Tribunal avalia suspensão do fim da fundação Coleção Berardo. Defesa diz que “não é lícito o Estado roubar uma coleção de arte”

Providência cautelar interposta pela defesa de Berardo foi aceite pelo Supremo Tribunal Administrativo. O ECO teve acesso ao pedido e a respetiva argumentação. Ação é contra a PCM.

A defesa de Joe Berardo apresentou uma nova providência cautelar que contesta a decisão que extinguiu a Fundação Coleção Berardo. Mas, desta vez, a mesma foi aceite pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA). Agora, o Governo tem dez dias — a contar a partir de dia 2 — para contestar este pedido.

A peça processual que está agora a ser avaliada pelo STA — e a que o ECO teve acesso — defende que esta extinção não visa qualquer interesse público, nem mesmo o de “limpar o ordenamento de instituições fantasmas”, já que o Governo afirma “que pretende continuar a garantir a exposição ao público das obras da Coleção Berardo, no CCB”. E acusa que o objetivo foi apenas o de “virar a página em relação ao senhor Berardo”. Alertando o poder político de que a defesa do interesse público “se deve fazer com respeito pelo Direito e pela Constituição”, vai mais longe ao dizer que pode “entender-se que é de interesse público o Estado ter uma boa coleção de arte moderna e contemporânea. Mas não se pode admitir que, por isso, seja lícito ao Estado «roubar» uma”.

A providência cautelar — que pretende suspender a extinção da Fundação Coleção Berardo aprovada em dezembro em decreto-lei — foi pedida pela Associação Coleção Berardo e por Joe Berardo, juntando como parte interessada neste processo a Fundação Centro Cultural de Belém (CCB), contra a Presidência de Conselho de Ministros. O texto, preparado pelo advogado Henrique Abecasis, relembra ainda que “a opinião de que inexiste o fundamento invocado para a extinção da Fundação é partilhada pelo Conselho Consultivo das Fundações, que não foi favorável à sua extinção”.

Já esta quinta-feira, horas depois de saber desta providência cautelar, o Governo reagia, em Conselho de Ministros, com uma “resolução fundamentada que declara o interesse público na execução do ato de extinção da Fundação Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo”. Uma declaração de interesse público que permite ao Executivo argumentos legais mais fortes para enfrentar o pedido de Berardo para a não extinção da fundação. A resolução pretende, por um lado, que a extinção não seja suspensa e ainda a inibição dos poderes dos administradores da fundação, presidida, a título honorário e vitalício, pelo próprio Joe Berardo, enquanto se procede à nomeação da respetiva comissão liquidatária.

O despacho, assinado pelo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, invoca a defesa do interesse público para impedir “qualquer atuação, por parte do conselho de administração, que impeça ou dificulte a atividade da comissão liquidatária a nomear”.

Em dezembro, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, a extinção da Fundação Coleção Berardo, por decreto-lei. A decisão de acabar com o acordo entre o Estado e esta fundação foi comunicada em maio passado pelo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva. Que esclarecia que seria criada uma comissão liquidatária responsável por “assegurar o cumprimento do destino” dos bens da Fundação Coleção Berardo.

“O Conselho de Ministros aprovou, de forma eletrónica, o decreto-lei que procede à extinção da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo (FAMC-CB)”, lia-se no comunicado do Conselho de Ministros de finais de dezembro.

A Fundação Coleção Berardo, instalada no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, nasceu em 2006, “com o fim principal de constituir o Museu Coleção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea, com base no acervo permanente da Coleção Berardo (…) e de manter, preservar e promover a referida coleção, o que veio a acontecer em junho de 2007″, refere o mesmo comunicado.

A 26 de maio do ano passado, o ministro da Cultura “denunciou o comodato da Coleção Berardo, com efeitos a 1 de janeiro de 2023″. Assim, a partir de 2023, esgotava-se “o fim principal para o qual a FAMC-CB foi instituída”.

À data, o Governo notava que a extinção da Fundação Coleção Berardo não colocava “em causa as relações laborais existentes, assumindo a Fundação CCB os contratos individuais de trabalho” da Fundação Coleção Berardo. A Fundação do CCB passava, assim, a “reassumir a plena posse e gestão do centro de exposições”.

Já em maio do ano passado, quando Adão e Silva anunciou a intenção de extinguir a Fundação Coleção Berardo, justificava a decisão tendo em conta a “incerteza que decorre de vários processos” judiciais. Um desses processos, interposto pelo Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos e BCP, decretou o arresto das obras de arte em julho de 2019, numa tentativa de recuperar uma dívida de mais de 962 milhões de euros.

