das empresas no chamado regime especial quase como se fosse consolidação fiscal. Em termos genéricos, a questão dos prejuízos fiscais é a norma que se destaca ao nível do IRC e empresas.

Uma última nota para as tributações autónomas, que baixaram 2,5 pontos percentuais para viaturas movidas a gás natural e também para viaturas híbridas plug-in. As atuais taxas vão baixar, isso também é interessante porque à medida que as empresas vão evoluindo na gestão de frotas e deixar de ter carros movidos a fóssil, transição energética está a ser acompanhado por menor carga fiscal. E também as empresas que tenham prejuízo em 2022/23 podem continuar a aplicar regra da pandemia para não serem agravadas na tributação autónoma.

Nas medidas para empresas, devia haver mais ambição ao nível da descida da taxa do IRC e derrama estadual que é um imposto que foi introduzido para ser excecional, transitório.

O que fica a faltar neste OE, para empresas e famílias?

Para as famílias, há medidas que podiam ser adotadas, talvez com caráter temporário e só para 2023. Ao nível das famílias, era elementar considerar a redução da taxa do IVA nos fornecimentos de gás e eletricidade, nem que seja só para consumidores domésticos, mas acho que não há cobertura legal para diferenciação. Reduzir a taxa do IVA no continente por exemplo para 6%, como os preços têm estado a galopar, seria interessante para as famílias.

Atendendo a que também vão ter acréscimo de despesas pelo incremento do crédito a habitação, a evolução taxas de juro vai fazer com que prestações do crédito à habitação subam, podia ser considerado como dedução à coleta. Já existiu no passado, foi estancado em 2011 e deixou de haver. Também a atualização de outras deduções a coleta, tudo isso devia ter sido atualizado e não foi, para fazer face a maior gasto que famílias vão ter.

Nas empresas, devia haver mais ambição ao nível da descida da taxa do IRC e derrama estadual que é um imposto que foi introduzido para ser excecional, transitório e existe desde que a troika chegou a Portugal, começou por 2009/2010 e tem-se arrastado ate aos dias de hoje, algo que era para ser temporário.

O Orçamento aponta para um crescimento de 1,3% em 2023 e uma inflação de 4%. O Governo foi excessivamente otimista?

O Governo está a ser otimista quer na taxa de inflação quer ao nível da perspetiva de crescimento económico. O Governo tem consciência de que tem de ter alguma ambição para transmitir alguma confiança para o mercado, porque às vezes a economia é baseada na confiança dos investidores e vários stakeholders no mercado. Tem solução interessante porque ao ter projetado défice de 0,9% está desde já a acautelar que se metas não forem atingidas, tem capacidade para deslizar um pouco.

Há alguma margem orçamental para acomodar efeitos, por exemplo se taxa de inflação for mais grave, para conter efeitos da inflação pode ter margem. Se as taxas juro nos mercados financeiros internacionais não pararem e as famílias começarem em situações de incumprimento, o Governo tem alguma capacidade de tentar intervir e acautelar situações de insolvência. O Governo tem instrumentos, não são ilimitados mas com este OE criou cenário de poder intervir até determinados limites para poder acautelar desvios.

Agora a taxa de inflação estimada de 4% é otimista, mas também não é muito distante do que outras instituições apontavam. O FMI acha que o défice das contas públicas para 2023 vai-se cifrar em 1,4% e a previsão no OE é de 0,9%, mas este Governo também já nos ensinou no passado que consegue ter metas melhores do que estimadas pela OCDE e BCE, porque estas entidades por norma são mais conservadoras. Pode haver algum otimismo.

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