Vai ao Mundial do Qatar? Saiba o que (não) pode fazer
Beber álcool, só em determinadas horas e locais. Usar roupa que não mostre muita pele. Não demonstrar muitos afetos em público. Saiba as regras e leis a cumprir no Qatar durante o Mundial de futebol.
O Mundial 2022 começa este domingo. E, pela primeira vez, a maior e mais importante competição a nível futebolístico decorre num país muçulmano — o Qatar — onde são esperados mais de um milhão de visitantes.
Mas a prova está a ser marcada pelas críticas à violação dos direitos humanos na nação islâmica, desde abusos aos trabalhadores que construíram os estádios ao longo dos últimos anos (sobretudo migrantes) à desigualdade das mulheres e da comunidade LGBT+ face aos homens, bem como às restrições à liberdade de imprensa e de expressão.
Também face a estas restrições no campo dos direitos humanos, contrariamente a provas anteriores da modalidade rainha, os adeptos que se deslocarem ao país nas próximas semanas estarão sujeitos a uma série de regras e costumes estritos que, se não forem cumpridos, podem mesmo originar multas pesadas ou até prisão.
Álcool? Só em certos horários e zonas designadas para adeptos
O Qatar tem regras apertadas para o consumo de bebidas alcoólicas, que, por norma, só é permitido a pessoas a partir dos 21 anos em certos hotéis e restaurantes, não sendo vendido em supermercados. Contudo, foram criadas algumas exceções para o Mundial. Segundo o país organizador, será permitida a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em determinados horários e em zonas designadas especificamente para os adeptos.
Um dos locais previstos eram “áreas selecionadas dentro dos estádios”, onde seria possível comprar e consumir álcool até três horas antes e uma hora depois dos jogos, mas não durante. Contudo, a FIFA anunciou na sexta-feira a proibição de venda de cerveja com álcool também nos estádios, na sequência de um pedido que terá partido da família real do Qatar. A Budweiser, parceiro oficial da prova, apenas poderá comercializar a “Bud Zero”, a sua cerveja sem álcool, nos recintos da competição.
E atenção: um litro de cerveja chega a custar cerca de 13 euros.
Assim, a venda de bebidas alcoólicas será restrita às fan zones. Uma delas, a “fan festival”, tem capacidade para 40.000 adeptos em Doha, capital do país, onde o consumo de bebidas alcoólicas será permitido a partir das 18h30. No evento “Arcadia Spectacular” — um festival com “artistas e DJ de renome internacional” –, os adeptos poderão beber álcool quase 24 horas por dia, entre as 10 horas e as 5 horas do dia seguinte.
Qualquer consumo de álcool fora desses locais e horários será penalizado. Quem beber em público pode mesmo ser multado num valor equivalente a 800 euros ou incorrer numa pena de prisão de até seis meses. Além disso, em declarações à estação de televisão britânica Sky News em outubro, o organizador principal do torneio, Nasser Al-Khater, disse, sem fornecer mais detalhes, que os adeptos embriagados poderão ser levados para “um lugar para ficar sóbrios”.
Drogas não, fumar sim (em alguns locais)
O tráfico, posse ou consumo de drogas tem “tolerância zero” no Qatar. Qualquer pessoa apanhada a traficar droga no país pode enfrentar 20 anos de prisão, mais uma multa de entre 100.000 rials do Qatar (cerca de 26.600 euros) e 300.000 rials (cerca de 79.800 euros). Aqueles que sejam reincidentes podem ser condenados a prisão perpétua ou, no limite extremo, a pena de morte.
A distinção entre tipos de drogas é pouca: a posse de marijuana é tratada de forma tão estrita como a posse de cocaína ou heroína. Não obstante, fumar é permitido, ainda que em alguns locais seja proibido. Os cigarros eletrónicos não são legais e nem sequer podem ser trazidos para o país.
Dress code: Sem muita pele à mostra
A cultura islâmica conservadora está bem marcada também no modo de vestir. Os turistas devem vestir-se “com modéstia”. Para as mulheres — que no Qatar não precisam de cobrir o cabelo, apenas quando visitam mesquitas –, isto significa que devem evitar mostrar demasiada pele em público, sobretudo ombros, antebraços e joelhos, evitando roupa justa e translúcida. Os homens, por outro lado, normalmente usam calças compridas e camisolas.
Contudo, esta regra muda quando se está em áreas privadas. Nas piscinas dos hotéis, por exemplo, é permitido usar biquíni. Na praia, é necessário verificar o código de vestuário. Normalmente, são permitidos calções, mas não camisas de mangas curtas. O uso de biquíni não é recomendado nas praias públicas.
Note-se ainda que, nos estádios, os adeptos estão proibidos de despir a camisola. Os recintos desportivos estão devidamente equipados para o controlar, como descreve a France Presse: com milhares de câmaras de alta qualidade com reconhecimento facial.
