Mulheres representam menos de um terço dos cargos mais altos das empresas

As disparidades entre os géneros agravam-se em empresas de grande dimensão, bem como em setores como o tecnológico, da construção e da energia.

São 41,5% de um total de cerca de 2,8 milhões de empregos no universo das empresas comerciais em Portugal, mas no que toca à liderança apenas 27% das mulheres ocupam esses cargos nas empresas nacionais. As disparidades de género agravam-se em empresas de grande dimensão, bem como em setores como o tecnológico, da construção e da energia.

“Nos cargos de direção [cargos de direção executiva: diretores de primeira linha], cargos de gestão [órgãos sociais: órgãos de gestão, administração e gerência] e cargos de liderança [funções do primeiro gestor: presidente do conselho de administração e gerente], a situação da participação feminina praticamente não mostra evolução face a 2019, com a representação de mulheres nestes cargos a registar, respetivamente, 28,3% (+0,1 p.p.), 29,7% (-0,2 p.p.) e 26,8% (+0,2 p.p.)”, avança a Informa D&B no estudo “A Diversidade de Género nas Empresas em Portugal”.

Em 2021, nas quase 40 mil empresas criadas em Portugal, 27% têm liderança feminina, valor apenas um ponto percentual superior ao de 2019. A presidência do conselho de administração das sociedades anónimas são ocupadas por mulheres em apenas 16,4% dos casos, que corresponde aos mesmos valores registados em 2019. E os cargos de direção-geral são ocupados por mulheres em apenas 13,1% dos casos, mais 1,7 p.p. do que em 2019.

Portanto, as mulheres — embora possuam os níveis mais elevados de escolaridade — representam menos de um terço dos cargos mais altos das empresas. E a evolução registada parece não seguir um trajetória rumo à paridade. Além disso, quanto maior é a dimensão da empresa em análise, menor a paridade em cargos de alta responsabilidade.

“A representatividade de mulheres em cargos de gestão é menor nas empresas de maior dimensão e cresce à medida que as empresas diminuem de dimensão. Nas grandes empresas, apenas 19% dos cargos de gestão são ocupados por mulheres, enquanto nas microempresas esse valor é de 31%”, concluiu a Informa D&B.

Construção, energia e TIC são os setores mais desiguais

No que toca aos diferentes setores de atividade, é possível concluir que os serviços gerais; alojamento e restauração; e retalho são os setores com maior percentagem de emprego feminino (os três com mais de 50%) e são também aqueles onde há mais mulheres a ocupar cargos de gestão.

Ainda assim, nos serviços gerais, os cargos de gestão feminina não chegam sequer aos 50% e nos restantes dois setores as mulheres representam apenas um terço dos cargos de alta responsabilidade e visibilidade.

No extremo oposto está a construção, tecnologias de informação e comunicação, energia e ambiente. Estes são os setores onde a presença de homens em cargos de gestão é maior, com, pelo menos, 82% de representatividade, deixando uma pequena margem para mulheres desempenharem funções de liderança.

Mas há empresas no setor tech onde essa não é a regra. A PeekMed é uma delas. A empresa conta com uma equipa equilibrada (53% são homens, 47% mulheres), e as lideranças intermédias estão igualmente repartidas pelo género feminino e masculino. Mas por trás da paridade alcançada está um trabalho contínuo na criação de uma cultura de igualdade de oportunidades, de inclusão e de diversidade.

Sara Silva co-founder e chief quality and operations da PeekMed

“Temos de criar uma cultura de que a engenharia, a tecnologia e áreas semelhantes não são ‘coisas de homem’. Muitas vezes estas distinções começam enquanto crianças: bonecas são para meninas e carrinhos para os meninos. Devemos começar por aqui. Todas as crianças, independentemente do seu género, devem ter a oportunidade de experienciar os mesmos estímulos. Isto irá contribuir para que ambos os géneros partilhem áreas do mercado de trabalho que antes seriam ‘só de homens’ ou ‘só de mulheres'”, acredita Sara Silva co-founder e chief quality and operations da PeekMed.

“Essa premissa já está diferente no ensino superior. Por exemplo, no meu curso de Engenharia Biomédica na Universidade do Minho, em 2020, 72% dos candidatos foram mulheres (Dados DGES). Brevemente essas estudantes vão chegar ao mercado o que também tornará mais fácil equilibrar ‘as contas'”, continua.

Até lá, “temos de continuar a apostar nesse talento e a partilhar histórias de sucesso”.

