Brasil e Argentina avançam com preparação de uma moeda comum

Países vão "começar a estudar os parâmetros necessários para uma moeda comum, que inclui desde questões fiscais até o tamanho da economia e o papel dos bancos centrais".

O Brasil e a Argentina vão iniciar os trabalhos preparatórios para uma moeda comum, avança o Financial Times (acesso condicionado, conteúdo em inglês). O plano será discutido numa cimeira em Buenos Aires e o anúncio deverá surgir ainda esta semana, durante a visita do presidente brasileiro Lula da Silva à Argentina.

“Haverá uma decisão de começar a estudar os parâmetros necessários para uma moeda comum, que inclui desde questões fiscais até o tamanho da economia e o papel dos bancos centrais”, disse o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, ao jornal britânico.

Os Estados vão discutir como uma nova moeda, que o Brasil sugere chamar de “sur” (sul), poderia impulsionar o comércio regional e reduzir a dependência do dólar americano. A ideia já tinha sido discutida por políticos de ambos os países em 2019, mas enfrentaram resistência do Banco Central do Brasil na altura.

Esta iniciativa está a ser estudada inicialmente apenas entre os dois países, mas a intenção será posteriormente ter um alargamento e convidar outras nações latino-americanas a aderir. Segundo os cálculos do FT, uma união monetária que abrangesse toda a América Latina representaria cerca de 5% do PIB global. Já a Zona Euro abrange cerca de 14% do PIB global, quando medido em dólares.

Apesar dos países estarem a avançar agora com as preparações, o projeto poderá levará muitos anos para se concretizar. Como salientou o ministro da Economia argentino, a Europa levou 35 anos para criar o euro. Agora que os dois países são governados por líderes de esquerda, há maior apoio político.

O comércio tem crescido entre os dois países, mas os benefícios de uma nova moeda comum são mais óbvios para a Argentina. A inflação anual no país está próxima de 100%, enquanto o banco central imprime dinheiro para financiar os gastos. Durante os primeiros três anos do presidente Alberto Fernández, a quantidade de dinheiro em circulação pública quadruplicou e a nota de maior valor vale menos de três dólares na taxa de câmbio mais usada.

O anúncio oficial deverá surgir durante a visita do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina, que começa este domingo, a primeira viagem internacional desde que assumiu o poder em 1º de janeiro.

Lula reconstrói liderança regional ao protagonizar cimeira latino-americana

O Presidente Lula será o protagonista da cimeira dos países latino-americanos, assinalando o regresso do Brasil ao espaço diplomático regional, após os recentes ataques antidemocráticos em Brasília e ao vazio de um líder influente na América Latina, que Lula pretende preencher.

“Quer seja pela hierarquia do Brasil na América Latina, quer seja pelos ataques antidemocráticos aos poderes em Brasília em 08 de janeiro, quer seja pela importância de Lula, o Brasil será protagonista na CELAC. O que vamos ver é a reconstrução da influência de Lula como líder regional”, indica à Lusa o analista político argentino, Sergio Berensztein.

Na próxima terça-feira (24), reúnem-se em Buenos Aires os 33 países da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) cuja Presidência rotativa é exercida pela Argentina.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega neste domingo (22) à Argentina para uma visita oficial no dia seguinte, antes do início da cimeira na terça-feira. A viagem à Argentina marca um retorno do Brasil à tradição bilateral de fazer a primeira viagem de estado após a eleição. A tradição, abandonada pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro em 2019, existe desde que Brasil e Argentina se tornaram no eixo da integração regional em meados dos anos 1980.

“Lula será a grande figura de tudo isto. Será como Messi a receber a taça. E todos os demais chefes de Estado a jogar para ele. Diria que é uma reunião feita à medida de Lula para o seu regresso ao cenário internacional, tentando recuperar liderança. Numa região sem lideranças que tenham influência, não há nenhum outro líder nem nenhum outro país na região que lhe faça sombra”, explica Berensztein. “Além desse vácuo de lideranças regionais, o Brasil é hoje o único país em condições de liderar a região”, acrescenta.

O analista argentino Rosendo Fragaacrescenta que Lula vai procurar essa liderança para se tornar o representante da América Latina nas organizações internacionais sob a premissa de que os atores globais lideram as suas regiões. “Essa representatividade nos foros internacionais busca funcionar como a plataforma de inserção internacional do Brasil no contexto dos líderes globais”, aponta à Lusa Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos União para a Nova Maioria.

Essa lógica foi descrita pelo próprio Presidente Lula no seu discurso de posse no Parlamento brasileiro em 01 de janeiro. “Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da Unasul e demais instâncias de articulação soberana da região. Sobre esta base poderemos reconstruir o diálogo altivo e ativo com os Estados Unidos, a Comunidade Europeia, a China, os países do Oriente e outros atores globais, fortalecendo os BRICS, a cooperação com os países da África e rompendo o isolamento a que o país foi relegado”, disse Lula.

Outro protagonista na Cimeira da CELAC será o venezuelano Nicolás Maduro, que estará em Buenos Aires. Maduro ensaia uma saída do isolamento internacional a partir da dolarização da economia e nova relevância da produção petrolífera da Venezuela como consequência da crise energética do mundo provocada pela guerra na Ucrânia. O Governo dos Estados Unidos está em plena negociação para a retirada de sanções económicas.

“Lula chega com legitimidade”, mas o caso da Venezuela é diferente: “Simplesmente foi o preço do petróleo que permite um regresso de Nicolás Maduro à cena internacional enquanto a oposição venezuelana desperdiçou uma oportunidade fabulosa. A reunião em Buenos Aires vai passar por Lula em primeiro plano e por Maduro graças ao contexto energético. O Brasil pelo poder; a Venezuela pela energia”, compara Sergio Berensztein.

As diplomacias de Brasil e Venezuela trabalham nestas horas por uma confirmação de uma reunião bilateral entre Lula e Maduro na terça-feira (24), após a conclusão da CELAC. Brasil e Venezuela estão próximo de restabelecerem relações diplomáticas com a reabertura da Embaixada do Brasil em Caracas, depois da rotura durante o Governo Bolsonaro.

“O Governo do presidente Lula vem com esse propósito muito claro de privilegiar o caminho da negociação, do diálogo, de buscar pontos de entendimento”, esclareceu o secretário das Américas da Diplomacia brasileira, Michel Arslanian Neto. A CELAC também será um espaço para contradições. Enquanto todos os países da região condenam os ataques antidemocráticos no Brasil, não há menções oficiais contra os regimes autoritários de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Até mesmo o Governo argentino tenta destituir a Corte Suprema.

“A CELAC nunca foi um espaço para defender a democracia senão não teria sido criada por Hugo Chávez. Haverá discursos em defesa da democracia. O problema é que os governos da região defendem, por exemplo, o destituído peruano Pedro Castillo, quando Castillo tentou um golpe de Estado. Foi o Bolsonaro peruano”, critica Berensztein.

Esse tipo de contradição não escapa ao Governo Lula que prefere outra tática em oposição à linha dura estabelecida pelo antecessor Jair Bolsonaro. “Há diferenças de posição. Há problemas questionáveis. Mas o caminho para resolvermos os problemas é na base do diálogo e da busca de pontos de entendimento. E com essa noção de que o nosso espaço regional é fundamental para construir soluções”, argumenta o secretário brasileiro, Michel Arslanian Neto.

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