Conformidade ou greenwashing do setor financeiro no caminho para uma transição sustentável
A atual transição para uma economia circular sustentável, hipocarbónica e eficiente em termos de recursos está a mobilizar todos os setores.
A atual transição para uma economia circular sustentável, hipocarbónica e eficiente em termos de recursos está a mobilizar todos os setores. O setor financeiro destaca-se pelo papel que pode ter no redirecionamento dos fluxos financeiros em prol dessa transição, tal como destacado nas últimas duas Conferências das Partes sobre as Alterações Climáticas da ONU (COP26 e COP27).
Neste contexto, os principais stakeholders, como clientes e consumidores, investidores, reguladores, governos e colaboradores, esperam conhecer a pegada ambiental e social das instituições financeiras e a reorientação do seu propósito, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e com o Acordo de Paris.
Como forma de responder às inquietudes dos stakeholders e às pressões regulamentares, as organizações têm investido mais na comunicação das suas iniciativas sustentáveis e práticas ESG, embora, por vezes, de uma forma negativa. Efetivamente, esta tendência tem-se traduzido, também, num aumento de casos de greenwashing – um conceito que surgiu na década de 1980 para descrever uma situação de comunicação enganosa para a promoção de produtos, objetivos e políticas de uma organização, sobrevalorizando os seus benefícios (adaptado de Netto et al. 2020).
Em 2007, a TerraChoice publicou um relatório, que permanece atual e pertinente, onde identificou vários pecados cometidos pelas organizações e que culminam em práticas de greenwashing, nomeadamente, omissão de trade-offs, ausência de provas, imprecisão ou irrelevância da informação através do uso de afirmações exageradas, vagas ou pouco claras, promoção do menor dos males ou falsas afirmações, os quais resultam em práticas de ecobranqueamento em diferentes formatos, desde a publicidade aos eventos públicos.
Anteriormente associado a indústrias mais poluentes, o greenwashing é hoje uma sombra que paira, de forma transversal, sobre todos os setores, incluindo o setor financeiro enquanto motor do processo de transição. Esta alteração de paradigma deve-se, em parte, à maior consciencialização dos cidadãos-consumidores que assumem atualmente o papel de cidadãos-ativistas, identificando estas condutas menos éticas por parte das organizações.
Embora muitas das organizações empreguem estas táticas por desconhecimento, 50% das instituições financeiras acredita que alguns dos seus concorrentes estão deliberadamente a usar o greenwashing, para induzir em erro os clientes sobre a sua conduta ética, segundo um estudo global da iResearch. Além de enganoso, este posicionamento dificulta a comparabilidade entre instituições e produtos e, por conseguinte, a tomada de decisão dos stakeholders, impactando negativamente a reputação e credibilidade das organizações, com os consequentes impactos financeiros.
Um pouco por todo o mundo, os reguladores e supervisores aceleram, assim, o passo para desenvolver mecanismos de prevenção e combate ao greenwashing.
Na União Europeia (EU), a aposta tem sido na prevenção, com vários diplomas legais a surgir nos últimos três anos* que definem sobretudo regras de transparência 1) da informação sobre o desempenho, políticas e riscos de sustentabilidade ao nível das instituições, 2) sobre que atividades económicas e fluxos financeiros poderão ser considerados como ambientalmente sustentáveis, de modo a promover decisões de investimento conscientes e informadas e 3) sobre produtos e serviços financeiros, que deverão seguir as preferências de sustentabilidade expressas pelos clientes. Além disso, as três Autoridades Europeias de Supervisão Financeira (EBA, EIOPA e ESMA) preparam-se também para lançar potenciais políticas e supervisão das práticas de greenwashing.
Já o Reino Unido foi o primeiro país do G20 a exigir a divulgação da ação climática das maiores empresas em alinhamento com as recomendações da TCFD**. As declarações ambientais terão de obedecer ao Green Claims Code da Competition and Markets Authority (CMA) e, no final de 2022, a Financial Services Authority (FCA) propôs um pacote de novas medidas, incluindo rótulos de sustentabilidade de produtos de investimento e restrições na utilização de termos como “ESG”, “verde” ou “sustentável”.
Apesar da crescente regulamentação, esta mostra-se ainda insuficiente, dado que o greenwashing continua a aumentar. Vejamos os seguintes exemplos ocorridos em 2022.
A DWS, empresa de gestão de ativos subsidiária do Deutsche Bank, foi alvo de buscas nos seus escritórios sob supostas atividades de greenwashing, nomeadamente práticas de investimento fraudulentas rotuladas de sustentáveis. A ação em tribunal foi movida por um grupo de consumidores, tendo levado à demissão do CEO Asoka Woehrmann.
Hesta, um dos maiores fundos de pensões da Austrália, foi notificado pelo Australia’s Environmental Defenders Office por alegado financiamento a projetos de energia fóssil, não obstante o seu posicionamento como líder no combate às alterações climáticas.
Mais recentemente, a Advertising Standards Authority (ASA) – autoridade que regula a indústria publicitária no Reino Unido – baniu um conjunto de anúncios publicitários da HSBC focados em sustentabilidade com base em quarenta e cinco queixas de comunicação enganosa por parte dos consumidores. Os anúncios em questão destacavam os esforços da instituição na plantação de árvores e transição para Net Zero, mas omitiam informação sobre o seu papel no financiamento de combustíveis fósseis e desflorestação.
Apesar de não existirem, ainda, mecanismos legais de identificação de práticas de greenwashing na UE, há um conjunto de boas práticas recomendáveis que as instituições deverão adotar para prevenir danos reputacionais e financeiros: 1) definir compromissos que possam ser atingidos; 2) divulgar informação completa, séria, transparente e 3) alinhada com as expectativas dos investidores, clientes e dos demais stakeholders.
Contudo, as expectativas são elevadas e a sociedade espera que as instituições financeiras desempenhem o seu papel na transição, o que passará pela revisão do seu propósito e estratégia e alinhamento do portfolio como catalisador da transição. Estarão, assim, as instituições preparadas para assumir uma proporção mínima desse portefólio de, por exemplo, 10%, 20%, ou mesmo 50%? O desafio está lançado, não esquecendo que, antes de parecer ser, há que ser!
* principais: CSRD (do inglês CSRD – Corporate Sustainability Reporting Directive), Regulamento da Taxonomia EU para as atividades ambientalmente sustentáveis, SFDR (do inglês, Sustainable Finance Disclosure Regulation), Green Bonds Standard da Comissão Europeia e revisão da Markets in Financial Instruments Directive (MiFID II) e Insurance Distribution Directive (IDD).
** do inglês, Taskforce on Climate-related Financial Disclosures
Inês Vieira, Manager EY, Consulting Financial Services e Sara Rego, Manager EY, Consulting Services
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Conformidade ou greenwashing do setor financeiro no caminho para uma transição sustentável
{{ noCommentsLabel }}