Festa agora só no Natal
Nada me alegra neste Campeonato, nem mesmo as suas campanhas publicitárias. E atenção que boa publicidade é a coisa que mais gosto me dá ver.
O primeiro Mundial que me lembro de assistir foi o de 1978 na Argentina, vivia eu no Brasil com os meus pais, por sorte estava no país vizinho de quem organizava o Mundial e vivia num país onde a Copa é uma verdadeira festa. Logo aos 8 anos, foi uma experiência única.
Mesmo muito novo lembro-me de algumas polémicas, como por exemplo a Argentina ser uma ditadura ou o facto de Argentina precisar de ganhar por seis golos de diferença ao Peru para ir à Final do Mundial – tirando ao próprio Brasil esse lugar na Final – e a verdade é que a Argentina acabou mesmo por ganhar 6-0 com alguns golos muito permitidos. Não sei se era por ser ainda criança mas nada disso importou e tudo aquilo foi uma festa e um ambiente fabuloso. Nunca mais me esquecerei.
Dois anos depois vim para Portugal e desde aí já assisti a mais 10 Mundiais, alguns deles ao vivo, e a verdade é que todos eles sempre num ambiente de festa como quando estava no Brasil, se bem que lá são bastante mais fanáticos do que nós europeus.
Sempre foi uma festa porque o Mundial é mesmo isso, o Mundial é uma gigantesca “party” em que não precisamos fazer um “save the date” porque todos sabemos quando é. É uma mega festa que só acaba 1 mês depois e é uma festa não só no país onde são jogados todos os jogos mas também em todo o mundo.
Durante as fases finais dos mundiais há sempre um ambiente diferente, não sei bem explicar mas é especial. As pessoas estão mais felizes, estão mais otimistas.
Posso ser só eu mas não conheço uma pessoa que não reconheça a alegria em torno de uma Fase Final do Mundial.
Já este Mundial no Qatar 2022 é totalmente diferente.
Mesmo antes de tudo começar o ambiente já tem sido muito diferente, uma coisa escura, polémica, depressiva… Sempre houve muita coisa negativa que rodeou este Campeonato no Qatar, como sabemos nenhum de nós se dá bem com isso. O negativo traz ainda mais negativo.
Mas depois de tudo a hora está a chegar. Não é que que nos apeteça muito que essa hora chegue, pelo menos a mim nem me apetece assim tanto e nem tenho pensado muito nisso.
Como a todos, a mim apetece-me ver a minha Seleção jogar, a minha e mais uma duas seleções de que sempre gostei, mas de resto nem sei se verei mais do que isso, e logo eu um fanático do desporto.
Infelizmente acho que este meu sentimento é comum a muitas outras pessoas. Ainda por cima estamos a meio de novembro, o Campeonato do Mundo vai durar quase até ao Natal, tudo isto é esquisito demais!
Mas acho que todo este sentimento vem do que aconteceu e continua a acontecer no Qatar.
A quantidade gigantesca de trabalhadores migrantes que morreram naquele país, os relatos dessas mortes de que tivemos conhecimento, as ameaças que os familiares dessas mesmas vítimas continuam a receber para não exigirem as compensações que lhes são devidas, a chantagem para essas famílias ficarem caladas, as declarações feitas por um embaixador do Campeonato do Qatar, etc … É tudo mau demais! Não há palavras!
Independentemente de me apetecer ver Portugal, de ver o último Mundial de um dos melhores (senão o melhor) jogador do mundo que é Cristiano Ronaldo, de ver o meu Brasil, mesmo com tudo isto eu pessoalmente não me importava nada que este Mundial simplesmente desaparecesse.
Nada me alegra neste Campeonato, nem mesmo as suas campanhas publicitárias. E atenção que boa publicidade é a coisa que mais gosto me dá ver.
Não vou falar muito da Campanha que o MEO e Amnistia Internacional puseram agora no ar porque sou suspeito, mas acho que é a única maneira de se fazer uma campanha para este Mundial.
Não há outra maneira, simplesmente não há outra forma de comunicar neste momento sem meter o dedo na ferida, porque se as marcas o fazem, sem falar no elefante da sala, ficam uma espécie de umas marcas plásticas, não humanas, frias.
São as próprias marcas a dizerem-nos que não se interessam com as milhares de pessoas que perderam a vida, marcas que se estão a marimbar para a mais simples e essencial coisa que temos: os nossos direitos humanos.
Nunca se viu fazer uma campanha para celebrar a guerra entre a Rússia e Ucrânia que faz milhares de mortos, nunca se viu fazer uma campanha para celebrar um Tsunami onde centenas de pessoas perdem a vida… Porquê? Porque ninguém faz campanhas quando catástrofes acontecem. Então, por que carga de água se fazem campanhas para este Mundial? Temos que ser honestos connosco próprios, o que aconteceu no Qatar foi uma catástrofe.
Tenho pena das marcas que são patrocinadoras oficiais deste evento. Adidas, Coca-Cola, Budweiser, McDonalds, etc … Mas, pensando bem, e depois de ter visto o novo documentário da Netflix afinal não tenho pena nenhuma. Quando se vê que por exemplo uma marca como a Adidas foi uma das entidades que ajudou a começar a corrupção no futebol e na FIFA, deixo de ter pena e acho que afinal cada um tem o que merece.
Como também não tenho pena nenhuma da quantidade de líderes políticos deste mundo que vão ao Qatar marcar presença e ver os jogos ao vivo, até porque eles vão rir-se às gargalhadas quando virem os seus próprios adeptos marionetes, depois de serem ‘brifados’ pelas pessoas do Qatar de como supostamente recebem os visitantes, falam dos seus países de origem, a ensaiarem a falar portunhol, a dar entrevistas, etc…
Há algum tempo que não tinha vergonha alheia, mas voltei a ter quando vi esse espetáculo de miséria nas televisões e nas redes sociais, estou para ver quando os nossos grande líderes chegarem ao Qatar e forem recebidos por “portugueses”, vestidos com túnicas com a palavra Portugal escrita nas vestes, a falarem meio espanhol e de aspeto qatariano “venga venga senor presidente, nosotros somos portugueses de Braga.”
Este Mundial nunca deveria ter existido e, mesmo agora quase a chegar, não deveria existir. Todos o devíamos apagar. Um Mundial numa ditadura na Argentina, um Mundial na Rússia, são uma brincadeira comparado com tudo o que aconteceu e com o que ainda continua a acontecer.
Espero sinceramente que este Mundial nos sirva a todos de lição e que nos próximos possamos a voltar a viver em festa.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Festa agora só no Natal
{{ noCommentsLabel }}