Verónica Orvalho, fundadora e CEO da Didimo, defende que o ensino assume um papel “essencial” na mudança de mentalidades. “O ensino, em todas as suas fases, deve ser prioritário e deve ser feito um esforço para se conseguir aumentar a quantidade de raparigas jovens que escolhem seguir a área de ciências e tecnologias, no secundário, e, posteriormente, os cursos de tecnologias de informação, engenharias, ou tantos outros, na universidade”, considera.

E deixa algumas sugestões: “Há medidas que podem ser criadas, como por exemplo descontos só para mulheres em cursos tecnológicos, ou promover momentos de debate e workshops com ‘women in tech’. Acredito que pode ser feito um esforço para mostrar, realmente, exemplos de mulheres com carreiras bem-sucedidas, na liderança de empresas e no setor tecnológico, e que consigam inspirar outras jovens a seguir o mesmo caminho, a não ter medo de arriscar e a perceber que estar em tech não deverá ser um ‘bicho de sete cabeças’.”

Empresas que contrariam a regra

Num setor distinto, a Panidor é também uma das companhias que contrariam estes dados. Na empresa de produção de pão e pastelaria ultracongelada, com sede em Monte Redondo, Leiria, 64% das colaboradores são mulheres, e 65% ocupam cargos de liderança.

Para atingir uma clara representação feminina na liderança da empresa, Marta Casimiro, administradora e diretora de I&D da Panidor, diz que é preciso começar por “quebrar o preconceito”.

Um homem não faz um trabalho melhor que uma mulher, nem vice-versa, só pelo género.

Marta Casimiro

Administradora e diretora de I&D da Panidor

“Creio que nos últimos tempos se tem visto uma alteração de mentalidades. Tem havido várias campanhas que promovem a paridade dentro e fora das empresas, mas, mais importante do que isso, é a alteração de mentalidades. Um homem não faz um trabalho melhor que uma mulher, nem vice-versa, só pelo género”, afirma a gestora à Pessoas.

Dentro da organização há várias formas de promover essa alteração de mindset. “Podemos fazê-lo a jusante, defendendo melhores políticas em torno de partilha de licença de maternidade, apoios efetivos para a conjugação das vidas pessoal e profissional, mas também a montante, com exemplos concretos, como o nosso, onde 65% de cargos de liderança ocupados por mulheres.”

Independentemente do género, Marta Casimiro diz que a empresa procura “pessoas competentes e dedicadas”. “Procuramos pessoas que vistam a camisola Panidor e que dêem o melhor de si, dando nós também tudo para que se sintam bem e felizes a desempenharem as suas funções. Este é o ponto fundamental, a par da quebra de preconceito”, defende.

 

Marta Casimiro, administradora e diretora de I&D da Panidor

Também a Sitel tem apostado cada vez mais em ter um maior número de mulheres em cargos de liderança. Uma medida que, a par da promoção do desenvolvimento profissional e do bem-estar das pessoas, faz parte da estratégia de crescimento da empresa que atua na área dos serviços de contact center.

“A liderança no feminino é um tema sensível para um mundo empresarial que ainda é dominado pelo sexo masculino, mas acredito que, estamos a conseguir mudar mentalidades e criar oportunidades para mostrar a nossa capacidade de liderança. O Sitel Group já é uma exceção, pois é uma empresa que oferece igualdade de oportunidades aos seus colaboradores, sejam eles do sexo masculino ou do sexo feminino, em termos de progressão de carreira”, afirma Benedita Miranda, general manager da Sitel Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

Atualmente, 52% da população da região que Benedita Miranda lidera é do sexo feminino, e 50% dos cargos diretivos da empresa são ocupados por mulheres.

“Somos claramente uma empresa que aposta na liderança no feminino e na igualdade de oportunidades, tanto a nível local como mundial. Prova disso foi a distinção que o Sitel Group recebeu no final do ano passado, onde de um total de 70.000 empresas dos Estados Unidos, foi distinguida com quatro prémios atribuídos pelo ‘Comparably Awards’: Melhor Cultura de Empresa; Melhores Empresas para Mulheres; Melhores Empresas para a Diversidade e Melhor CEO”, recorda.

Para que haja esta mudança de paradigma é importante que os processos e planos de carreira sejam desenhados tendo em conta essas diferenças, o que implica que se abandonem planos de progressão de carreira que estavam desenhados apenas para homens.

Benedita Miranda

General manager da Sitel Portugal, Espanha, Itália e Grécia

Como mulher e, acima de tudo, como líder, Benedita Miranda considera que “as diferenças entre o sexo feminino e masculino na liderança são reais” e que “têm de ser entendidas, aceites, valorizadas e celebradas”.

“Para que haja esta mudança de paradigma é importante que os processos e planos de carreira sejam desenhados tendo em conta essas diferenças, o que implica que se abandonem planos de progressão de carreira que estavam desenhados apenas para homens. É importante oferecer condições, criar oportunidades e customizar a função de liderança de forma adaptada (também) ao sexo feminino”, considera a gestora.

