Vacas com asas, promessas e Jorge Palma: o debate do OE em oito pontos

"Corte" nas pensões, resposta à inflação e lucros das empresas foram os pontos centrais do debate sobre o Orçamento do Estado. Mas houve espaço para ataques, da esquerda à direita, e promessas.

A proposta de Orçamento do Estado esteve sob a lupa dos deputados, que durante dois dias debateram com o Governo os detalhes do documento, numa discussão que ficou marcada por vários ataques, da esquerda à direita, que falam de “ódio cego” e do “canal História”, mas também por promessas. A inflação e os rendimentos estiveram em foco na discussão, com os partidos a acusar o Governo de um corte nas pensões, existindo espaço também para debater as “contas certas” e as medidas para as empresas, sem esquecer acusações de austeridade.

Costa anuncia medidas para crédito à habitação e tributação das empresas de distribuição

O primeiro-ministro deixou a promessa da aprovação de duas medidas que já tinha anunciado mas sobre as quais existiam ainda poucas certezas ou confirmações.

Perante as questões dos deputados sobre medidas para as famílias, nomeadamente as relacionadas com crédito à habitação, o primeiro-ministro adiantou que o Governo vai “aprovar legislação que protege as famílias com crédito a habitação“. Sobre as preocupações sobre o que pode acontecer à prestação da casa, assegura que o Governo tem “estado a acompanhar junto do Banco de Portugal e bancos a evolução”.

“No próximo Conselho de Ministros iremos aprovar um diploma que ajuda a proteger as famílias”, obrigando os bancos a renegociar créditos quando os juros superarem os limites de esforço que constaram no teste de stress, adiantou.

Além disso, a taxa sobre os lucros extraordinários foi também mencionada, com o primeiro-ministro a anunciar que a proposta de lei que o Governo irá apresentar para a tributação de lucros inesperados também irá incluir o setor da distribuição, além do setor energético.

É para aplicar aos lucros de 2022, e não aos lucros de 2023, a proposta de lei que vamos apresentar para a tributação de lucros não esperados do conjunto das empresas, que não são só do setor energético, mas são também o setor da distribuição que devem pagar aqueles lucros que estão a ter injustificadamente por via desta crise de inflação”, sublinhou. Costa disse ainda esperar que a proposta de lei do Governo possa “contar com o voto do PCP”.

Há ou não um corte nas pensões?

Um dos principais temas deste debate foram as pensões, com a maioria dos partidos a criticar a decisão do Governo de antecipar meia pensão, o que altera a base de atualização para os próximos anos. O Governo insistiu que não se trata de um corte, mas os partidos acusaram o Governo de “pecados” e “trapaças” orçamentais.

O primeiro-ministro defendeu que “sem jogo de palavras, cortar é mesmo cortar, é onde se paga 500 passar a pagar 400“, fazendo referência ao período de governação do PSD. “Só não foi pior porque por cinco vezes o TC declarou inconstitucionais normas”, acrescenta. Criticou ainda que à direita “fazem papel de crocodilo lacrimejante para dizer se pensões devem subir mais e menos, quando política da direita foi sempre cortar salários e pensões”.

Debate com o Primeiro-Ministro na Assembleia - 29SET22

Para os pensionistas garantiu também que “nunca receberão menos do que receberam no mês anterior”. Já Mariana Mortágua criticou estas declarações acusando o primeiro-ministro de ser como a Rainha Vermelha da Alice no país das maravilhas, que diz “a verdade é o que eu quero que seja”.

Paula Santos, pela voz do PCP, disse que há “corte de metade do valor que é devido aos pensionistas”, na sequência dos limites impostos pelo Governo nas atualizações de pensões do próximo ano. Já Paulo Rios de Oliveira, do PSD, apontou que com a maioria absoluta do PS o Governo não mostra grande vontade de ouvir ou rebater as críticas da oposição”, “é excelente a esconder a desgraça” e que “rouba mil milhões ao futuro dos pensionistas”, fazendo referência à lei das pensões.

Duarte Pacheco do PSD falou mesmo em “trapaça orçamental”, enquanto o colega de bancada Hugo Carneiro disse que o Governo devia “confessar pecados orçamentais”.

Governo disponível para negociar com PAN e Livre

Com a maioria absoluta, o PS tem poder para aprovar ou rejeitar as propostas dos partidos. O Governo já sinalizou abertura para dar “luz verde” a algumas medidas, em particular do Livre e do PAN, partidos que se abstiveram na votação na generalidade do documento.

