Think Tank de magistrados e sociedade civil alerta: juízes “devem assumir erros” e “falar verdade”

Grupo de juízes e membros da sociedade civil enviaram 209 propostas ao Governo e PR que compõem a "Agenda da Reforma da Justiça". Com foco em avaliações psicológicas e transparência de juízes.

Avaliação psicológica dos juízes, de forma a garantir que todos os magistrados que queiram estar nos tribunais têm condições psicológicas e emocionais para exercer a função jurisdicional, mais transparência e rapidez na relação dos juízes com os jornalistas, criação de juízes de imprensa, formação intensiva para juízes em questões de igualdade de género ou ainda a necessidade de uma efetiva transparência e abertura dos juízes perante os cidadãos, “admitindo erros e falando a verdade”.

Estas são algumas das propostas previstas nas 209 conclusões de um Think Tank que pretende uma reflexão “profunda” para a área da Justiça e que implica compromisso de todos os atores políticos e magistraturas, muito para além de apenas uma legislatura. Alertando para a necessidade da ideia – que já não é nova – da criação de um verdadeiro Pacto para a Justiça.

Diz então o documento, a que o ECO teve acesso, mas publicado em primeira mão pelo Expresso –, que “o sistema de seleção dos juízes deverá ser qualificado, não descurando a avaliação de fatores de personalidade, de capacidade de resolução de problemas, de resiliência em situações de tensão ou de exposição pública, para além das características de empatia pessoal e de liderança”. A ideia é evitar polémicas como as que recorrentemente aparecem derivadas de acórdãos ou de tomadas de posição públicas de magistrados, apesar de nos últimos 20 anos, apenas 40 juízes foram expulsos da carreira.

Assim, os candidatos a juízes que estejam em processo de formação no Centro de Estudos Judiciários (CEJ) terão de ser submetidos, por psicólogos, a uma avaliação psicológica e serão, ao longo do estágio, inspecionados pelos mesmos, com uma consequente avaliação do desempenho no fim de cada ciclo de formação e um alargamento do período à experiência que passaria a ser de um ano e meio.

A avaliação psicológica singular deverá ser substituída pela avaliação colegial e o respetivo resultado escrutinado pelo júri, com possibilidades de este, em caso de dúvida, poder oficiosamente determinar a realização de nova avaliação por colégio de psicólogos de diferente instituição, sem prejuízo do direito de reclamação do próprio candidato”, propõe o grupo.

E alerta para a necessidade urgente de formação contínua em questões de igualdade de género. “Devem ser realizadas ações de formação sobre questões que acompanhem a evolução da sociedade, nomeadamente igualdade de género e em matérias específicas à jurisdição que envolvam igualmente novas exigências ao seu exercício como as questões da linguagem das decisões, critérios de apreciação da prova e de apreciação das pretensões das partes”.

Deste grupo de reflexão fazem parte 28 juízes – incluindo internacionais – dois procuradores, uma advogada (Vânia Costa Ramos), um advogado (Nuno Brandão), dois oficiais de justiça e nove professores universitários e vários consultores, coordenado pelo juiz Nuno Coelho, do Tribunal de Contas que trabalharam em conjunto durante mais de um ano, por iniciativa da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASAP). Contou ainda com a colaboração de nomes sonantes como Álvaro Santos Pereira, ex-minsitro da Economia e atual Diretor do Departamento de Estudos Nacionais do Departamento de Assuntos Económicos da OCDE e Miguel Pioares Maduro, ex-ministro Adjunto do Desenvolvimento Regional e Professor Universitário na European University Institute.

O trabalho foi enviado na quarta-feira para o Presidente da República e na quinta-feira para ministra da Justiça. Na próxima semana será entregue no Parlamento.

