“Tenho medo da execução do PRR e do PT2030”

Presidente do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, José Manuel Mendonça critica o excesso de recursos usados para a burocracia e defende maior avaliação do impacto dos investimentos.

O presidente do INESC TEC, José Manuel Mendonça tem “medo” pela execução do Programa de Recuperação e Resiliência e do PT2030 apesar de ter apresentado várias medidas para simplificar os processos. O excesso de burocracia pode ‘emperrar’ a execução da bazuca.

Com o PRR e o PT2030, há o risco de as instituições que gerem isso não terem capacidade para fazer isso bem, por mais pessoas que contratem. Isto é como a teoria do software: quando um projeto tecnológico está atrasado, se se juntam 10 programadores, vai atrasar-se ainda mais”, diz o professor jubilado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

“O país tem à disposição uma oportunidade única. A questão não é executar o dinheiro. É preciso executar com impacto, que os consórcios, empresas e instituições façam aquilo com que se comprometeram”, defende.

 

José Manuel Mendonça é considerado um dos mentores da ligação entre as empresas e a academia, tendo-se licenciado em Engenharia Eletrotécnica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com doutoramento em Engenharia Eletrotécnica no Imperial College of Science and Technology, no Reino Unido.

Conta ainda com passagem na indústria em Portugal (na EDP) e numa empresa na Suíça. O engenheiro também foi diretor científico do programa UTAustin Portugal, que liga o país a esta universidade do estado do Texas, nos Estados Unidos.

Continua no CNCTI, que junta empresas e a academia. O que está a resultar?

Este conselho tem 24 pessoas: eu, 10 empresários, 10 cientistas e responsáveis de outras três entidades. O CNCTI tem de aconselhar o Governo em políticas públicas nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, preferencialmente através dos ministros da Ciência e da Economia. São as nossas contrapartes.

Houve uma remodelação do CNCTI em julho, depois da mudança de Governo. Que conselhos têm dado?

Há uma comissão que trata da estratégia, outra do financiamento, outra dos talentos e recursos humanos e outra para o sistema de inovação em ciência. Estas comissões formulam vários documentos. Também os ministros pedem-nos opinião sobre o PRR, as agendas de inovação e as bolsas de doutoramento das empresas.

Costuma falar sobre a importância da gestão do tempo. O PRR tem prazo de execução até ao final de 2026. Há tempo para executar tudo o que está previsto?

Não conheço bem todo o PRR. Conheço razoavelmente a componente C5, que tem as agendas mobilizadores, de inovação e verdes, que inclui a Missão Interface e os centros tecnológicos e de inovação. Sou um otimista.

No passado foi muito crítico com o Portugal 2020.

E continuo a ser, porque tenho muito medo do Portugal 2030 e até do PRR. É público que eu, o professor António Cunha e a atual ministra fizemos um trabalho, que nos demorou seis meses, sobre simplificação de projetos de investigação e inovação, que foi entregue ao Governo em fevereiro de 2020.

Se nós complicarmos os modelos de gestão, não são só as empresas e universidades que vão sofrer. Vão ter uma carga burocrática maior e em vez de estarem a seguir os projetos no que tem de desafiante, inovador e de impacto andam a carimbar faturas e a ver irregularidades. É mau para toda a gente e arriscamo-nos a que os recursos necessários para fazer essa gestão burocrática subam exponencialmente.

Antes da pandemia.

Eu sei que há medidas que foram propostas que foram implementadas [bate várias vezes com a mão na mesa]. Há que reconhecer. Mas há muita coisa importante e, na opinião do CNC, fazível que não foi implementada. Há muitos problemas que persistem. Isso é mau para a gestão desses fundos e apoios e para a máquina pública, que se desgasta e não tem recursos. Se nós complicarmos os modelos de gestão, não são só as empresas e universidades que vão sofrer. Vão ter uma carga burocrática maior e, em vez de estarem a seguir os projetos no que tem de desafiante, inovador e de impacto, andam a carimbar faturas e a ver irregularidades. É mau para toda a gente e arriscamo-nos a que os recursos necessários para fazer essa gestão burocrática subam exponencialmente.