No primeiro dia de debate, Rui Tavares apresentou um conjunto de medidas, como permitir a toda a gente “ter acesso a um passe para se deslocar na ferrovia”. Defende também que quartéis e outro património do Estado “pode servir temporariamente para residências universitárias e que não terá que se ver com pressão de procura de casa”.

Há disponibilidade do Governo para aprofundar matérias que possam melhorar proposta de OE e aproximar de preocupações que PAN tem

Fernando Medina

Ministro das Finanças

O primeiro-ministro respondeu a agradecer a Rui Tavares a “posição construtiva” e disse que vai “analisar e debater as propostas” apresentadas pelo Livre. Costa diz ainda que “é preciso a apoiar as pessoas e as empresas” e que “temos que o fazer sem alimentar a espiral inflacionista”.

Já esta quinta-feira, Fernando Medina respondeu a mais um conjunto de perguntas dos deputados assegurando a “disponibilidade do Governo para aprofundar matérias que possam melhorar proposta de OE e aproximar de preocupações que PAN tem“, disponibilidade mostrada também para o Livre, que diz “distinguir no espaço da esquerda”.

Debates do canal História

Tal como já tem sido habitual, o debate foi marcado por comparações do PS aos períodos em que a direita governava, nomeadamente no tema da austeridade. Perante estas trocas, os deputados invocaram a imagem de um canal História ou Memória para ilustrar os argumentos que o Governo continua a repetir.

O líder do Chega ironizou que estavam “fartos do canal História do Parlamento”. “Sempre que há debate o PS vem dizer que o PSD fez pior”. “É um pouco constrangedor que venha falar da dívida pública”, quando em abril deste ano Portugal estava entre os países com maior dívida pública, disse. Ventura defendeu ainda que “este Orçamento é uma fraude e uma ilusão”.

Já Hugo Carneiro, do PSD, sugeriu ao PS e ao Governo que comprem uma “subscrição premium do canal Memória que permite ver outras temporadas da história do país”, salientando que o PS falou do aumento da dívida pública há sete anos, mas foi “por força das políticas do PS, que então governava o país, 25 mil milhões era o valor que estava fora da dívida, escondido da dívida, correspondendo a 15% do PIB”.

Há vacas com asas?

Longe vai o ano de 2016 quando António Costa, ofereceu à então ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, uma vaca voadora, na apresentação do Simplex. Mas a expressão ficou e neste debate as “vacas voadoras” voltaram à discussão política, desta vez trazidas pela direita. O deputado do PSD Hugo Carneiro disse que o Governo devia “confessar pecados orçamentais”, já que “o primeiro-ministro prometeu em junho que não cortaria pensões, que haveria aumento histórico e que iria cumprir a lei, mas foi o oposto que aconteceu: mil milhões serão cortados na base de atualização do futuro”. “Até as vacas perderam as asas”, atira.

Ainda não conseguimos chegar ao admirável mundo novo, mas parece que algumas vacas já conseguem voar.

Jorge Salgueiro

Deputado do PSD

Já Jorge Salgueiro, do PSD, apontou que ao ouvir o ministro da Economia lhe “veio à memória a antiga série de ficção Espaço: 1990 que tinha teletransporte. Passados 45 anos ainda não conseguimos chegar ao admirável mundo novo, mas parece que algumas vacas já conseguem voar”. “Mas temos de fazer crescer a economia real”, defendeu, nomeadamente tendo em conta a “necessidade de capitalização das empresas”.

O ódio cego ao PS

Outrora apelidada de romance, a relação entre o PS e o Bloco já esfriou há muito e chegou mesmo ao ponto de António Costa acusar Catarina Martins de ódio cego contra o partido. Depois das críticas da líder bloquista às políticas do Governo, Costa respondeu apontando que a “cegueira do ódio ao PS é tão grande que a deputada até consegue fazer uma equivalência entre um aumento menor das pensões e o corte de pensões que a direita fez”.

O primeiro-ministro apontou que é necessário “conseguir” um “equilíbrio entre proteger rendimento das famílias e assegurar que empresas não encerram” para “ultrapassar crise” e lançou ainda farpas a Catarina Martins, apontando: “É fácil fazer como fez: lavou as mãos em plena pandemia” e, por isso, “não esperava agora” outra posição. Para os pensionistas, garante que “nunca receberão menos do que receberam no mês anterior”.

