Pedro Oliveira, o novo diretor da Nova SBE, afirma em entrevista ao ECO que falta uma visão mais global às empresas e defende que se olhe para o exemplo dinamarquês.
O novo diretor da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) considera que “tem havido uma incapacidade crónica de criar marcas que acrescentam valor a Portugal, que inovam e se tornam globais”. Pedro Oliveira diz que a burocracia penaliza a competitividade, que o país é demasiado hierárquico, e que não vê o nível de responsabilização na sociedade portuguesa que vê noutras partes do mundo.
Nasceu em Bangui, na República Centro-Africana, onde o pai trabalhava para uma empresa francesa. A família regressou a Portugal era ainda muito pequeno. Viveu primeiro em Seia e depois em Lisboa, onde se formou em Engenharia Naval pelo Instituto Superior Técnico e fez o mestrado em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas. A partir daí, a formação passou quase sempre pelo estrangeiro: esteve nos Estados Unidos, onde se doutorou na University of North Carolina at Chapel Hill, e na Escandinávia, pela qual sempre teve “um certo fascínio”. Estudou na Suécia e na Finlândia. Faltava-lhe a Dinamarca, para onde acabaria por ir trabalhar como professor na Copenhaga Business School, até tornar-se o novo dean da Nova SBE. Duas filhas ficaram na capital Dinamarquesa, onde estudam, enquanto o filho, mais novo, vive em Lisboa com a mulher.
Pedro Oliveira recorre muitas vezes ao exemplo da Dinamarca, país que lidera o ranking de competitividade global do IMD, defendendo que aprenderíamos “alguma coisa se estudássemos melhor estes modelos nórdicos e se tentássemos aplicá-los aqui nas nossas organizações”. Uma das áreas em que a nação nórdica está mais avançada é na sustentabilidade, que nas empresas portuguesas “às vezes é só marketing”, mas acredita que o país pode vir a dar cartas. “A noção de só fazer dinheiro está a ficar para trás”, alerta.
Além de diretor da Nova SBE, detém a Cátedra da Fundação Calouste Gulbenkian para a Economia de Impacto. Foi também professor na Católica-Lisbon School of Business and Economics e diretor do Lisboa MBA, uma parceria entre as duas universidades e a MIT Sloan School of Management. Fora da academia é cofundador e presidente do projeto Patient Innovation, cofundador do PPL Crowdfunding e membro do Conselho para o Ambiente e Sustentabilidade da EDP – Energias de Portugal.
Portugal continua a padecer da chamada fuga de cérebros, com os jovens recém-formados ou mesmo já com alguma experiência a irem trabalhar para o estrangeiro. Temos um problema de retenção de talento?
O problema não é eles fugirem, é depois não voltarem. Acho muito boa ideia os nossos alunos terem experiências internacionais e formações feitas nos quatro cantos do mundo. O problema é que depois há uma certa incapacidade das nossas empresas e do nosso mercado em os trazer de volta. Se Portugal fosse mais competitivo, se oferecesse salários mais interessantes, essas pessoas voltavam. Eu tenho estado na Dinamarca e todos os anos o número de portugueses que se mudam para lá tem vindo a aumentar, só para dar um exemplo de um país que nem sequer é um destino típico. A Dinamarca, apesar de ser um país com cinco milhões de habitantes, é líder mundial nalgumas áreas, tem grandes empresas, precisa sempre de mais gente e consegue atrair pessoas porque tem condições económicas bastante competitivas.
Cada vez se fala mais na necessidade de atrair também talento estrangeiro para Portugal. A Nova SBE aposta muito em ter alunos estrangeiros. Voltam quase todos para o país de origem ou alguns ficam cá?
Há um número crescente de novos alunos que ficam, alguns a trabalhar para empresas de cá, outros a trabalhar para empresas deles que criam. Não temos, ou pelo menos eu desconheço, um estudo muito aprofundado sobre o que é que acontece a seguir. Era muito importante que conseguíssemos atraí-los. Se conseguirmos oferecer salários e condições, as pessoas ficam.
