Lei das startups vai a votos no Parlamento entre críticas dos empreendedores
Assembleia da República vota esta sexta-feira a proposta final da Lei das Startups, que mantém a exclusão parcial dos founders dos benefícios fiscais previstos no novo regime das stock options.
A proposta de Lei das Startups vai ser votada esta sexta-feira em plenário no Parlamento. O documento, que engloba as propostas de alteração do PS, mantém a exclusão parcial dos founders dos benefícios previstos no novo regime fiscal aplicado aos planos de stock options para colaboradores. “Uma oportunidade perdida”, reage o ecossistema.
“Esta Lei das Startups é uma oportunidade perdida e uma inconsistência de um Governo que defende e promete uma lei focada no aumento da competitividade das suas startups e da sua economia, para depois desincentivar os fundadores a manterem em Portugal as suas empresas. Esta lei em nada contribui para que o nosso país deixe de ser, no contexto do ecossistema tech, ‘apenas’ um país que recebe a Web Summit”, reage Miguel Santo Amaro, CEO da Coverflex.
Esta lei em nada contribui para que o nosso país deixe de ser, no contexto do ecossistema tech, “apenas” um país que recebe a Web Summit.
A proposta que vai a votação final no hemiciclo já engloba as propostas do grupo parlamentar do PS, aprovadas na quarta-feira na Comissão de Orçamento e Finanças. Mantém-se a exclusão dos fundadores e dos gestores, que tenham mais de 20% do capital social ou direitos de voto, dos benefícios fiscais dos planos de stock options para trabalhadores.
“Estão excluídos do presente benefício: os sujeitos passivos que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 20 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade atribuidora do plano; os membros de órgãos sociais da entidade atribuidora do plano”, pode ler-se no texto final da proposta que emergiu da votação na especialidade, a que o ECO teve acesso. Na proposta inicial do Governo, esse patamar era de mais de 10%.
“O disposto no número anterior não é aplicável relativamente a entidades que, no ano anterior à aprovação do plano, qualifiquem reconhecida como startup, nos termos da legislação em vigor, ou qualificadas como micro ou pequena empresa, de acordo com os critérios previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, na sua redação atual”, ressalva ainda o diploma. Ou seja, não estão excluídos do benefício fiscal fundadores ou gestores de startups que empreguem “menos de 250 trabalhadores” e tenham “um volume de negócios anual que não exceda os 50 milhões de euros”.
O benefício aplica-se ainda a entidades que “desenvolvam a sua atividade no âmbito da inovação”, ou seja, entidades que “tenham incorrido em despesas com investimento em investigação e desenvolvimento (I&D), patentes, desenhos ou modelos industriais ou programas de computador equivalentes a pelo menos 10% dos seus gastos ou volume de negócios.”
O que diz o ecossistema?
As alterações à lei sabem a pouco, já tinham lamentado os fundadores dos unicórnios Feedzai e Sword Health. Não são os únicos a dizê-lo. E explicam porquê.
“Sinto que o governo português desvalorizou founders que têm a coragem de montar o seu próprio negócio, em condições adversas, num país pequeno. Investem o que têm e não têm para montar um negócio, inovar indústrias, criar postos de trabalho. Criam empresas à escala internacional, levando o nome de Portugal lá para fora, e atraem milhões de euros de investimento externo para o país, que acha que não merecemos ter algum benefício em termos de Employee Stock Ownership Plan (ESOP). É por estas razões que sentimos a necessidade de montar as nossas startups fora do país para termos condições mais competitivas”, atira Miguel Alves Ribeiro, founder da sheerMe.
Sinto que o governo português desvalorizou founders que têm a coragem de montar o seu próprio negócio, em condições adversas, num país pequeno.
“Há aqui uma falta de visão de futuro e o potencial que algumas destas startups podem ter. Acima de tudo, uma desvalorização de pessoas (founders nacionais) incríveis que temos no nosso país, que têm a coragem de ser disruptivos todos os dias e que correm riscos tremendos”, conclui o também CEO da sheerMe, que está a dar passos no sentido da internacionalização.
Humberto Ayres Pereira, cofundador da spreadsheet Rows.com, e anteriormente da AirCourts.com e Skin.pt, mostra-se igualmente desiludido. “A lei das startups resolve uma parte do problema das startups, mas na minha visão fica aquém do que é justo, benéfico e prático para Portugal“, começa por referir. Apesar de a proposta, no que toca ao tema das stock options, “ser positiva para os trabalhadores, coloca um entrave aos fundadores. Que além das ações normais (já taxadas em regime vantajoso de mais-valias), recebem também vários incentivos em stock options — e frequentemente têm mais de 20% do capital”.
