Exclusivo Compra de produtos de marca branca dispara nos supermercados portugueses
Em contexto de inflação, duplica o ritmo de crescimento das marcas próprias dos supermercados, que já pesam 42,2%. É na comida que os portugueses mais optam por comprar estes produtos mais baratos.
Num ano em que a taxa de inflação média anual em Portugal se fixou em 7,8%, o valor mais elevado em 30 anos, de acordo com dados oficiais publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o ritmo de crescimento da quota de mercado das chamadas marcas brancas, comercializadas pelos supermercados portugueses, duplicou em 2022, de acordo com os dados fornecidos ao ECO pela consultora Kantar.
Embora já houvesse um “crescimento consistente”, trimestre após trimestre, desde o início de 2019, a diretora comercial, Marta Santos, confirma que o ano passado foi “o acelerador do ganho de quota das marcas da distribuição”, que justifica com o contexto económico. “Todo o espetro à volta do consumidor, com a guerra, a inflação, a incerteza e os restantes custos que estão a aumentar – além do grande consumo –, têm culminado neste fenómeno”, detalha.
Todo o espetro à volta do consumidor, com a guerra, a inflação, a incerteza e os restantes custos que estão a aumentar – além do grande consumo -, têm culminado neste fenómeno.
No último trimestre de 2022, as marcas próprias das retalhistas já pesavam 42,2% nas vendas totais dos supermercados em Portugal, o que compara com a percentagem de 38,1% registada no mesmo trimestre do ano anterior. E apesar de este ser “um fenómeno que ganha uma mancha por todas as macro categorias”, como a higiene pessoal, continua a ser nos produtos alimentares que a preferência por este tipo de produtos mais baratos mais se faz sentir.
Nos dados divulgados esta sexta-feira, o INE confirmou que a inflação abrandou para 8,2% em fevereiro, mas os preços dos alimentos voltaram a aumentar. Olhando para os vários contributos para a taxa de inflação geral, o mais expressivo foi a classe de bens alimentares e bebidas não alcoólicas, que registou uma variação homóloga de 21,5% (20,6% no mês precedente), valor mais elevado desde maio de 1985.
Por outro lado, a inflação aprofundou a tendência de ir mais vezes às compras, comprando menos em cada ida ao supermercado. O estudo “Shopper Insights”, elaborado pela consultora de mercado Kantar, mostra que a frequência com que os portugueses foram às compras aumentou 4% de 2021 para 2022, mas o volume médio de cada carrinho de compras diminuiu 13,2% no mesmo período, com o gasto médio em cada ida às compras a descer 5,5% face ao ano anterior.
Associado à perda de poder de compra dos portugueses, outro fator que está a contribuir para o maior peso das marcas próprias é o crescimento de retalhistas alinhadas com esta estratégia, como é o caso do Lidl, do Aldi ou da Mercadona – no caso da cadeia de origem espanhola, estas marcas representam mais de 80% das compras. Além de outras, como o Intermarché ou a Sonae, que têm seguido este caminho, em detrimento das marcas dos fabricantes. “É uma aposta que está muito visível na quase totalidade dos retalhistas”, confirmou Marta Santos.
“Pelo peso crescente que estas cadeias de sortido mais curto [Lidl, Mercadona e Aldi] têm no nosso mercado, as compras nas respetivas lojas levam a que o consumidor, voluntária ou involuntariamente, inclua uma parcela muitíssimo mais ampla de produtos de marca dos distribuidores na sua cesta”, concorda Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca, que recusa ficar-se pela explicação da conjuntura económica e da perda de poder de compra de grande parte das famílias portuguesas.
Efeitos na “equação de rentabilidade” dos retalhistas
No entanto, há outros fatores relevantes, acrescenta Pimentel, como a “concorrência crescente entre os retalhistas estabelecida através da competição entre as suas marcas próprias, sendo hoje incomparavelmente maior o espaço de comunicação e promoção que lhes é dedicado”. Ou o facto de, mesmo nas cadeias em que a presença das marcas dos fabricantes é muito relevante, parte das vendas ser transferida das lojas de maior dimensão para os supermercados de proximidade, de área e de sortido menores.
“Tudo isto não interfere com o reconhecimento do trabalho cuidado e bem executado pela maior parte das insígnias, de melhoria continuada de qualidade, de apresentação, de consistência, de segmentação e, em alguns casos, inclusive, de ocupação de espaços em que as marcas de fabricante não estão presentes e que tornam as marcas próprias das insígnias, em muitas categorias de produto, uma escolha facilitada para muitos consumidores”, argumenta Pedro Pimentel.
As marcas de fabricante lutam demasiadas vezes com armas muito desiguais no acesso, no espaço e nas margens aplicadas aos seus produtos, que distorciam os preços e a perceção dos consumidores.
Questionado sobre as preocupações para as marcas, que representa, lembra que, considerando a quebra do poder de compra e o encurtamento da carteira das famílias, o crescimento da quota das marcas brancas resulta de espaço antes ocupado pelas marcas de fabricante, que “lutam demasiadas vezes com armas muito desiguais no acesso, no espaço e nas margens aplicadas aos seus produtos, que distorciam os preços e a perceção dos consumidores”. “Estes são tempos de alguma angústia, pela dificuldade de perceber em que momento se verificará a inversão deste ciclo muito negativo”, reconhece.
Para o mercado e para o consumidor, “as consequências poderão nesta fase não ser percebidas como muito gravosas, mas a fatura está já a ser paga e será cada vez mais pesada no futuro próximo”. A começar pela menor escolha nas prateleiras e pela presença cada vez mais curta de produtos diferenciados e inovadores. E também na carteira. É que o esforço de conter os preços das marcas próprias “faz com que a equação de rentabilidade de muitos retalhistas os ‘obrigue’ a recuperar nos restantes produtos o que não conseguem extrair nos produtos das suas próprias marcas”.
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