Guerra abrandou investimento russo em Portugal e mudou perfil do comércio, com exportações a caírem 50% e mais químicos e bacalhau na lista. Veja as empresas que mais venderam e compraram à Rússia.
Apesar das maiores dificuldades nos transportes e na logística, ao nível do sistema de pagamentos internacionais e até no plano legal no caso de alguns produtos, por via das sanções que foram sendo aplicadas pela União Europeia, ainda houve um total de 658 empresas portuguesas que fecharam negócios com a Rússia em 2022 – o que compara com as 1.185 que o tinham feito no ano anterior, que antecedeu o início da guerra da Ucrânia.
De acordo com os dados facultados ao ECO pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que não inclui neste apuramento a informação relativa a empresários em nome individual, trabalhadores independentes e particulares, o número de empresas nacionais a vender mercadorias à Rússia (330) foi semelhante ao daquelas que fizeram compras no mercado russo (328), que algumas grandes empresas nacionais, como a Sogrape (vinhos) ou a Logoplaste (embalagens), abandonaram na sequência da invasão russa, invocando questões morais.
Em 2022, indicam os dados preliminares do comércio internacional, o valor das exportações portuguesas para a Rússia afundou 50,5% em termos homólogos, para 88,2 milhões de euros. Seguindo a nomenclatura usada pelo INE, os artigos de cortiça deixaram de ser os mais exportados por Portugal, após as vendas caírem 62%. Por grupos de produtos, como aparece na classificação usada pela AICEP, a liderança pertence agora ao setor alimentar, que no ano em que a guerra voltou à Europa foi mesmo o único, entre os dez itens principais, a conseguir aumentar as vendas para a Rússia.
A lista das maiores exportadoras portuguesas para a Rússia é agora liderada pela Bosch Termotecnologia, a unidade de negócios do grupo alemão especializada em soluções de água quente através de esquentadores (elétricos e a gás), caldeiras e bombas de calor. A Rússia pesava cerca de 5% na atividade da fabricante de Aveiro, que produz também as marcas Vulcano e Junkers, e que em 2022 ultrapassou a discreta CTH Porto (abate de gado), que desapareceu do ranking das 15 maiores vendedoras. Ambas recusaram prestar declarações. No segundo lugar está a Sedacor, sociedade de exportação pertencente ao grupo corticeiro JPS Cork, dono de cinco fábricas onde produz três milhões de rolhas por dia. Saltou duas posições e ultrapassou a Sogrape, que logo em março decidiu suspender as vendas para o mercado russo.
Para a maior empresa portuguesa de vinhos, a Rússia era o oitavo melhor mercado (em volume e valor) e também uma das suas maiores apostas. Em 2021 valeu mais de seis milhões de euros nas vendas consolidadas da Sogrape, representando perto de 2% da totalidade do negócio. E era particularmente relevante para a marca Mateus – só os britânicos e os portugueses bebiam mais do que os russos – e para as marcas de vinho verde da empresa (Azevedo e Gazela). “O impacto para o negócio tem sido significativo, mas temos de ser capazes de nos adaptar, improvisar e superar, com a dedicação e criatividade necessárias”, salienta o administrador executivo, João Gomes da Silva.
A resolução dos saldos em aberto com parceiros comerciais naquele mercado tem vindo a ser gerida em função das condicionantes que daí resultaram, não tendo nenhum deles sido alvo das sanções internacionais aplicadas à Rússia.
Em declarações ao ECO, o gestor assinala que o crescimento noutros mercados, como Portugal, Brasil e Angola, “compensou grande parte da perda do volume de Mateus na Rússia”. Ali só tinha um colaborador português residente em Moscovo, que, entretanto, foi repatriado. Por outro lado, assinala, que a “resolução dos saldos em aberto com parceiros comerciais naquele mercado tem vindo a ser gerida em função das condicionantes que daí resultaram, não tendo nenhum deles sido alvo das sanções internacionais aplicadas à Rússia”.
Aliás, quase todos continuam em atividade e, assume João Gomes da Silva, a Sogrape tem “a expectativa de poder retomar a relação comercial, uma vez ultrapassadas as razões que a levaram a suspender as vendas e que se ligaram estritamente com o conflito desencadeado com a invasão da Ucrânia”.
Ora, na comparação com a anterior lista das exportadoras portuguesas, relativa a 2021, destaca-se a saída de outras empresas de grande dimensão, como a Simoldes Aços, que se dedica desde 1959 à fabricação de moldes para injeção de termoplásticos, ou a Bondalti, que faz parte do Grupo José de Mello e atua em três áreas de negócio: química industrial, tratamento de águas e a designada “energia verde”, ligada à produção de hidrogénio e lítio.