O Governo criou o visto para nómadas digitais. Acha que é o tipo de medidas que ajuda?
Tem criado alguns desequilíbrios, por exemplo no mercado de alojamento, mas acho que é uma boa ideia. Precisamos de trazer talentos e as nossas empresas precisam de reter o talento cá. É um pouco dramático que um país invista tanto dos seus recursos limitados a educar as pessoas e depois, na realidade, quem vai beneficiar desses recursos são países ricos.
Para evitar isso precisamos de salários mais elevados e um país mais competitivo.
E de um país menos burocrático. Às vezes é complicadíssimo trazer alguém para trabalhar em Portugal. Se não formos inteligentes e conseguirmos reduzir algumas dessas burocracias, as pessoas não vêm. Temos muitas barreiras dessas. Até no mundo académico sentimos isso quando tentamos trazer professores de fora da União Europeia.
Uma das desculpas que nós tínhamos para não termos grandes empresas que se afirmassem a nível internacional era porque éramos um mercado pequeno, com dez milhões de pessoas. Encontramos uma quantidade de países na Europa que têm muito menos população do que Portugal e que conseguiram construir grandes empresas globais.
O último relatório de competitividade do IMD põe Portugal a baixar da 36.ª para a 42.ª posição no ranking. Onde é que Portugal ainda falha, além da burocracia?
Somos um país onde a transformação digital nalgumas coisas até aconteceu, mas depois noutras não. Ironicamente, a parte dos impostos até funciona bastante bem, mas depois há um conjunto grande de serviços da administração pública que são ainda relativamente complexos. O nosso problema crónico continua a ser a incapacidade de fazer desenvolver as empresas. Nós temos, obviamente, já algumas empresas que cresceram rapidamente, temos alguns unicórnios, mas não temos muitas marcas globais. É inevitável para mim fazer comparações com a Dinamarca, que tem metade da população portuguesa. Uma das desculpas que nós tínhamos para não termos grandes empresas que se afirmassem a nível internacional era porque éramos um mercado pequeno, com dez milhões de pessoas. Encontramos uma quantidade de países na Europa que têm muito menos população do que Portugal e que conseguiram construir grandes empresas globais. A maior transportadora do mundo, a Maersk, é dinamarquesa, uma das grandes empresas do setor da biotecnologia, a Novo Nordisk, é dinamarquesa, a Carlsberg é dinamarquesa.
Não é um problema de dimensão do mercado.
Não é uma questão de tamanho, mas de facto tem havido uma incapacidade crónica de criamos marcas que acrescentam valor a Portugal, que inovam e se tornam globais. Eu estava a ter contacto com um empreendedor que criou uma pequena rede de cafés, que se chama Copenhagen Coffee Lab. Quando eles quiseram começar em Copenhaga, perceberam que já não tinham licenças disponíveis, mas não se limitaram. Muitos outros empreendedores pensariam: “acabou, vamos fazer outra coisa qualquer”. Estes tipos fizeram uma rede mundial. Têm, por exemplo, sete cafetarias da Copenhagen Coffee Lab em Portugal, têm uma catrefada nos Estados Unidos e agora já conseguiram abrir duas em Copenhaga. Ou seja, não ficaram minimamente intimidados com o facto de o mercado local para eles estar fechado.
Ainda se pensa muito dentro do retângulo?
Portugal foi um país de navegadores quando foi preciso. Os nossos emigrantes vão para todo o lado. Mas depois, no mundo dos negócios, ainda não pensamos global. Ou se calhar pensamos global e os constrangimentos aparecem a seguir. Não conseguimos acesso a financiamento, por exemplo. Acho que há uma incapacidade crónica, que é também europeia se compararmos com os EUA, onde as empresas são muito mais ágeis.
Não vejo o nível de responsabilização na sociedade portuguesa que vejo noutras partes do mundo. Portugal é um país muito hierárquico, muito pouco “flat”.
Que avaliação faz da gestão pública?
