Cinco desafios para a UE na voz dos partidos portugueses
Entre a gestão dos fluxos migratórios, a legitimidade democrática da União Europeia ou o crescimento do populismo eurocético, os eurodeputados apresentam os grandes desafios... e possíveis soluções.
A Europa enfrenta atualmente inúmeros desafios que ameaçam fragmentá-la. As divisões entre o Leste e o Ocidente evidenciam-se quando se fala de certas opções de futuro, e entre Norte e Sul quando se fala de outras opções ainda. Os partidos eurocéticos multiplicam-se e ganham apoio, e o Reino Unido votou mesmo para sair da União Europeia, um processo que começará em breve a ser negociado.
Neste contexto, a declaração que sairá da cimeira de Roma este sábado pode ser um passo importante para reafirmar a aliança entre os 27 que permanecem. Mas quais os desafios para os quais será preciso desenvolver estratégias? O ECO foi perguntar aos eurodeputados e representantes dos partidos portugueses com assento em Bruxelas e Estrasburgo quais as suas prioridades para uma reforma da União Europeia.
PPE: Legitimidade democrática “pode ser melhorada”
Existe um distanciamento entre os europeus e as instituições da UE, afirma Paulo Rangel, mas o deputado vê-o com naturalidade. O eurodeputado, eleito pelo PSD em Portugal mas integrado no grupo do Partido Popular Europeu (PPE), assume que “as pessoas naturalmente” estão mais focadas no que está próximo, e Bruxelas está longe. E embora não veja um problema de legitimidade democrática na Europa, com eleições e órgãos constituídos ou nomeados por representantes eleitos, “ela pode ser melhorada”, continua.
O documento do PPE de que foi relator, Making Europe Fit for the 21st Century, prevê assim uma maior parlamentarização, “reforçando a dependência da Comissão relativamente ao parlamento”, mas também uma transformação do Conselho Europeu “numa espécie de Senado”.
“Os ministros dos diferentes países, consoante as áreas, funcionariam como comissões dessa câmara alta, e depois todos os ministros teriam de tempos a tempos um plenário para aprovarem os documentos, propostas e leis em que trabalhassem”, sugere o eurodeputado.
É uma proposta para combater um problema que foi visto como mais profundo por outros deputados que falaram com o ECO. Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, afirmou mesmo que “é muito difícil falar de democracia à escala europeia”. A eurodeputada afirmou haver mesmo uma crise de legitimidade. “Apesar de o parlamento ser, obviamente, legislador, as decisões passam muitas vezes por outras instituições informais, como é o caso do Eurogrupo“, acrescentou.
S&D: UE “não conseguiu responder” à globalização
“A globalização mudou as condições competitivas no mundo, e a União Europeia não conseguiu responder”, afirma Carlos Zorrinho, eurodeputado do Partido Socialista integrado no grupo parlamentar europeu Aliança Progressista de Socialistas e Democratas (S&D). Zorrinho afirma que é esta falta de capacidade para dar resposta à globalização que está por detrás da ascensão de muitos dos movimentos populistas eurocéticos que têm surgido na Europa. “Os cidadãos têm expectativas pouco otimistas em relação ao futuro, de que a UE consiga manter as coisas boas que tem, e os líderes populistas fazem um discurso simplista, dizendo que sair da Europa é uma panaceia”, acrescenta.
Como é que esta situação pode ser enfrentada? Para Zorrinho, a União Europeia tem de assumir uma posição de liderança no palco mundial na regulação da globalização. “Se estiver junta, e com políticas ativas, claro que pode ser influente. Separada, não tem influência nenhuma”, conclui. O eurodeputado dá exemplos: a União Europeia “aprovou no Parlamento Europeu a nova regulação do mercado europeu de emissões de carbono”, uma medida que será ótima se as potências industriais mundiais avançarem com processos semelhantes. Já “se a Europa não for influente o suficiente, pode haver riscos para a nossa economia”.
Paulo Rangel também expressou ao ECO a preocupação de que a União Europeia se consiga impor como uma potência dominante no campo global, e sublinhou duas rotas para o fazer. A primeira é haver uma representação conjunta da União Europeia em órgãos como o FMI ou a OCDE, e a segunda é o lado militar. “Se nós desenvolvermos alguns instrumentos militares de defesa, [e expandirmos] a nossa capacidade de atuação em missões de paz, missões mandatas pela ONU ou até eventualmente pela NATO, evidentemente que esse hard power pode dar uma expressão diplomática e potência à própria UE”, concluiu.
GUE/NGL: “Responder às necessidades reais das pessoas”
Questionada sobre o principal desafio que a Europa tem de enfrentar para se reformar, Marisa Matias, integrada no grupo parlamentar Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), não hesita: “Responder às necessidades reais das pessoas, mas isso não está a acontecer”.