“Prevejo que continuem a haver muitos empreendedores que montam empresas no estrangeiro em vez de Portugal, pois terão regimes muito mais simples e vantajosos. Adicionalmente, considero que a distinção entre ganhos de capital e trabalho é antiquada e injusta, penalizando quem trabalha, pelo que espero mais reformas para o futuro, que deem incentivos a todos os trabalhadores”, considera o cofundador da Rows.com.
Daniela Simões também se mostra descontente. “A atual proposta do Governo para a Lei das Startups vem reforçar a ideia de que não existe um reconhecimento do trabalho que muitas empresas nacionais fazem para trazer valor ao mercado português, inovando e arriscando em setores essenciais para o futuro e riqueza do país”, diz a cofundadora e CEO da Miio.
“Todos sabemos que, à data de hoje, estar sediado em Portugal representa uma carga fiscal muito elevada e um esforço gigante por parte das empresas. Desta forma, parece-nos de bom tom que os fundadores não sejam excluídos dos benefícios fiscais, na medida em que, por vezes, pode acontecer em rondas de financiamento dar-se a possibilidade de os fundadores negociarem também com stock options“, reforça.
Será mais uma lei cartaz sem utilidade relevante para aumentar a competitividade do nosso ecossistema de inovação, com a agravante de que cria incentivos para que os projetos que correm melhor se mudem para outros ecossistemas mais amigos dos empreendedores.
Apesar de considerar a proposta positiva, na “globalidade”, José Sacadura também ficou “espantado” com o facto de a medida “não abranger fundadores e membros de órgãos sociais”. “Quem toma o primeiro risco de investimento e reputacional, aos olhos desta lei, não é para se ter em conta. Parece que não temos nada a aprender com países como Alemanha, EUA ou Israel, onde este ponto é considerado como um dos fatores principais do sucesso do empreendedorismo nestes países”, argumenta o cofundador e general manager da Power Dot.
“Lamentavelmente, acredito que será mais uma lei cartaz sem utilidade relevante para aumentar a competitividade do nosso ecossistema de inovação, com a agravante de que cria incentivos para que os projetos que correm melhor se mudem para outros ecossistemas mais amigos dos empreendedores”, refere, por seu turno, Pedro Ramalho Carlos, partner da Shilling.
O que traz de novo a lei?
Mas nem todos são críticos da futura lei que, depois da votação final e promulgação em Belém, irá reger o ecossistema nacional. É o caso de David Salgado Areias, administrador da sociedade Areias Advogados, que aponta a evolução positiva introduzida pela lei, mesmo no que toca ao tema das stock options. “O regime introduzido pode não ser perfeito, mas é um avanço significativo”, diz.
“A alteração das regras aplicáveis às stock options era devida há muito tempo. O regime atual não se mostrava ajustado à realidade e gerava tributação num momento em que não era justo que ela acontecesse, sem reconhecer o risco associado a estes instrumentos. Na realidade, deixava as empresas portuguesas mais limitadas do que as de muitos outros países, colocando dificuldades práticas à criação deste tipo de incentivos para os seus trabalhadores”, considera.
Esta lei é muito importante para o setor em Portugal e creio que os efeitos positivos se farão sentir. Não só porque havia áreas em que era preciso introduzir correções, como a das stock options, mas também para manter Portugal na linha da frente da atratividade de investimento.
O novo regime propõe que os beneficiários sejam apenas tributados no momento da alienação das participações ou pela perda da qualidade de residente em Portugal, por exemplo, sendo a taxa de IRS aplicada a 50% dos ganhos, resultando numa taxa efetiva de 14%.
Alterações fiscais a este mecanismo — visto como uma forma de atrair talento num momento em que as empresas podem não ter capacidade financeira para pagar elevados salários, compensando o talento com ações — eram há muito defendidas pelo mercado.
“Esta lei é muito importante para o setor em Portugal e creio que os efeitos positivos se farão sentir. Não só porque havia áreas em que era preciso introduzir correções, como a das stock options, mas também para manter Portugal na linha da frente da atratividade de investimento. Por exemplo, Espanha aprovou já este ano a sua própria lei para as startups (a que chamaram lei de fomento do ecossistema das empresas emergentes), o que mostra bem a competição que existe entre territórios“, diz David Salgado Areias.
O advogado, Lawyer of the Year Startup 2020, no Iberian Lawyer Awards Under 40, destaca ainda o papel que a futura lei vai desempenhar. “Com esta nova lei, Portugal passará a ter uma definição legal de startup e de scaleup e uma forma de reconhecimento desse estatuto. O que esta lei tem de mais importante, porém, é o conjunto de alterações fiscais que visam tornar Portugal num território mais atrativo para este tipo de empresas e para o investimento em Investigação & Desenvolvimento. Trata-se de um instrumento importante por resolver algumas questões que estavam desajustadas da realidade deste tipo de empresas e por introduzir incentivos adicionais ao investimento”, conclui.
(notícia atualizada às 9h12)
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