Eu não tenho estudado muito esse tema. A minha perspetiva de utilizador não é muito positiva. Não vejo o nível de responsabilização na sociedade portuguesa que vejo noutras partes do mundo. Portugal é um país muito hierárquico, muito pouco flat. Eu comparo muito com a Dinamarca.
Faz sentido, até porque lidera o ranking de competitividade do IMD.
Os dinamarqueses conseguiram quase neutralizar as questões das hierarquias. O presidente da Copenhagen Business School (CBS), que é uma universidade com 22.000 alunos, ou o presidente da maior empresa dinamarquesa, sente-se e é muito mais igual a todos os outros colaboradores. Está muito mais perto. As pessoas têm um papel diferente nas organizações, percebem quais é que são esses papéis e não há esta coisa muito portuguesa de doutores e engenheiros e, depois, o resto. Ainda ontem vinha da minha casa no centro para o aeroporto de Copenhaga e olhei para o lado e estava a comissária europeia de Concorrência, Margrethe Vestager. É muito assim. As hierarquias noutros países não se distinguem.
O que é que isso depois traz?
Traz uma muito maior responsabilização de todas as pessoas que estão em todos os níveis, de todas as organizações, da política às empresas. Recentemente, o presidente da CBS pediu para ir com ele à Roche, uma grande farmacêutica. Perguntei-lhe como queria ir e ele respondeu “de autocarro”.
Quem fica com os lucros da Maersk, da Carlsberg, da Novo Nordisk é uma fundação. Há uma parte dos rendimentos que ficam para os acionistas, mas há uma grande percentagem que depois reverte para a sociedade, pelo que existe genericamente bastante dinheiro na sociedade.
Em Portugal era impensável.
Era impensável. Imediatamente dizia: “o meu chofer vai buscá-lo às 15h00”. Na Dinamarca existe uma consciência social e eles têm uma obsessão com a sustentabilidade, de que a coisa certa a fazer é ir de autocarro e não de carro, a não ser que seja impossível. De certa maneira, na Nova SBE já somos mais dinamarqueses do que algumas instituições na Dinamarca. Mas lembro-me de estar noutra universidade em Portugal, não vou dizer qual é porque seria embaraçoso, quando era ainda professor auxiliar, em princípio de carreira, e em que me aproximo de um elevador e a pessoa que estava comigo diz: “Nós não podemos ir de elevador. Aqui só os professores catedráticos é que sobem no elevador”. Isto aconteceu comigo numa universidade portuguesa há sete ou oito anos e para mim parecia ficção científica ou a Idade Média. Andamos a gastar uma quantidade de energias com coisas que não acrescentam valor nenhum para ninguém.
Em que mais Portugal se podia inspirar no modelo nórdico?
O capitalismo nórdico é muito interessante. Devia ser mais estudado e eu espero que nós consigamos estudá-lo aqui na Nova. As grandes empresas dinamarquesas são tipicamente propriedade de fundações, que no fundo é uma maneira protecionista de garantir que elas não são compradas. Na Dinamarca há 14 mil fundações. O governance das empresas passa por um modelo em que o principal dono da empresa é a fundação. Quem fica com os lucros da Maersk, da Carlsberg, da Novo Nordisk é uma fundação. Há uma parte dos rendimentos que ficam para os acionistas, mas há uma grande percentagem que depois reverte para a sociedade, pelo que existe genericamente bastante dinheiro na sociedade. Isso é um problema bom para ter. Aprendíamos alguma coisa se estudássemos melhor estes modelos nórdicos e se tentássemos aplicá-los aqui nas nossas organizações.
Há um conjunto de preocupações de que as empresas não deem só lucro. Nos dias que correm, isso já não tem tanto interesse. Têm que ser organizações que contribuem para tornar a sociedade melhor e que poupam o ambiente ou até contribuem para melhorar o ambiente.
O Pedro tem a cátedra da Fundação Calouste Gulbenkian para a economia de impacto. Se calhar muitos leitores não sabem ao certo o que é. Quer explicar?