Para a eurodeputada, a Europa precisa de procurar um projeto que “continuasse a procurar pleno emprego e justiça social”, algo que acredita que não está a acontecer. E mostra-se também pessimista com o trajeto que resultará da declaração de Roma, a ser revelada este sábado. “Não creio que possa haver um projeto comum pondo completamente de parte as necessidades das pessoas que vivem num espaço comum”, referiu.
Também Ângelo Alves, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, disse ao ECO que “as condições de vida dos trabalhadores e dos povos” são uma questão fundamental na reforma da União Europeia que não está a ter a devida atenção, criticando as prioridades do Livro Branco da Comissão Europeia para o futuro da Europa. “Aquilo que vemos é que, no que toca, ao militarismo vão ao concreto, na união económica e monetária vão ao concreto, no concentrar mais os mercados vão ao concreto, mas no que toca a resolver problemas sociais fica sempre adiado para outras cimeiras, para outras reuniões, para outras decisões”, criticou.
Numa entrevista ao Diário de Notícias, Maria João Rodrigues, eurodeputada do S&D, também mostrou a mesma preocupação social, mas de uma perspetiva mais otimista. “Acima de tudo, quero que a população europeia, sobretudo os jovens, saibam que mesmo em empregos completamente novos, na economia digital, devem continuar a ter direito a um contrato de trabalho com condições bem precisas, e sobretudo acesso à proteção social”, referiu ao jornal.
PPE: Gestão dos fluxos migratórios
“Quem entra na UE através da Grécia e da Itália, podem ser refugiados, podem ter escapado a situações que põem em risco a sua vida ou das suas famílias, podem ser imigrantes, pessoas que querem uma oportunidade de emprego, legitimamente, como podem ser também terroristas, pessoas que querem atentar contra a nossa vida e os nossos valores”, afirma Nuno Melo, eurodeputado do CDS-PP no grupo PPE. E é preciso “saber acautelar a diferença”. Além disso, existem outros pontos a ter em conta na questão da gestão dos fluxos migratórios que não apenas uma triagem para “diferenciar o que é diferente”.
Nuno Melo opta por destacar mais quatro pontos: um é o financiamento, já que acredita que os custos de acolhimento dos refugiados e imigrantes devem ser partilhados no Espaço Schengen. “Não é aceitável que os países que sofrem a maior pressão tenham de suportar custos por razão da sua geografia”, afirma. Outro, igualmente importante, prende-se com a necessidade de “haver um tratamento condigno daqueles que acolhemos”, e a curto prazo.
“Depois, há obviamente a questão do patrulhamento marítimo mas também o patrulhamento de fronteiras”, afirma, para concluir também: “Nunca resolveremos o problema dos refugiados sem que os grandes conflitos, designadamente no Médio Oriente, e pulsões de conflito no norte de África e em muitas regiões da África Subsariana tenham um fim. Ou pelo menos tenham um controlo razoável”.
Para Ângelo Alves, do PCP, partido que conta com três deputados no Greens/EFA, a Comissão Europeia “não dá nenhuma resposta à questão dos fluxos migratórios”. A Europa “tem meios, tem perfeitas condições para acolher muito mais refugiados”, defende o membro do Comité Político, que acredita que a solução passa mais pelo último ponto referido por Nuno Melo do que pelos restantes. A resposta “passa por inverter completamente a política externa da União Europeia”, acrescenta.
GUE/NGL: Reforçar a “soberania dos povos”
Ângelo Alves, do PCP, não deixou dúvidas ao ECO acerca da posição do partido no que toca à União Europeia: precisa de ser reconstruída de raiz. E grande parte do problema é o que veem como o “esmagamento da soberania dos povos”, resultado de um “processo de imposição, de chantagem, a que estamos constantemente a ser sujeitos”. Para o membro do Comité Central do PCP, é preciso acabar com a União Económica e Monetária, “seja por decisão de todos”, seja “pelo grau de insuportabilidade, pela decisão de um país”.
“É possível haver alterações na Europa”, reconhece. “Mas isso passa por derrotar primeiro a União Europeia, para se construir um outro quadro de relacionamento e cooperação entre estados e entre povos. É a grande reforma que é preciso fazer”. A ideia é que a União Europeia possa falar a uma só voz, sim, mas “essa voz tem de ser a real convergência dos interesses dos povos”, e não “a voz do capital financeiro, do diretor das potências, a voz da Alemanha”.
Nuno Melo, do PPE, referiu também a importância de criar uma convergência e sentimento de pertença entre os cidadãos dos diferentes Estados-membros. “Mais do que a sensação, a convicção de pertença”, enfatiza. “As instituições europeias têm de ser capazes de a recriar para que os povos se mobilizem”.
Notícia corrigida às 19:40: Corrige imprecisões acerca dos grupos parlamentares em que se integram os eurodeputados portugueses.
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