Semana de quatro dias: bendita és tu entre as mulheres
Margaret Thatcher disse: "Se quer alguma coisa dita, peça a um homem. Se quer alguma coisa feita, peça a uma mulher".
Está a terminar a primeira fase do projeto-piloto da semana de quatro dias. Durante três meses, explicámos às empresas interessadas os benefícios desta prática de gestão e os detalhes do projeto. Em breve, apresentaremos um relatório com informação estatística sobre as 90 empresas que se quiseram informar sobre o projeto, bem como as que decidiram avançar para a segunda fase de preparação do teste. Antecipo aqui o que para mim é o indicador mais significativo. Das pessoas que iniciaram o contacto – tipicamente diretores executivos, administradores, gerentes ou diretores de recursos humanos que se interessaram pela ideia – 60% são mulheres. Isto é mais do dobro da incidência no universo empresarial português onde apenas 27% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.
Este dado não me surpreende. Os dois membros do Governo que chamaram a si a missão de estudar a semana de quatro dias são mulheres. A equipa com quem trabalho diretamente neste projeto, com elementos do gabinete do Secretário de Estado do Trabalho, do IEFP, e dos parceiros externos, é composta por sete mulheres. Dos jornalistas que seguem o tema no Público, Expresso, Observador, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Eco, Jornal de Negócios, Jornal Económico, CNN Portugal, ou TSF, todos são mulheres. A única associação empresarial ou profissional que me convidou para falar sobre a semana de quatro dias foi a Professional Women’s Network Lisbon, uma associação que procura equilibrar a representatividade de mulheres em posições de liderança.
Não é uma coincidência. Em vários inquéritos sobre a semana de quatro dias, as mulheres revelam uma maior abertura à ideia. Isto acontece porque as mulheres sentem muito mais a pressão do tempo. Num inquérito ao uso do tempo em Portugal, 55% das mulheres entre os 25 e 44 anos consideravam não ter tempo suficiente para fazer tudo o que queriam no dia a dia, enquanto apenas 44% dos homens com a mesma idade declaravam o mesmo. A razão é simples: a juntar às horas no emprego, as mulheres acumulam horas de trabalho não pago. Segundo este inquérito, as mulheres portuguesas trabalham mais uma hora por dia do que os homens em atividades domésticas como limpar a casa, fazer as compras, tratar da roupa ou preparar as refeições, e é nelas que recai ainda a responsabilidade de ocupar-se dos filhos e cuidar dos pais.
A mudança do papel da mulher na sociedade é também uma das razões pelas quais a semana de quatro dias se tornou tão importante. Há 50 anos, apenas 25% das mulheres com mais de 16 anos participava no mercado de trabalho, contrastando com 90% dos homens. As mulheres trabalhavam muito, mas a maior parte delas na esfera da casa. O homem podia trabalhar muitas horas, mas quando voltava a casa, estava tudo feito. O tempo em casa, era tempo de descanso para os dois, era tempo para a família. Agora, a taxa de participação é de 50% para as mulheres e 57% para os homens. A maioria das mulheres trabalha como os homens, em empregos cada vez mais intensificados pela tecnologia, com as mesmas horas e com as mesmas ambições. Quando voltam para casa, o tempo não é de descanso, muito menos de lazer. É tempo de fazer tudo o que ficou por fazer, e já sabemos quem é que o faz. Para além do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, as mulheres têm filhos cada vez mais tarde, e os avós são avós cada vez mais tarde. Não podem ajudar tanto e tornam-se mais numa fonte de trabalho adicional que de apoio.
Estas mudanças sociodemográficas, juntamente com as mudanças tecnológicas, criaram um problema crónico de falta de tempo. Este problema afeta todos os portugueses, mas é sentido sobretudo pelas mulheres, afetando o seu desempenho profissional relativamente aos homens. Corrói também a própria família, uma instituição nuclear da nossa sociedade. Alguém duvida que a falta de tempo, para o ‘nós’ e para o ‘eu’, contribui para o aumento dos divórcios e a redução da natalidade? A semana de quatro dias não vai mudar mentalidades, mas pode promover o equilíbrio de género no mercado de trabalho, aliviar a pressão sentida pelas mulheres, e dar tempo aos homens para que (pelo menos alguns) possam contribuir mais para o trabalho doméstico. Na mais recente experiência-piloto em 61 empresas do Reino Unido, o tempo passado pelos homens a cuidar dos filhos mais que duplicou durante o teste.
Muitos em Portugal veem a semana de quatro dias como uma clivagem ideológica entre a direita e a esquerda, ou económica entre capitalistas e trabalhadores. Mas a clivagem mais profunda é entre homens e mulheres. Se as mulheres fossem representativas nas instâncias de poder, o processo de transição para a semana de quatro dias – que poderá demorar décadas – estaria muito mais avançado. Enquanto organizações influentes como a SEDES organizarem conferências só com homens, a semana de quatro dias nunca será por elas debatida sequer.
Devemos agradecer a todas as mulheres que se envolveram direta ou indiretamente com esta ideia, acreditando que é possível organizar o trabalho no século XXI de uma forma mais eficiente, mais sustentável e mais humana. Para além de tudo o que já fazem, são ainda elas que levam a semana de quatro dias ao colo.
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