Lei pode “silenciar” protestos
A realização do campeonato do mundo de futebol no Qatar tem sido marcada por controvérsias, devido a suspeitas de corrupção e suborno na escolha do país para acolher a competição, bem como à falta de direitos humanos. São várias as organizações e seleções que já se manifestaram contra a nação muçulmana, mas quem protestar contra as leis do país pode enfrentar uma pena de prisão de até cinco anos e uma multa de 100.000 rials (cerca de 26.600 euros).
De acordo com a Amnistia Internacional, a terminologia “vaga” da legislação, que foi reforçada em janeiro de 2020, “pode silenciar o protesto pacífico”. O artigo 136.º do código penal do Qatar estabelece que os afetados incluem “quem difundir, publicar ou republicar rumores falsos ou tendenciosos, declarações, notícias ou propaganda inflamatória, a nível interno ou externo, com a intenção de prejudicar interesses nacionais, agitar a opinião pública, ou infringir o sistema social ou o sistema público do Estado”.
Não há certezas de que as autoridades do Qatar punirão os estrangeiros na mesma medida que os seus próprios cidadãos. Os ativistas devem obter uma autorização do Ministério do Interior do país para poderem protestar pacificamente, mas raramente isso é concedido pelo Governo catari.
Simultaneamente, a lei não se aplica apenas ao protesto físico, mas também ao “cibercrime” e à “impressão e publicações”. A Lei dos Crimes Cibernéticos de 2014 pune a divulgação de “notícias falsas online” com uma pena de prisão máxima de três anos. Também aqui a terminologia é vaga, proibindo publicações que “violam valores ou princípios sociais” ou “insultam e difamam os outros”.
Demonstrações de afeto podem dar prisão
Um dos principais argumentos contra a realização do Mundial no Qatar é o facto de considerar a homossexualidade ilegal, podendo ser punível com pena de morte. Mas as restrições não se limitam à homossexualidade: por exemplo, tocar numa mulher com quem não se é relacionado pode dar multa.
Em 2013, Hassan Al-Thawadi, secretário-geral da entidade organizadora da prova, foi criticado por dizer que todos eram bem-vindos ao evento, desde que se abstivessem de demonstrações públicas de afeto. Isto porque até manifestações de afeto em público como beijar e abraçar são proibidas no país; apenas andar de mãos dadas é minimamente tolerado.
Ao mesmo tempo, homens e mulheres que não sejam casados não podem, por norma, viver juntos. No entanto, as autoridades disseram que durante o Mundial será permitido que namorados ou amigos partilhem o mesmo quarto de hotel, independentemente da sua sexualidade. Já a lei que proíbe relações sexuais fora do casamento será aplicada mesmo durante a competição e qualquer ato considerado “excessivamente íntimo” poderá levar a detenções.
Para verificar se será mesmo assim, jornalistas noruegueses, suecos e dinamarqueses fizeram uma espécie de teste. Em maio deste ano, contactaram 69 hotéis na lista oficial de hotéis da FIFA, fingindo serem casais homossexuais recém-casados: três hotéis não aceitaram a sua tentativa de fazer reservas, enquanto outros 20 lhes pediram que evitassem demonstrar publicamente a sua sexualidade.
Adicionalmente, as bandeiras arco-íris, tipicamente associadas aos movimentos LGBT+, poderão ser confiscadas. Em abril, o major-general Abdulaziz Abdullah al-Ansari, um líder da segurança do Qatar, alegou que será para proteger os adeptos da discriminação e violência por parte das pessoas anti-LGBT+.
Atenção às asneiras e gestos obscenos
As boas maneiras são essenciais em qualquer lugar. Mas num país muçulmano como o Qatar há alguns costumes a ter em conta. Por exemplo, pessoas do mesmo sexo cumprimentam-se com apertos de mãos, enquanto pessoas de sexos opostos saúdam-se sem se tocar, sendo de evitar fazer perguntas pessoais.
Para entrar numa mesquita, os visitantes devem tirar os sapatos. Importa também ter em mente que, no Qatar, o primeiro dia da semana é domingo, o fim de semana é sexta-feira e sábado e o dia sagrado é sexta-feira, pelo que os bancos e outros serviços estarão fechados.
Em restaurantes, deve chamar o empregado de mesa levantando a mão e não apenas o seu dedo indicador, algo visto como ofensivo na sociedade islâmica — e o nosso “fixe” (polegar levantado) é considerado um gesto obsceno. Cuspir para o chão, urinar em público e dizer palavrões pode acabar em prisão, enquanto deitar lixo ao chão dá direito a uma multa no valor de cerca de 2.800 euros.
Cuidado com as fotografias!
Sim, também há regras para tirar fotografias no Qatar. Sempre que uma pessoa quiser fotografar algo, deve pedir autorização com antecedência. Por exemplo: tirar fotografias de pessoas num local público é considerado uma ofensa grave. É ainda proibido fotografar ou filmar polícias, zonas industriais e de construção ou edifícios governamentais e militares.
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