Em estreia no top 15, e logo com entrada para a terceira e quarta posições, surgem a Stonimpar (pedras naturais), que exporta mármores, calcários e granitos portugueses, e a Louritex, sociedade construtora de alfaias agrícolas que tem sede na Lourinhã.
Na área industrial, que rivaliza com as produtoras de vinho que vão do Alto Minho ao Ribatejo, registaram o maior volume de vendas para a Rússia a vila-condense Proadec, fabricante de orlas termoplásticas para a indústria do mobiliário que em 2017 foi comprada pelo grupo alemão Surteco; a Italagro, pertencente ao grupo HIT que processa mais de 340 mil toneladas de tomate fresco por ano e vende ketchup para o McDonald’s; a Fibromade, que produz folhas de madeira há mais de 35 anos no concelho de Paredes; a Cabopol, sediada em Porto de Mós, integrada na multinacional Mekkin e que se dedica à investigação, desenvolvimento e produção de compostos termoplásticos; ou a histórica metalúrgica Arsopi, detida pela família Pinho, que desde 1942 fábrica em Vale de Cambra equipamentos para as indústrias alimentar, química ou petroquímica.
Em sentido inverso, há outras firmas que perderam protagonismo no mercado russo com o início da guerra. É o caso da OLI, produtora de autoclismos, que, “pese embora o nível de atividade esteja abaixo dos anos anteriores”, mantém uma fábrica na Rússia com 42 funcionários, para abastecer o mercado local.
Os investimentos previstos no valor de 750 mil euros foram “cancelados”, disse ao ECO o administrador, António Ricardo Oliveira. Quando Putin invadiu a Ucrânia, a dívida da filial russa à casa-mãe portuguesa era superior a 2,5 milhões de euros. Volvido um ano, a exposição do grupo de Aveiro está ainda em “valores próximos dos 300 mil euros”, contabiliza o gestor, que mantém a “perspetiva de saldar todas as dívidas em 2023”.
Bacalhau e químicos ganham quota à energia nas compras à Rússia
Se na lista de clientes a Rússia caiu 16 posições, de 37º em 2021 para 53º em 2022, de acordo com os dados facultados pela AICEP, os russos tropeçaram dez lugares (de 13º para 23º) no ranking de fornecedores das empresas nacionais. No ano passado, indicam os dados preliminares, Portugal comprou um total de 649 milhões de euros à Rússia. Um montante que ficou 39,2% abaixo do registo do ano anterior, com a taxa de cobertura das exportações pelas importações a baixar para 13,6%.
Embora encolhendo para quase metade, a rubrica dos combustíveis continua a ser, de longe, a mais representativa nas compras portuguesas. Seguiram-se os produtos químicos e agrícolas, em que os negócios até subiram face ao período pré-guerra.
Apesar de, poucos dias após o início do conflito militar, a Galp ter anunciado a suspensão de “quaisquer novas aquisições de produtos petrolíferos provenientes quer da Rússia, quer de empresas russas”, admitindo nessa altura que a medida poderia ter “impacto na refinaria de Sines e na sua contribuição financeira”, a Petrogal continua a surgir no topo da lista de compradores portugueses à Rússia, que não detalha os valores envolvidos. Nesse mesmo comunicado, avisava, porém, que as cargas de produtos petrolíferos com origem na Rússia que já tinha adquirido e que estavam em trânsito seriam “recebidas e descarregadas”.
A empresa liderada por Filipe Silva lembra o anúncio feito a 2 de março e esclarece ao ECO que “as importações feitas no último ano decorreram de cargas em curso até ao final desse mês”. “A análise à evolução de importações de VGO [gasóleo de vácuo, uma das matérias-primas utilizadas para a produção de gasóleo na refinaria de Sines] permite constatar que o peso da Rússia no total de importações da Galp caiu de 83% em 2021 para 22% em 2022. De abril de 2022 até hoje, esse peso está nos 0%”, acrescenta fonte oficial.
Conforme anunciado a 2 de março de 2022, ou seja, na semana seguinte ao eclodir da guerra na Ucrânia, a Galp tomou a decisão de deixar de importar produtos petrolíferos da Rússia. Dessa forma, as importações feitas no último ano decorreram de cargas em curso até ao final desse mês.
