Calçado lança mega campanha para chamar jovens às fábricas
Com metade das empresas a precisar de contratar e pouca mão-de-obra disponível, setor do calçado prepara programa ambicioso para atrair jovens para a indústria. Vai da escola e dos pais até ao TikTok.
A indústria portuguesa do calçado vai lançar uma mega campanha para atrair os jovens para este setor de atividade e convencê-los a seguir uma carreira profissional na área. Com iniciativas que abordam os próprios estudantes, mas também as suas famílias, vai para o terreno no início do próximo ano letivo e terá a duração de três anos, adiantou ao ECO o porta-voz da associação setorial (APICCAPS), Paulo Gonçalves. No mais recente boletim trimestral de conjuntura, feito em parceria com a Universidade Católica, metade das empresas assume estar a precisar de contratar.
Concentrada nas zonas de forte concentração da indústria de calçado, como Guimarães, Felgueiras, Oliveira de Azeméis, São João da madeira, Santa Maria da Feira, e alargada também ao polo industrial da Benedita, no centro do país, esta nova campanha pretende atacar a escassez de mão-de-obra qualificada. Apesar de no último ano terem criado quase 1.500 postos de trabalho, o equivalente a um crescimento de 4,8% no emprego, os empresários precisam nesta altura de “mais umas centenas de novos colaboradores”. A Comissão Europeia alarga a estimativa a toda a fileira da moda, para meio milhão de pessoas em falta até 2030.
Levar os empresários de calçado para “fazer pedagogia” nas escolas, desde o nível primário, mas sobretudo no ensino secundário; organizar visitas de alunos às fábricas e mostrar-lhes no terreno o potencial do setor; realizar ações de sensibilização em “meios mais descontraídos”; “estar nos ambientes onde os jovens estão” – incluindo nas redes sociais, com destaque para o TikTok. Estas são algumas das iniciativas já planeadas para arrancar na segunda metade do ano “porque naturalmente há a necessidade de chegar às populações mais jovens”.
Vamos falar ao coração dos mais jovens e também para as suas famílias. Porque muitas das reservas até nem são dos próprios, mas dos pais, que em algum momento das suas vidas se cansaram de trabalhar na indústria.
A APICCAPS já ensaiou outras iniciativas do género no passado, mas “estas agora serão mais ambiciosas e prolongadas no tempo”. E vão alargar o âmbito às famílias. “Vamos procurar atuar a dois níveis: falar ao coração dos mais jovens e também para as suas próprias famílias. Porque a informação que temos é que muitas das reservas que existem até nem são dos próprios jovens, mas dos pais, que em algum momento das suas vidas se cansaram de trabalhar na indústria e redefiniram prioridades para a vida das suas famílias”, contextualiza Paulo Gonçalves.
E o que este setor, composto atualmente por 1.186 empresas e 32.292 trabalhadores, quer mostrar é que “esta é uma indústria de futuro”, mais qualificada e que recorre de forma crescente à tecnologia e às ferramentas digitais, que está atenta aos temas da sustentabilidade e é mais amiga do ambiente – a 24 de fevereiro vai assinar um Pacto Verde, subscrito já por mais de uma centena de empresas –, e que quer melhorar igualmente no plano da responsabilidade social, assumindo “outros compromissos com a própria sociedade”. Tudo argumentos com que espera captar – e numa segunda fase também reter – estas novas gerações de talento.
“Quando se discutem os setores industriais fala-se muito de salários e pouco mais. E queremos que as empresas sejam globalmente mais atrativas, o que pode passar por assegurar que os trabalhadores e as famílias possam ter bolsas de estudo, por investirem em creches, trabalharem em benefícios como os seguros de saúde, ou no caso dos imigrantes de tratar do alojamento. No fundo, queremos que as pessoas se sintam em casa quando trabalham nas nossas empresas, até porque muitas das pessoas trabalham uma vida connosco”, completa o diretor de comunicação da associação empresarial liderada por Luís Onofre.
Evolução do número de empresas e do emprego no calçado
Segundo os dados mais recentes do Ministério do Trabalho, o ganho médio mensal dos trabalhadores do setor do calçado ascendia a 887,36 euros em 2020, que compara com 871,35 euros um ano antes. O valor é baixo, mas, ainda assim, uma subida face aos 733,19 euros que surgiam nos registos em 2015 e aos 665,12 euros em 2010. Já sobre a atração de imigrantes, Paulo Gonçalves lembra que o assunto faz parte do novo plano estratégico do setor, mas “dificilmente vai acontecer alguma coisa no primeiro semestre deste ano”. “Pressupõe trabalhar em rede com as autarquias, exige um trabalho muito sério. Quando o fizermos tem de ser de forma coerente e articulada”, acrescenta.
A par dos custos das matérias-primas que dispararam, o emprego é uma das maiores preocupações desta indústria que em 2022 viu o preço médio de venda dos sapatos para os mercados internacionais subir 8,7%, para 26,40 euros por par, contribuindo para o novo máximo histórico registado pelo cluster do calçado e artigos de pele. Com vendas totais de 2.347 milhões de euros no exterior – dos quais 2.009 milhões de euros em calçado, num total de 76 milhões de pares, uma quantidade 10,5% superior à do ano anterior –, no último exercício, o setor progrediu 22,2% em termos de valor exportado.
Evolução da produção e das exportações do calçado
Porém, “foi um ano mais complexo do que os números, à primeira vista, podem fazer adivinhar”. Entre as maiores perturbações, que se estão a manter no início deste ano, está o disparo na inflação que “retira poder de compra às famílias europeias, que têm de fazer opções”. Ao preterirem a compra de vestuário e de calçado, em relação a outras despesas básicas, como o aquecimento das casas, retraíram o consumo e fizeram abrandar o ritmo de encomendas às fábricas portuguesas. “O primeiro trimestre ainda vai ser de alguma contenção. Esperamos que depois de abril o negócio comece a animar um bocadinho”, prevê o responsável.
Nas exportações do cluster em 2022, a APICCAPS destaca, no setor do calçado, o crescimento em quase todos os mercados relevantes, como a Alemanha (11,7%, para 433 milhões de euros), França (15%, para 384 milhões) e Países Baixos (25%, para 306 milhões de euros), e o peso de 20% que os países extracomunitários já têm nas vendas. As componentes para calçado também aumentaram as vendas em 30,2%, salientando-se a categoria “solas e saltos”, enquanto os artigos de pele renderam receitas recorde de 273 milhões de euros, mais 37,4% do que em 2021.
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