Rússia arrefece negócio de esquentadores da Bosch em Aveiro

A Bosch Termotecnologia, que em 2021 foi o segundo maior exportador nacional para a Rússia, já está à procura de alternativas a um mercado que valia perto de 5% das exportações da fábrica aveirense.

Com a guerra na Ucrânia a arrastar-se e sem dar sinais de fim à vista, cada vez mais empresas refazem as contas do negócio e começam a assumir as perdas com o mercado russo. É o caso da Corticeira Amorim que está a tentar cobrar dívidas na Rússia, da Laskasas que fechou a loja de móveis em Moscovo, e também da Bosch Termotecnologia, que em 2021, de acordo com os dados fornecidos pelo INE, foi a segunda maior exportadora de mercadorias de Portugal para o país liderado por Vladimir Putin.

Em declarações ao ECO, o responsável da Bosch em Portugal, Carlos Ribas, contabiliza que o peso das exportações para a Rússia “andará entre os 4% e os 5% da atividade” desta unidade industrial, que produz também as marcas Vulcano e Junkers. “Não é assim tão impactante, mas afeta sempre. Vendemos para lá esquentadores, que são o produto que ainda mais fazemos em Aveiro. Vamos sentir algum impacto e, por isso, estamos neste momento à procura de [outros] mercados para tentar compensar” os prejuízos na Rússia, completa.

Para o grupo alemão, o impacto mais direto e imediato do conflito militar chega da fábrica de Aveiro, fornecedora de soluções de água quente através de esquentadores (elétricos e a gás), caldeiras e bombas de calor, que exportava diretamente para a Rússia. No entanto, o gestor da multinacional, que em Portugal tem também unidades industriais em Braga (multimédia automóvel) e em Ovar (sistemas de segurança), reconhece que “se a situação não se resolver rapidamente, é uma questão de tempo até todo o mercado ser afetado”.

Fábrica 2030 - Portugal e a Reindustrialização Europeia - 24NOV20
Carlos Ribas, CEO da Bosch PortugalHugo Amaral/ECO

“A Rússia é um consumidor de tudo o que se faz no resto do mundo. Portanto, todos os nossos mercados estão expostos, a médio e longo prazo. A fábrica de Braga fornece muito a indústria automóvel e se os automóveis não estão a ser vendidos na Rússia, muito provavelmente também vamos ser impactados. Sendo a Rússia um mercado muito grande e forte em todas as áreas, é uma questão de tempo e todas as indústrias vão ser afetadas. Umas mais do que outras”, resume Carlos Ribas.

A Bosch Termotecnologia foi uma das 600 empresas nacionais que exportaram para a Rússia entre janeiro e dezembro de 2021. Segundo dados preliminares do INE, Portugal vendeu à Rússia mercadorias no valor de 178,4 milhões de euros, o que significa uma taxa de cobertura pelas importações de 16,7%. Aliás, o desequilíbrio no comércio é visível noutro ranking: é o 13º maior fornecedor do país e apenas 37º principal cliente. Na lista dos bens mais vendidos para aquele destino destacam-se os produtos agrícolas e alimentares, a cortiça e a maquinaria industrial.

O volume de negócios da Bosch em Portugal caiu 10% para 1.600 milhões de euros em 2020, o primeiro ano da pandemia e o último para o qual a multinacional já divulgou os resultados financeiros relativos à operação portuguesa. Mais de 95% das vendas são feitas nos mercados internacionais. No final do ano passado, o grupo assegurava cerca de 6.000 postos de trabalho no país, dos quais mais de mil em funções de engenharia nos centros de investigação e desenvolvimento (I&D).

O plano de negócios desenhado no final do ano passado perspetivava “crescimentos entre o 10% e os 20%, dependendo das unidades de negócio”. Carlos Ribas reconhece que “algo vai mudar daqui por algum tempo”, quando o grupo fizer uma das habituais e periódicas análises internas sobre o andamento da atividade. “Obviamente que sim. Na próxima revisão, em função de como o mercado se comportar até lá, poderemos ter de fazer ajustes. Esperamos que não, mas neste momento ainda não conseguimos ter essa visão” sobre como vai evoluir o negócio, reforça.

“Medidas internas” para compensar subida dos custos

A conjuntura adversa pelo início de uma guerra na Europa segue-se à outra provocada pela pandemia de Covid-19. Se as fábricas de Aveiro e de Ovar até acabaram por bater recordes de vendas nos dois últimos exercícios, as quebras no “porta-aviões” que é a unidade de Braga interromperam o ciclo de crescimento da Bosch em Portugal. Em 2020 foi obrigada a parar a produção quando os clientes da indústria automóvel também o fizeram; e em 2021 “um bocadinho ainda devido à Covid, mas muito mais pela falta de semicondutores no mercado”, também falhou as metas de faturação.

Entre maio e setembro, durante vários períodos, a Bosch Car Multimedia foi obrigada a parar a produção e a recorrer ao lay-off devido à escassez de semicondutores no mercado. Passado quase um ano do início desses problemas, Carlos Ribas conta ao ECO que o problema “já não é comparável”, embora “ainda [haja] alguns fornecedores com limitações”. “Conseguimos algumas alternativas e também os fornecedores de chips aumentaram a capacidade e estão a conseguir abastecer o mercado de uma forma mais eficaz”, detalha.

O problema de escassez de semicondutores no mercado já não é comparável com o que era no ano passado [e que fez parar a produção], mas ainda temos alguns fornecedores com limitações.

Carlos Ribas

Responsável da Bosch em Portugal

Já sobre o aumento dos custos, tanto destes semicondutores como de outros materiais, como o aço ou o cobre, sublinha que o período mais crítico para a empresa foi entre o final do ano passado e o início deste ano, em que “os preços aumentaram 20% a 30% com muita facilidade – até mais do que isso”. Foi assim com os contentores marítimos, por exemplo, em que o preço chegou a triplicar durante o segundo semestre de 2021.

A escalada dos preços da energia é outra fonte de preocupação. “Pela mesma quantidade de energia consumida em 2020, em 2021 pagámos o dobro e continua a subir. Está com muitas oscilações neste momento. É realmente um fator que nos afeta bastante no resultado. A energia tem um contributo bastante significativo no processo produtivo de todas as nossas unidades”, resume o gestor.

Perante o aumento dos preços da energia e de todas as outras componentes, está a conseguir passar parte desses custos para os clientes, repartindo o esforço? “Não. Não é fácil. Estamos a tentar compensar com medidas internas, em cada uma das unidades produtivas. Os clientes, obviamente, tentam limitar o mais que podem ver refletido esse custo adicional nos produtos e nós estamos a tentar otimizar os nossos processos, reduzir o mais possível o consumo de energia e a tentar que o impacto nos afete o menos possível”, responde.

No caso dos esquentadores, que é aquele produto em que este fabricante de origem germânica está mais próximo do consumidor final, em termos de cadeia de distribuição, “até este momento ainda não fez refletir” a subida dos fatores de produção no preço de venda ao público destes artigos que comercializa com as marcas Bosch, Vulcano ou Junkers. “Durante quanto tempo é que isso irá ser possível, não lhe vou saber dizer”, conclui Carlos Ribas.

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