Para que as mulheres possam progredir nas suas carreiras e assumir funções de liderança, é necessário ter em conta todas as outras frentes em que uma mulher está habitualmente envolvida no seu dia a dia. “É fundamental que, ao nível da empresa, se conte com uma equipa que apoie e que confie nas nossas competências e qualidades de liderança e que na vida familiar se tenha uma estrutura de apoio que permita partilhar responsabilidades e tarefas.”

Benedita Miranda, general manager da Sitel Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

No Sitel Group, o programa “WeLead – Women’s Empowerment Program” tem como objetivo promover a liderança no feminino junto de mulheres que já têm um cargo de chefia intermédio. Através desta iniciativa, a empresa disponibiliza ferramentas, workshops e sugestões para melhorar as capacidades de liderança das chefias do sexo feminino, dando-lhes oportunidades de progressão de carreira e de empowerment dentro da própria empresa.

Faltam mulheres na administração das cotadas. Mas 7 integram o Bloomberg 2022 GEI

Já entre as empresas cotadas em bolsa, apesar da lei de 2017 que prevê a representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa, a representação de mulheres nos conselhos de administração é de apenas 22,6%, revela o mesmo relatório da Informa D&B, que incluiu todas as empresas nacionais ativas com, pelo menos, um gestor ou diretor executivo a 31 de dezembro de 2021.

Neste caso, os valores valores da representação feminina, ainda que não atinjam sequer um quarto da representação, traduzem uma evolução positiva, já que há dez anos, em 2011, era de apenas 5,7%.

Este ano, a Sonae foi selecionada para integrar o Bloomberg 2022 Gender-Equality Index (GEI), que inclui na edição deste ano um total de 418 empresas de meia centena de setores — o financeiro, tecnológico e das utilities são os mais representados — e provenientes de 45 países e regiões, com uma capitalização bolsista combinada de 16 biliões de dólares (14,2 biliões de euros).

O grupo nortenho liderado por Cláudia Azevedo juntou-se assim à NOS, à REN e a outras cotadas portuguesas, como a Jerónimo Martins, a Galp, a EDP, a EDP Renováveis ou o BCP, que já faziam parte da anterior edição deste índice que visa replicar o desempenho das empresas de capital aberto comprometidas com a prestação de informação transparente sobre as suas práticas e políticas relativas à igualdade de género.

Liderança feminina e pipeline de talento; igualdade de remuneração e paridade salarial; cultura inclusiva; políticas de prevenção contra o assédio sexual; e ser uma marca pró-mulher são os cinco pilares de desempenho avaliados no índice, num total superior a 70 indicadores, neste projeto da Bloomberg. Com a multinacional de origem retalhista sediada na Maia a distinguir-se, em particular, nos três primeiros indicadores e a alcançar uma pontuação global de 78%.

Assumimos o compromisso de 39% das posições de liderança serem ocupadas por mulheres até 2023. Esta decisão implica agir no imediato em diferentes etapas da carreira das nossas colaboradoras.

João Günther Amaral

Membro da comissão executiva da Sonae

Falando num “equilíbrio de direitos, liberdades e oportunidades”, João Günther Amaral, membro da comissão executiva da Sonae, lembrou, na altura, que a companhia assumiu há três anos o compromisso de ter 39% das posições de liderança ocupadas por mulheres até 2023 e que essa decisão “implica agir no imediato em diferentes etapas da carreira das colaboradoras” do grupo.

“Integrar este índice de referência mundial é um reconhecimento importante do progresso que já alcançámos e vem reforçar a nossa confiança em continuar este caminho pela igualdade”, acrescentou o administrador da Sonae, citado num comunicado enviado às redações aquando da divulgação do Bloomberg 2022 GEI.

Entre as cotadas portuguesas representadas neste índice com as pontuações mais elevadas, o destaque vai para o Millennium BCP, que o integra pelo terceiro ano consecutivo e é o único banco português na lista. A instituição financeira sublinha que o compromisso com todos os critérios ESG (environmental, social and corporate governance) está espelhado na evolução da classificação neste ranking: 77,79% em 2020, 78,11% em 2021 e 80,76% em 2022.

“Sermos referenciados à escala global numa matéria tão relevante é um orgulho para os profissionais do Millennium BCP e constitui um claro sinal do empenho do banco em criar uma cultura empresarial que promove a igualdade de oportunidades, premeia o mérito e a qualidade do trabalho em equipa”, salientou na altura Miguel Maya, presidente do Millennium BCP, citado em comunicado.

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