Debate com o Primeiro-Ministro na Assembleia - 29SET22

A resposta chegou depois pela voz de Pedro Filipe Soares, que quanto ao “ódio ao PS” de que foram acusados, reiterou que não existe, mas disse saber “que odiosas são as políticas, o empobrecimento, entregar contas mentirosas ao Parlamento”, numa referência às contas sobre a sustentabilidade da Segurança Social. “Odioso é achar que o mercado tudo pode”, disse. “Pode tratar BE com desdém, é para o lado que dormimos melhor“, atirou, apontando que as “perguntas doem porque mostram incongruências e truques”.

O deputado bloquista reiterou ainda que “o PS em maioria absoluta é muito diferente”. “Houve um tempo em que até o PS achava que havia vida para além do défice”, acrescentou.

Jorge Palma entre os mais citados

O músico Jorge Palma está entre as personalidades mais citadas neste debate, começando logo pelo próprio primeiro-ministro. António Costa terminou a intervenção inicial recordando que há um ano citou Jorge Palma, dizendo: “Enquanto houver ventos e mar a gente não vai parar”. “Tentaram parar-nos”, disse Costa, mas “um ano volvido”, repetiu as mesmas palavras e garantiu: “Não vamos parar”.

A música voltou do lado do Chega, com Pedro Pinto a considerar “gritante” Portugal ter uma “taxa de desemprego jovem mais alta do que a UE, particularmente na Madeira e nos Açores. O deputado aproveitou ainda a deixa de António Costa para também citar Jorge Palma e lamentou que o país esteja “à deriva”.

No Governo voltou a referência, sendo que em resposta ao deputado do PSD, Tiago Brandão Rodrigues garantiu que não ia “pedir que se encostem a mim”, fazendo alusão à música de Jorge Palma e sublinhou que os social-democratas foram contra as medidas para acelerar as energias renováveis.

Filipe Melo, do Chega, falando sobre as contas certas, voltou a fazer mais uma referência ao artista: “Deixa-me rir”. O líder do partido também não resistiu a mais uma referência. André Ventura aproveitou Costa ter citado Jorge Palma para o fazer também, mas com um titulo diferente: “Esta chama-se eles já estão fartos”, atirou.

“Eles já estão fartos de saber o que tu queres deles, eles já estão fartos de saber quem quer vende-los, eles já estão fartos de ouvir dizer, tem de ser, e agora eles tentam viver doutra maneira qualquer”, citou. “Deixe-nos viver de uma maneira diferente”, concluiu André Ventura.

OE da EDP, do Novobanco e da TAP

Não faltou neste debate menções ao Novobanco e à TAP, que não constam na proposta de Orçamento do Estado, mas que a UTAO e o Conselho das Finanças Públicas consideram um risco para o Orçamento. Além disso, os deputados levantaram também questões sobre as notícias de que Medina pediu 500 milhões para pagar à EDP.

André Ventura sinalizou que “este é o OE da EDP, do Novobanco, da TAP“, lamentando que “o que custa mais é” que podiam ser dados mais apoios às famílias e aos desfavorecidos. O líder do Chega tinha questionado o que sente “quem chega ao OE e vê que o Governo do PS está a dizer mais milhões para a EDP”, apontando que “empresas como a EDP continuam a viver à conta” dos portugueses.

Debate com o Primeiro-Ministro na Assembleia - 29SET22

O primeiro-ministro esclareceu que “iludir portugueses é o discurso de que não o Governo aumenta pensões para dar dinheiro à EDP”. “O OE tem de prever despesas contingentes; quando Estado decidiu cancelar o contrato para barragem do Fridão, os tribunais condenaram o Estado a pagar indemnização“, explicou.

Já sobre o Novobanco, Medina voltou a assegurar que não estão previstas novas injeções, após as perguntas de Mariana Mortágua, que apontou que as “empresas vão ter uma borla fiscal e o Novobanco é primeiro a agradecer”.

Quanto à TAP, foram várias as questões dos deputados, nomeadamente com o PSD a acusar o Governo de um “embuste político” neste processo. No entanto, o Governo deu poucas respostas sobre o assunto, sendo que Medina já tinha sinalizado que o que estava previsto no contrato é público e que ainda não têm nenhuma novidade sobre a privatização.

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