Inflação recorde traz memórias da Primeira Guerra Mundial

Depois de em 2022 a taxa de inflação ter registado um valor recorde em 30 anos, o economista Ricardo Ferraz olha para a História e antecipa que "dificilmente voltaremos a ter preços como antes."

A inflação e o arrefecimento da economia são o “custo da invasão da Ucrânia para os europeus”, refere Ricardo Ferraz, investigador no ISEG – Lisbon School of Economics & Management que tem vindo a estudar os custos de Portugal nas duas principais guerras do século XX em que o país esteve envolvido.

O economista, que acabou de lançar um paper sobre os custos económicos da Primeira Guerra Mundial em Portugal publicado na revista European Review of Economic History refere que, nessa altura, a inflação era causada pela “forma como a guerra era financiada e também pela escassez de produtos essenciais”, já que Portugal tinha grandes dependências do exterior em produtos como cereais e carvão.

Este processo inflacionista “continuou a ser um problema até 1924 porque houve uma crise de confiança na moeda portuguesa e a política de financiamento continuou a depender dos empréstimos”, explica o investigador.

Ferraz não faz paralelismos entre esse período histórico e o momento que vivemos atualmente com a invasão da Ucrânia. No entanto, sublinha a taxa de inflação média anual de 7,8% registada no ano passado em Portugal, que alcançou o valor mais elevado desde 1992. “Devemos ter alguma precaução e continuar a analisar” a evolução da inflação, aponta o economista, antecipando que “dificilmente voltaremos a ter preços como antes.”

Parte dessa realidade prende-se com a contínua existência de bloqueios económicos que provocam danos profundos nas cadeias de produção e o congelamento do comércio internacional. Algo que se revelou bem mais severo há um século.

Numa situação de conflito geopolítico como uma guerra, “quanto mais abertas forem as economias e mais dependentes forem de um determinado mercado, mais afetadas serão”, explica o economista, lembrando que no período da Primeira Guerra Mundial, “Portugal estava fortemente dependente de um conjunto de produtos essenciais que acabaram por aumentar brutalmente de preço.”

Ricardo Ferraz, investigador no ISEG – Lisbon School of Economics & Management e professor na Universidade Lusófona.

Estudar o passado para antecipar o futuro

Para Portugal, a Primeira Guerra Mundial teve um custo económico de cerca de 5 mil milhões de euros aos preços de hoje, variando entre cerca de “4% a 12% do PIB” ao ano, calcula Ferraz, sublinhando que “apesar de a guerra ter significado consequências muito dramáticas, Portugal foi dos países que menos gastou em percentagem do PIB.”

O economista compara a despesa realizada por Portugal com os 46% do PIB gastos pela França ou os 42% do PIB por parte do Reino Unido, por exemplo. A ideia de que Portugal “gastou menos mas ainda assim foi uma catástrofe” para a economia, “tem muito a ver como os défices foram financiados”, sublinha.

“Desde a declaração de bancarrota parcial em 1892, Portugal estava impedido de aceder aos mercados financeiros internacionais”, recorda, sendo que “as receitas do Estado nos últimos anos eram insuficientes para cobrir a despesa militar”. Assim, “grande parte dos défices foi financiada por empréstimos junto do Banco de Portugal que aumentou a massa monetária do país”.

Ferraz recorda que, na altura, registou-se um aumento de “quase 200% no nível geral de preços e uma desvalorização de 39% do escudo face à libra: foi esta desvalorização que representou um dos principais custos da intervenção militar portuguesa”, explica.

Cartoon sobre a inflação, Ilustração Portugueza (1920)Hemeroteca Municipal de Lisboa

O impacto da guerra foi particularmente sentido nos anos seguintes ao seu término, sendo que “uma das principais consequências desta guerra foi que, politicamente, deixou marcas profundas no regime, que acabou por cair”, tendo tido também significativas “consequências económicas”.

Ferraz nota, por exemplo, uma correlação negativa entre os gastos com a guerra e o crescimento económico: “a cada aumento de 1 ponto percentual no crescimento das despesas da guerra estiveram associadas, em média, diminuições de 0,21 pontos percentuais da taxa de crescimento do PIB per capita.”

A investigação de Ferraz revela ainda que a Primeira Guerra Mundial terá consumido cerca de 50% da despesa do Estado entre 1914 e 1918. No entanto, se observarmos a evolução do “PIB real para um conjunto de países, vemos que a partir do momento em que Portugal entra na guerra há uma queda muito pronunciada do PIB, enquanto para outros países foi sendo gradual”.

Despesas militares e saldo orçamental em Portugal (em percentagem do PIB).

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