Podemos pensar em medir o crescimento das empresas de várias maneiras. Uma delas são os resultados financeiros. Quando pensamos em impacto, tentamos perceber se além de serem sustentáveis financeiramente que impacto estão a ter a nível social e ambiental, o chamado double ou triple bottom line. Há um conjunto de preocupações de que as empresas não deem só lucro. Nos dias que correm, isso já não tem tanto interesse. Têm que ser organizações que contribuem para tornar a sociedade melhor e que poupam o ambiente ou até contribuem para melhorar o ambiente. É fácil encontrar exemplos de organizações que estão com estas preocupações. Criámos um programa de mestrado que se foca precisamente nesse tópico e que se tornou, aliás, um dos nossos programas mais internacionais, atraindo muitos estrangeiros.
Vê essas preocupações em Portugal e nas empresas portuguesas?
Vejo cada vez mais, mas ainda vejo menos do que noutros países do norte da Europa. Se Portugal é capaz de estar um bocadinho atrasado, acho que vamos ter a oportunidade de criar na Nova uma das escolas que está à frente do resto da Europa, pensando num conjunto de recrutamentos que fizemos, pensando no nosso mestrado e no impacto que já está a ter, pensando em algumas empresas que os nossos alunos estão a criar. Acho que podemos afirmar que em breve Portugal vai dar cartas neste espaço.
Muitas vezes fica a sensação de que estas preocupações têm mais a ver com marketing do que com criação de um impacto significativo. Porque é que acha que isso acontece?
Porque às vezes em Portugal é realmente só marketing. Eu gostaria de distinguir o que eu acho que acontece muitas vezes em Portugal daquilo que nós, por exemplo, estamos a fazer. Ajudámos a criar 34 empresas com os nossos alunos de Inovação na Saúde. Quem diz na Saúde, diz em Tecnologias Ambientais, em Finanças… Mas é verdade que em Portugal há muitas organizações que fazem a parte que é mais fácil, que é o marketing. Também é verdade que medir o impacto é difícil. Eu tenho um indicador que consigo dar que é o número de empresas que foram criadas, mas se me perguntar então qual é o impacto social que essas empresas estão a ter no planeta? Não sei, mas podíamos fazer um estudo para tentar averiguar.
As empresas estão a perceber que a noção de só fazer dinheiro está a ficar para trás. Se não tiverem um impacto social e ambiental, também não conseguem fazer dinheiro, porque as pessoas vão fugir, vão procurar outras soluções.
Nos Estados Unidos assistimos a ataques à utilização de critérios ambientais e sociais na gestão de carteiras de investimentos e até a algumas saídas de dinheiro. Isto preocupa-o?
Com a guerra houve muitos dos nossos pressupostos que ficaram um pouco abalados. Andamos aqui preocupados com o impacto, com o desenvolvimento sustentável, mas de repente há um país que invade outro e começa uma guerra e temos a crise energética à porta. De repente temos problemas tão maiores. As empresas estão a perceber que a noção de só fazer dinheiro está a ficar para trás. Se não tiverem um impacto social e ambiental, também não conseguem fazer dinheiro, porque as pessoas vão fugir, vão procurar outras soluções. Eu penso que isto é real, ou pelo menos era real até que apareceu uma pandemia e uma guerra sem sentido. Espero que consigamos voltar a focar numa sociedade com alguns destes valores e em que quem só está preocupado em fazer dinheiro não tem clientes.
Nem pessoas para trabalhar.
Nem pessoas para trabalhar. Acho que os nossos alunos hoje têm uma consciência social e ambiental que é bastante impressionante. Nós agora temos aqui estas garrafas de vidro para a água. Eu lembro-me de um dia entrar numa aula com uma garrafa de plástico e os alunos chamarem-me à atenção. Aquela é a garrafa que levo para as aulas e não pensaria em levar uma de plástico. Na Dinamarca, não pensaria em ir de carro para a universidade. Gostava muito de ter aqui um átrio no campus com que aqueles restaurantes de refugiados sírios que se distinguiram ou em que têm funcionários com síndrome de Down.
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