O pódio das importadoras fica completo com outra empresa de energia, cuja designação comercial, apurou o ECO, corresponde à espanhola Naturgy, que também opera em Portugal e que foi uma das empresas que continuaram a importar gás russo; E com a SGL Composites, instalada no Parque Industrial da Quimiparque, no Barreiro. Esta empresa de fibras técnicas, que até há pouco tempo era conhecida como Fisipe, emprega cerca de 300 pessoas, segundo informação oficial. Chegou a pertencer ao grupo José de Mello e atualmente faz parte da gigante alemã SGLCarbon, uma das principais fabricantes mundiais de produtos de carbono.
Numa lista em que, face a 2021, se mantêm outros pesos pesados da indústria nacional, como é o caso da Continental Mabor – a fábrica de pneus do grupo germânico em Famalicão foi, a nível global, a quarta maior exportadora portuguesa em 2022 –, entre as 15 mais compradoras à Rússia, quatro são indústrias transformadoras de bacalhau: a Riberalves (Torres Vedras), a Lugrade (Coimbra) e três que tem fábricas na Gafanha da Nazaré, no concelho de Ílhavo, o Grupo Rui Costa e Sousa & Irmão, a CNCB – Companhia Nacional Comércio Bacalhau e a Pascoal.
O setor químico é outro dos que mais continua a comprar à Rússia. Duas das importadoras na lista fazem parte do grupo RNM: a Blue Chem, que vende um produto para os setores dos transportes terrestres e marítimos, a agricultura e a indústria reduzirem os gases poluentes enviados para a atmosfera; e a RNM Produtos Químicos, especializada em soluções integradas ao nível de logística, apoio técnico, armazenagem e transporte deste tipo de mercadorias.
O lote fica completo com a tailandesa Indorama, que há cinco anos pagou 28 milhões de euros pelos ativos da Artlant, a fábrica petroquímica que a Caixa Geral de Depósitos tinha em Sines, e adquiriu também a Artelia Ambiente à Veolia.
Já o segmento dos plásticos manteve em 2022 dois fortes representantes nas importações com origem na Rússia. Localizada na zona industrial de Albergaria-a-Velha, onde tem uma unidade com mais de 170 mil metros quadrados, a Polivouga dedica-se desde 1982 ao fabrico de filmes e mangas para a agricultura e indústria, além de sacos para a distribuição e comércio tradicionais em Portugal. E a filial da gigante peruana Oben, que há dois anos comprou a Poligal ao grupo Peralada, para ficar com a fábrica de película plástica para embalar produtos alimentares instalada desde 2008 em Arcos de Valdevez e que na altura da venda faturava 80 milhões de euros.
Por outro lado, neste top 15 com os importadores de bens da Rússia saltam à vista as saídas das duas fábricas da Siderurgia Nacional no Seixal e na Maia, controladas pela espanhola Megasa, assim como, ainda dentro do mesmo setor, da Planos Ferricos Portugal, que pertence ao grupo Plafesa, com origem igualmente no país vizinho. Uma consequência direta das sanções impostas pela União Europeia à importação de aço acabado russo para o bloco europeu, embora alguns metais não tenham tido a sua venda restrita ou sancionada.
Guerra abrandou investimento russo em Portugal
No “campeonato” dos serviços, por outro lado, os dados do Banco de Portugal mostram apenas uma ligeira quebra de 1,1% nas transações com os russos em 2022, em termos homólogos, totalizando 101 milhões de euros. Em sentido inverso, as importações portuguesas de serviços provenientes da Rússia ficaram-se pelos 48 milhões de euros, em resultado de uma quebra de 43%.
Somando bens e serviços, a quota da Rússia no comércio internacional português no ano passado foi de 0,15% (vs. 0,3% em 2021) enquanto cliente e baixou para 0,52% (vs. 1,13% em 2021) na qualidade de fornecedor. Já os indicadores do banco central relativos ao turismo, mostram que as receitas turísticas provenientes dos russos recuperaram para 79,3 milhões de euros, mas continuam abaixo do nível pré-pandemia, quando valiam quase 1% do valor total angariado pelo turismo português.
Sem surpresa, o início da guerra na Ucrânia interrompeu a tendência de crescimento que nos anteriores se vinha verificando no investimento russo em Portugal. O fluxo de IDE (investimento direto estrangeiro) proveniente da Rússia baixou 20%, para 44,9 milhões de euros em 2022.
Em dezembro, o stock era de 348 milhões de euros, que compara com a posição de apenas 15,6 milhões que Portugal tinha no papel de investidor na Rússia no final do ano passado. Prosseguindo (e acentuando) as perdas que já vinham dos quatro anos anteriores, em que o desinvestimento foi sempre superior ao investimento bruto, o fluxo de investimento direto de Portugal no território russo foi negativo em nove milhões de euros em 2022.
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