Outro dos pontos analisados – que podem vir a criar mais polémica – é o da independência judicial e relação com uma necessária accountability da atividade dos Tribunais e dos juízes. “Estes valores são imperativos de uma justiça transparente, que aceita e compreende o escrutínio social como uma das condições de legitimação da função soberana que exerce. A comunicação com os cidadãos deve ser tida como missão essencial dos Tribunais e dos Conselhos Judiciais, assumindo uma atitude pro-activa, com o critério de informar com verdade, em linguagem acessível ao cidadão, admitindo os erros, explicando os condicionamentos e visando construir a literacia jurídica e judiciária sem a qual a democracia enfraquece”.

Outro dos pontos realçados nas 209 conclusões são respetivos às condições e o ambiente de trabalho “adequados às funções dos juízes e ao tempo atual”, criando estruturas de apoio ao nível administrativo e de gestão. “A assessoria deve ser assumida como um recurso indispensável para enfrentar as atuais exigências quantitativas e qualitativas do trabalho do juiz, nomeadamente para a eficiente gestão do volume processual e a consultoria técnica um suporte à gestão da complexidade técnica da decisão judicial”.

Saúde profissional das magistraturas

Os aspetos de risco específico de algumas áreas específicas decididas por juízes também “devem merecer particular cuidado, como por exemplo, os níveis de stress resultantes da necessidade de tomada de decisões rápidas e, por natureza, com pouca informação, da exposição a situações de violência, nomeadamente sexual e sobre crianças, que aconselham a um acompanhamento específico como aliás é prática em muitos países e relativamente a muitas profissões”.

Os especialistas explicam esta necessidade com a óbvia “alteração cultural na sociedade face aos tribunais e aos juízes e o peso das atividades de gestão ou do contexto organizacional”. Concluindo que deve ser ainda desenvolvido “um projeto sobre a qualidade de vida dos juízes, em parcerias com especialistas da área da psicologia, com campanhas voltadas para a saúde física e mental dos magistrados”.

Relação com a comunicação social e prestação de contas

O trabalho concluiu ainda que deve ser ser promovido o sistema de “juízes de imprensa” em cada tribunal, garantindo “o conhecimento interno apropriado e a especialização técnica na comunicação, preferencial, mas não exclusivamente, através da formação dos juízes presidentes para o desempenho dessa função”.

Alertando que a síntese das decisões com impacto no espaço público deve ser publicada, sempre que necessário, “com respeito pelo tempo da comunicação social. Deve ser previsto gabinete de imprensa na orgânica dos tribunais Administrativos e Fiscais, tal como acontece com o Conselho Superior da Magistratura (CSM), e deve ser revisto e divulgado o plano de comunicação de ambos os Conselhos Judiciais, tanto junto dos juízes como junto da comunicação social”.

Os Conselhos Judiciais -.- órgãos que fiscalizam os juízes — devem prestar informação pública sobre a sua atividade e assumir a prática da disponibilização dos elementos mais relevantes das reuniões dos seus órgãos, designadamente em conferências de imprensa.

A publicitação dos relatórios dos Conselhos Judiciais e dos Tribunais deve tornar-se lugar de “amplo debate na sociedade, nomeadamente com discussão pública em cada tribunal e na comunidade em que está integrado, pelo que a apresentação do relatório dos Conselhos na Assembleia da República poderia seguir modelo idêntico ao que o Regimento da Assembleia da República prevê para o relatório do Provedor de Justiça”.

Sendo que tais relatórios (dos Conselhos Judiciais e dos Tribunais) “devem ser instrumentos destinados a amplo debate no espaço público, ser acessíveis, no meio de divulgação e na linguagem, e obedecer a critérios uniformizados de publicitação”, Tal como “as decisões disciplinares dos Conselhos Judiciais devem ser publicadas de forma anonimizada, habilitando a sociedade a conhecer a atividade disciplinar que atribuiu em exclusividade aos Conselhos, assim como o sentido das respetivas decisões”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Think Tank de magistrados e sociedade civil alerta: juízes “devem assumir erros” e “falar verdade”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião