Indústria portuguesa desafia gigantes com agilidade, inovação e talento
Com orçamentos mais baixos e um “passaporte” menos valioso face aos concorrentes no setor automóvel e farmacêutico, os líderes da TMG e Bial apontam as armas industriais para competir no palco global.
Grandes em Portugal, mas de pequena ou média dimensão à escala mundial, as empresas industriais com “coração” nacional só conseguem competir com as gigantes internacionais se mantiverem a agilidade e a flexibilidade por que sempre foram conhecidas, e adicionarem as “camadas” do investimento na digitalização, na atração de talento e na inovação. E os alicerces? Planeamento e liderança.
“Temos de ser capazes de nos posicionar, seja na transformação digital, na atração de talento ou na inovação. Isso é algo enraizado internamente na Bial. Temos de ser melhores do que empresas que normalmente tem muitíssima mais capacidade financeira e escala. Vamos procurando focar-nos no que é mais importante, mediante os recursos que temos. Há coisas que fazemos de forma mais acelerada: a investigação e desenvolvimento (I&D) é a área em que investimos mais depressa”, descreve o CEO, António Portela.
A maior farmacêutica portuguesa triplicou a faturação na última década, para cerca de 330 milhões de euros, o que só foi possível com os dois medicamentos desenvolvidos na Trofa – para a epilepsia (Zebinix) e para o Parkinson (Ongentys) –, que vende sobretudo na Europa e nos EUA, mas que está a levar também para mercados como Israel e Austrália. “A inovação tem um peso enorme para nós. A parte industrial muito menos, embora estejamos a fazer investimentos [de 30 milhões de euros] em eficiência, processos, pessoas e espaços”, notou.
Durante a conferência Fábrica 2030, organizada pelo ECO na Alfândega do Porto, o empresário valorizou a atração, retenção e formação de trabalhadores, em particular numa fase em que, dada a expansão internacional da empresa, também o talento interno ficou mais exposto às concorrentes, que conseguem “pagar salários de Londres ou suíços”. Por outro lado, nos últimos três anos conseguiu recrutar 15 portugueses que estavam no estrangeiro, “com o projeto e o pacote salarial certos”.
Portela aconselha os industriais a focarrm-se em serem bons no que traz valor acrescentado e a não dispersar esforços. Nos processos, agilidade é a palavra-chave. No caso concreto da farmacêutica, dramatiza o encurtamento dos prazos de desenvolvimento dos medicamentos, “matando o mais cedo possível os projetos” que não vão vingar. “Nos últimos 25 anos sintetizamos 15 a 16 mil moléculas e só duas é que chegaram ao mercado. Se não funciona, é para deitar fora para nos focarmos nas que têm mais hipóteses. E os modelos preditivos ajudam a descartá-las mais depressa”, resume.
Nos últimos 25 anos sintetizamos 15 a 16 mil moléculas e só duas é que chegaram ao mercado. Se não funciona, é para deitar fora para nos focarmos nas que têm mais hipóteses. E os modelos preditivos ajudam a descartá-las mais depressa.
Ao lado do gestor que em 2011 substituiu o pai Luís Portela na liderança da Bial, num painel de debate dedicado à engenharia digital como resposta da indústria, Isabel Furtado está habituada a ser a “mulher, baixa e do outro lado da Europa” que aparece junto dos grandes construtores automóveis alemães – BMW e Mercedes são os maiores clientes da TMG Automotive. Sendo o principal concorrente (Continental) muito maior, detendo 63% da quota de mercado, e, além disso, também germânico.
“Não nos podemos inibir por sermos pequenos. Há 12 anos éramos conhecidos por sermos smart followers. Pequenos, flexíveis. Mas demos um passo gigantesco para sermos nós quem dita tendências. Este é um processo muito alavancado em inovação”, explica a gestora da empresa nortenha, que soma 56 patentes registadas. Estreou-se no estrangeiro em 1971 com a SAAB – os suecos tinham maior abertura a Portugal por causa do têxtil convencional –, e andou “muito tempo a bater com a cabeça e a perder dinheiro até conseguir crescer”. Ostenta atualmente o título de número 2 na Europa. E aquele que lidera o mercado, enumera, mostra algumas desvantagens: é menos flexível, dispersa-se mais, demora mais tempo a tomar a tomar decisões.
Não nos podemos inibir por sermos pequenos. Há 12 anos éramos conhecidos por sermos smart followers. Pequenos, flexíveis. Mas demos um passo gigantesco para sermos nós quem dita tendências. Este é um processo muito alavancado em inovação.
Como será a TMG em 2030? “Vai continuar portuguesa, possivelmente na mesma família [Gonçalves]. Vai crescer em valor, em diferenciação, em reconhecimento e em notoriedade, que é algo importante na indústria automóvel. O carro é uma coisa muito emocional e a perceção e o posicionamento são muito importantes”, responde Isabel Furtado, relevando as empresas de grande dimensão para “puxar pela economia e pela inovação” em Portugal. “Não é pecado ser grande, ter valor e ter uma presença mundial. Quero deixar a TMG para a geração seguinte, de preferência maior e em melhores condições do que a que recebi”, promete.
Liderança, formação e investimento
Para ter uma fábrica sustentável e limpa, a digitalização é essencial. Entre outros aspetos, para produzir dados que possam ser analisados. Nas fábricas da TMG, em Vila Nova de Famalicão, há máquinas a produzir 400 dados por segundos, que são interpretados por uma equipa dedicada especificamente a esta área – “não basta ter máquinas a deitar cá para fora toneladas de dados” – e que fornecem capacidade preditiva, por exemplo, ao nível da manutenção industrial. Como explicou também o CEO da Bial, tudo isto só pode ter sucesso com a requalificação dos trabalhadores.
António Pires, Portugal Industry X Lead da Accenture, concorda que “esta transformação não se faz se não houver um plano de formação das pessoas que a empresa tem e se não conseguir atrair perfis novos”, como data scientists ou programadores. A par igualmente da tecnologia, a cultura organizacional e a liderança foram os outros tópicos destacados pelo especialista nesta conferência sobre o futuro da indústria, realizada na cidade Invicta.
“Não é relevante fazer um ‘piloto’ numa máquina, num caso específico. Não conseguimos retirar as vantagens que podíamos porque a linha de montagem tem processos a montante e a jusante. É preciso uma visão sobre o que se quer transformar, qual o caminho. E não é preciso fazer tudo ao mesmo tempo, mas priorizar o que tem mais valor para ir financiando o resto do plano”, ilustra António Pires.
É preciso uma visão sobre o que se quer transformar, qual o caminho. E não é preciso fazer tudo ao mesmo tempo, mas priorizar o que tem mais valor para ir financiando o resto do plano.
No início desta 4ª revolução industrial, as empresas nacionais têm tomado contacto com algumas tecnologias, numa fase de experimentação, mas ainda não há uma “transformação de larga escala”. Isto porque, acrescenta o responsável da Accenture, no chão de fábrica essa mudança tem ocorrido de forma lenta, pela natureza dos ativos. “As fábricas não trocam as suas máquinas todos os anos. Estamos também a aguardar que a maturidade tecnológica seja atingida, ao nível da robustez e também das análises custo-benefício. Estamos a dar os primeiros passos nessa revolução”, concluiu.
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