“Manteremos a Coleção Berardo e, na altura, quando os tribunais tomarem uma decisão definitiva sobre quem é o legítimo proprietário, [o Estado] estará disponível para negociar um novo protocolo com o legítimo proprietário. No momento atual, o que nos parece melhor em termos de interesse público é a denúncia do protocolo”, disse o ministro da Cultura em maio, em conferência de imprensa.

Em relação às cerca de 800 obras de arte da Coleção Ellipse, — propriedade do falido Banco Privado Português (BPP) –, o Governo irá comprá-las e acredita que, este ano de 2023, estarão já em fruição pública.

“Pode entender-se que é de interesse público o Estado ter uma boa coleção de arte moderna e contemporânea. Mas não se pode admitir que, por isso, seja lícito ao Estado ‘roubar’ uma”

Henrique Abecasis, advogado de Joe Berardo

O que alega esta providência cautelar?

  • A extinção da FAMC (Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo) “não resulta de qualquer impossibilidade lógica da sua continuação em virtude da extinção do comodato – extinção do comodato que, caso tivesse ocorrido, teria sido provocada pela mesma entidade que depois, com base nela, visa extinguir a Fundação. Fazer o mal e a caramunha…”;
  • “O Governo não visa a prossecução de qualquer interesse público ao extinguir a FAMC, nem mesmo o de “limpar” o ordenamento de instituições fantasmas”;
  • O Governo “reiteradamente afirma que pretende continuar a garantir a exposição ao público das obras da Coleção Berardo, no CCB. A extinção da FAMC não é, em nada, útil ou necessária a um tal fim – antes pelo contrário”;
  • Pretendendo que as obras da Coleção Berardo se mantenham em exposição, “nos moldes em que o estão atualmente, o Governo teria uma solução muito simples: nada fazer. O comodato renovava-se, a FAMC continuava a sua atuação. Nada precisava mudar, pelo menos enquanto não fosse conhecido o destino do arresto”;
  • Portanto, “não foi o interesse público na continuidade da fruição pública da Coleção Berardo que determinou a prática do ato. Foi, sim, o intuito, confessado, de “virar a página em relação ao sr. Berardo”;
  • “É preciso ter em conta que mesmo a defesa do interesse público se deve fazer com respeito pelo Direito e pela Constituição”;
  • Pode entender-se que é “de interesse público o Estado ter uma boa coleção de arte moderna e contemporânea. Mas não se pode admitir que, por isso, seja lícito ao Estado ‘roubar’ uma”;
  • “O intuito, populista e demagógico, de fazer acabar o tempo de Joe Berardo, ao mesmo tempo que se apresenta ao povo uma exposição de obras de arte integradas num novo museu estatal, é o verdadeiro fim prosseguido com a prática do ato da extinção”;
  • “Ao que tudo indica, o Estado prepara-se para, a partir de 1 de janeiro de 2023, extinguir o Museu Berardo, alterando a sua designação e fazendo nele integrar obras provenientes de outras coleções”;
  • O ato de extinguir a Fundação está, assim desde logo, “ferido de violação de lei e erro nos respetivos pressupostos de facto e de direito, porquanto não se verifica qualquer das causas de extinção legalmente prescritas na lei”. E não existe “porque o verdadeiro motivo é outro – a vontade de fazer terminar o tempo do Sr. Berardo e a sua influência no destino da Coleção que criou. Com o objetivo único de o Estado se apoderar das obras, integrando-as na coleção estatal”;
  • O Governo defende a criação “do que chama de «nosso museu» e seria feito à custa da Coleção Berardo, à qual juntaria a Coleção Ellipse, num ‘cocktail’ sem critério que desvaloriza e coloca em causa a integralidade da Coleção Berardo, que se encontrava garantida nos termos do decreto-lei que instituiu a FAMC”;
  • Sendo a FAMC, “como já alegado, gerida por um conselho de administração em que estão representados, em paridade, «elementos Estado» e «elementos Berardo», a existência da FAMC implica que o Museu Berardo seja gerido também por «elementos Berardo» (o que não deveria gerar qualquer espanto, pois as obras da Coleção Berardo pertencem à Associação Coleção Berardo)”;
  • Com a sua atuação,”o Governo pretende afastar a FAMC – logo, também os «elementos Berardo» da gestão da coleção e do Museu, passando esta gestão a ser feita apenas pela Fundação Centro Cultural de Belém, instituição que o Estado domina totalmente”.

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