Com o PRR e o PT2030, há o risco de as instituições que gerem isso não terem capacidade para fazer isso bem, por mais pessoas que contratem. Isto é como a teoria do software: quando um projeto tecnológico está atrasado, se se juntam 10 programadores, vai atrasar-se ainda mais. Não é pondo mais pessoas em cima das coisas que se fazem da melhor forma.

O hardware é que não está bom.

É preciso desenhar os modelos e processos.

Foi o que foi feito em fevereiro de 2020?

Nessa altura, o documento foi discutido com os ministros da Economia, da Ciência, do Mar, com organismos intermédios e o programa Compete mas desgraçadamente veio a pandemia.

A questão não é executar o dinheiro. É preciso executar com impacto, que os consórcios, empresas e instituições façam aquilo com que se comprometeram.

Ainda assim, já passaram três anos…

Não estou a dizer que nada tenha sido feito mas muitas das coisas que foram sinalizadas não foram atendidas no PRR. O CNCTI foi ouvido pelo ex-secretário de Estado da Economia [João Neves] e conseguiu que algumas propostas fossem implementadas. Vamos ver se será aplicado nas agendas mobilizadoras o modelo de seguimento e de avaliação proposto anteriormente inspirado nos modelos de projetos europeus.

Pode dar exemplo de uma medida proposta que não foi aplicada?

Agora temos um facto em suspenso: foram propostas medidas de simplificação, para acompanhamento que desonerassem o peso burocrático e que focassem a avaliação ao acompanhamento nos resultados. O país tem à disposição uma oportunidade única. A questão não é executar o dinheiro. É preciso executar com impacto, que os consórcios, empresas e instituições façam aquilo com que se comprometeram.

Há uns dias estive na apresentação de um projeto europeu na área do mar. A Comissão Europeia mandou duas pessoas ao Porto para o lançamento, uma para os aspetos jurídicos e outra para avaliar os impactos, estratégia e objetivos para o bem público. Era um projeto de apenas 16 milhões de euros. Temos agendas mobilizadoras com financiamento de mais de 100 milhões de euros. O modelo que propusemos passa pela existência de competências jurídicas e financeiras e também competências técnico-científicas capazes de seguirem os projetos e de assegurar que vão dar retorno ao país.

José Manuel Mendonça, presidente do INESC-TEC.

No fundo, defende maior supervisão dos projetos?

Sim, mas, ao mesmo tempo, não podemos confundir isto com burocracia. Quanto mais burocracia há para controlar, menos transparente é o processo e mais diluídas estão as responsabilidades. Processos burocráticos, complexos e com muita informação inútil têm facilidade em deslizar e depois mergulha-se numa montanha de papel, de regras e de processos distribuídos por muitas organizações a nível governamental de diferentes ministérios e múltiplos níveis de hierarquia. Concentramo-nos na forma e esquecemo-nos do conteúdo.

A nossa proposta é que a forma seja simples, transparente e eficaz. Contrariando o hábito latino de prever todas as formas em que isto pode correr mal e prever mecanismos para evitar, é que quando correr mal devem ser apuradas as responsabilidades e punir quem cometeu os erros.

Quanto mais burocracia há para controlar, menos transparente é o processo e mais diluídas estão as responsabilidades. Processos burocráticos, complexos e com muita informação inútil têm facilidade em deslizar e depois mergulha-se numa montanha de papel, de regras e de processos distribuídos por muitas organizações a nível governamental de diferentes ministérios e múltiplos níveis de hierarquia. Concentramo-nos na forma e esquecemo-nos do conteúdo.

Deu a última aula no início do ano na FEUP. Vai continuar no INESC TEC? O que vai fazer em 2023?

O meu mandato no INESC TEC acaba no final de 2023. No início de 2024 haverá um novo conselho de administração e uma nova geração. O INESC TEC tem um modelo de organização empresarial, uma mistura de modelo de gestão de ciência com gestão de transferência de tecnologia, que permite uma renovação de tecnologias, de pessoas, de quadros e que faz com que uma transição seja pacífica.

Recebi o testemunho do professor Pedro Aires de Oliveira, fiquei cá este tempo todo, talvez até demais, e vou passar o testemunho para quem vier a seguir.

O que vai fazer quando sair do INESC TEC?

Tenho vários projetos nesta área e vou continuar a trabalhar nas políticas de ciência e inovação, no CNCTI. Quero fazer cada vez mais o que gosto e dar retorno à sociedade através da ciência.

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